sexta-feira, 30 de setembro de 2022

CARIBÉ, O BRANCO MAIS NEGRO DO BRASIL

Caribé, Des. Tomaz Gomes Campelo e Aci Campelo, no dia do lançamento do livro



CARIBÉ, O BRANCO MAIS NEGRO DO BRASIL


Elmar Carvalho


Participei, ontem à noite, do lançamento do livro Guia Turístico Afro-Cultural da Região Meio Norte, da autoria do professor, pesquisador e escritor Antônio Júlio Lopes Caribé. Estavam presentes familiares, amigos, artistas e escritores, entre os quais Tomaz Gomes Campelo, Aci Campelo, Ruimar Batista da Costa, Rosinha Amorim e José Fortes Filho.

A apresentação foi feita pelo escritor e jornalista Zózimo Tavares, que se desincumbiu da missão com a competência que lhe é peculiar, abordando os principais aspectos do conteúdo do livro, de forma breve, mas jamais superficial, com o poder de síntese, que lhe é caraterístico, fazendo lembrar, por esse aspecto e também por sua capacidade de observação e análise, o seu colega de APL e de jornalismo Carlos Castelo Branco.

Depois, o autor fez a sua explanação, e com a generosidade, que lhe é inerente, expressou os seus agradecimentos às pessoas que, de uma forma ou de outra, lhe ajudaram a conceber e publicar o livro. Livro completo, naquilo a que se propôs, tem uma bela orelha, escrita pelo contista e professor da UFPI Airton Sampaio, da qual julgo de bom alvitre extrair o seguinte: “Estruturado como Guia, o livro não deixa, no entanto, de trazer textos descritivo-dissertativos, em forma de artigos, sobre os mais diversos temas, entre os quais avultam, a meu ver, o Carnaval, a Literatura e o Cinema”.

O livro é um grande inventário afro-cultural do Piauí e do Maranhão, e, portanto, trata dos principais eventos, arrola as principais casas e instituições ligadas aos temas que aborda, e se reporta às lendas, folguedos, danças, literatura, religiosidade e ao folclore em geral desses dois estados, citando as principais personalidades dessas manifestações culturais.

Facultada a palavra, resolvi prestar um breve depoimento. Inicialmente, fiz referência à sintética e eficiente apresentação do Zózimo, e em cretino trocadilho disse que ele não nos encheu o saco e nem encheu linguiça, e que não encheu o saco exatamente por não ter enchido linguiça, ou seja, por não ter entrado em minudências e digressões enfadonhas, com a finalidade apenas de delongar a fala, como sói acontecer em muitos e quilométricos discursos.

Expliquei que conheço o Caribé há muitos anos, desde o final dos anos 80, quando presidi a União Brasileira de Escritores do Piauí – UBE-PI. Com o seu apoio e de outros valorosos companheiros, lutei para que a Literatura Piauiense fosse inserida em dispositivo da Constituição Estadual, cuja campanha terminou vitoriosa, com o respaldo decisivo do deputado constituinte Humberto Reis da Silveira. Eu, o Caribé e outros membros da UBE-PI participamos de várias peripécias lítero-culturais no interior do estado, em cidades como Oeiras, Amarante e Luzilândia.

Na bela e bucólica Amarante, estávamos passeando na beira do cais, com a presença casual de bela ninfa, aliás mais ninfeta que ninfa, quando vimos cair do alto do passeio umas pétalas douradas. Era um velho fauno, companheiro nosso, destemido e aguerrido conquistador, que tentava angariar a simpatia da moça.  Claro que o seu esforço romântico resultou infrutífero, mas valeu a pena a beleza daquela improvisada chuva de belas pétalas silvestres.

De longo tempo, conheço-o como escritor, umbandista e amante da religiosidade, da cultura, da arte e da beleza negra, o que restou provado com o seu livro. Por isso mesmo disse, e tenho repetido isso muitas vezes, que o Caribé, branco dos olhos azuis e casado com uma mulher branca e loura, depois da morte de Vinícius de Moraes, tornou-se o branco mais negro do Brasil.  

16 de abril de 2010

quinta-feira, 29 de setembro de 2022

quarta-feira, 28 de setembro de 2022

NEORREGIONALISMO LITERÁRIO NA OBRA TOMBADOR DE FONTES IBIAPINA (1)


 

NEORREGIONALISMO LITERÁRIO NA OBRA TOMBADOR DE FONTES IBIAPINA (1)

 

Carlos Evandro M. Eulálio*

 

Resumo

 

 

                Este ensaio pretende demonstrar como o Neorregionalismo literário comparece na obra Tombador, dentro dos parâmetros que norteiam a estrutura do romance de 1930. Para tanto, inicialmente, faremos uma abordagem acerca das duas correntes que ainda hoje orientam a produção literária do gênero romance, do romantismo aos nossos dias e, em seguida, analisaremos a obra em referência, destacando seu autor Fontes Ibiapina como um dos herdeiros mais expressivos da prosa de 1930 em nosso meio.

 

Palavras-chave: Moderna ficção, Fontes Ibiapina, Neorregionalismo, Tombador.

 

 

Introdução

 

Na moderna ficção brasileira, em meio à revolução formal, introduzida no código linguístico literário por Guimarães Rosa, e de sua consequente evolução até os nossos dias, ainda constatamos a existência de duas correntes que tipificam o modelo de produção do romance brasileiro: a corrente introspectiva ou de sondagem moral e psicológica, que dinamiza a herança do Realismo-Naturalismo científico do século XIX, tendo Machado de Assis e Aluísio de Azevedo como seus expoentes, e a corrente social-regionalista. Esta, identificada em dois momentos de nossa historiografia literária: o primeiro momento, no Romantismo, nas obras de Alencar, Bernardo Guimarães, Taunay e Franklin Távora, que mostram o pitoresco de nossa paisagem sertaneja e os costumes da sociedade rural do século XIX; o segundo momento, no Neorregionalismo de 1930 que, numa linguagem simples e típica de cada região, realiza a crítica sociopolítica, com a preocupação em denunciar as desigualdades e injustiças sociais, sobretudo no Nordeste brasileiro. Destacam-se José Américo de Almeida, Graciliano Ramos, Raquel de Queirós, Jorge Amado, José Lins do Rego e outros, como principais representantes do romance de 1930, tida como a etapa áurea de nossa prosa de ficção.  

Cabe mencionar que, essas correntes (introspectiva e social-regionalista) não se isolam, pois há autores, como Graciliano Ramos, que em seu romance São Bernardo, de uma forma híbrida, alia peculiaridades dessas duas modalidades de romance.

 

Neorregionalismo no Piauí

 

Na literatura piauiense, embora alguns atribuam o papel de precursor do Neorregionalismo a Renato Castelo Branco, que em 1948 publicou Teodoro Bicanca, só a partir da década de 1950, esse gênero definitivamente ganha no Piauí espaço e maior visibilidade com as produções literárias de Fontes Ibiapina. Lembra Elson de Assis Rabelo, (2) que Fontes Ibiapina surge nos meios literários piauienses no intervalo de tempo entre a dissolução do Meridiano e o início do Movimento de Renovação Cultural, liderado em Teresina pelo prof. Raimundo Nonato de Santana.(3) Assim, podemos destacar Fontes Ibiapina como consolidador e autêntico herdeiro do Neorregionalismo de 1930 na literatura de expressão piauiense. Nos romances e contos que escreveu, de ambientação piauiense, o homem do meio rural predomina com seus problemas existenciais e sociais. Nos contos e principalmente nos romances Sambaíba, Vida Gemida em Sambambaia e Tombador, em que Fontes Ibiapina adota a técnica realista-documental, temos um narrador memorialista, identificado com a região onde viveu na infância e na adolescência, fato que se confirma na descrição da fazenda Tombador:   

 

“A caatinga parecia mais um jardim, de tão bonita de verde. Tombador era assim como se um céu de rosas. Um verdurão de mata que, de tão grande, se via o começo, mas não se via o fim. O baixão velho perdia as cerimônias e se destabocava. Desbancava-se com tudo, lá das bandas do Morro das Araras. Chega gemia de tão cheio! E o verdurão bonito se perdendo mundo afora. À noite, um relâmpago maduro riscava o papa-fogo dum punho a outro da rede da nascente. E um trovão redondo e cheio estremecendo que mais parecia dentro do coração da gente.

[...] Antes do meado de fevereiro, os currais já batendo chifres de vacas paridas. Leite, coalhada, requeijão...de sobra para gatos e cachorros. Até para negros cativos. A negrada toda de bucho tinindo de cheio, trabalhando nas roças, na maior satisfação da vida. Um lastro de legume que fazia gosto. Mas legume de o cabra passar os olhos e ficar de água na boca!” (IBIAPINA, 1971, p. 11-12).

 

                No trecho acima, descritivo-narrativo, técnica de construção textual muito usada por Fontes Ibiapina, também recorrente em Clarice Lispector, verifica-se que nas passagens estritamente narrativas quase todos os verbos estão no imperfeito do indicativo. Isso confirma que a memória literária é acionada por esse tempo verbal que contextualiza no romance as reminiscências do narrador, através de expressões em frases que denotam experiências vividas: “E um trovão redondo e cheio estremecendo que mais parecia dentro do coração da gente”. “Um lastro de legume que fazia gosto. Mas legume de o cabra passar os olhos e ficar de água na boca”. Por esse mecanismo, o autor presentifica no texto suas impressões pessoais diante do cenário descrito.

 

Enredo do romance Tombador

 

O livro Tombador, publicado em 1971, constitui, conforme seu autor, um dos romances da Tetralogia do Couro.(3) Narrado na 3ª pessoa, em 39 capítulos, ambientado no século 19, sua história se passa na região centro-sul do Estado, após a seca de 1845, nos arredores do povoado Jenipapo e das fazendas Riachinho, Tamboril e Boa Vista. Por essa época, ali chegou Bernardino de Góis, na condição de posseiro, em companhia da mulher Justina, com quem se casara recentemente, a fim de fundar naquelas terras devolutas a fazenda Tombador, onde desenvolveria a atividade agropecuária. Eis como o narrador descreve a região:

 

“Quando ali chegaram, não havia vivalmas para remédio por aquelas bibocas. Foi no quinto ou sexto (ou coisa beirando por aí assim) ano depois da seca de 1845. Naqueles tempos aquelas paragens não tinham para bem dizer donos [...] o primeiro que chegasse podia se apossar da maneira que bem entendesse. E foi justamente o que Bernardino de Góis fizera. (IBIAPINA, 1971, p. 9)

 

O fazendeiro Bernardino ou Dino, como é chamado na intimidade, com o auxílio do pai Agostinho de Góis, que lhe fornece a mão de obra escrava, constrói um grande açude na fazenda, garantindo o abastecimento de água durante o ano todo para seus moradores, para o sustento do gado e para o cultivo da lavoura. Em flashback, o narrador recupera fatos passados da vida de Bernardino. Ele se casara com Justina, por imposição e capricho do pai Agostinho. No entanto, gostava de Emília, com quem alimentava ainda a esperança de tê-la como sua mulher. Valendo-se da condição de senhor da fazenda, seduz a escrava Julinha e a engravida. Tomada de furor e de ciúme, Justina ordena que seu escravo Romão Pindoba castigue Julinha. Maltratada física e psicologicamente, a escrava perde a criança. Dino separa-se da esposa Justina, e passa a viver com Emília. Inicia-se a guerra do Paraguai. Os homens das fazendas se escondem nas matas e chapadas, para não serem recrutados pelo Exército. Rompe-se o açude de Tombador, durante um inverno rigoroso. A partir daí, verifica-se também o início da decadência moral, econômica e financeira de Bernardino. Dino é pressionado pelo cunhado Marcelo a ceder para Justina grande parte dos bens que possui, como forma de reparar os danos morais e materiais causados à irmã. Justina seduz o escravo Romão Pindoba de quem engravida. Pindoba é assassinado pelo irmão de Justina. Esta perde o filho, fruto do relacionamento com o escravo. No final da narrativa, Bernardino e Justina se reconciliam, quando ambos são acometidos de extrema loucura. O romance é cíclico, vai da fundação até a quase ou completa estagnação da fazenda Tombador, e tem desfecho com a decadência moral, material e psicológica do seu proprietário.

Quanto ao enredo da obra Tombador, Eneas Barros comenta:

Tombador é um romance de muito sofrimento. As danosas relações entre os senhores de terra e as mucamas escravas, com a cruel interferência das patroas, poupava os homens e destruía as mulheres. A surra de couro que Justina mandou Pindoba dar em Julinha não teve argumento que impedisse. Iaiá! O que é que Ioiô quer fazer com a gente que não faz? Não tinha jeito. A negra apanhou tanto que quase morreu. E ainda teve as costas feridas cobertas de sal, misturado com xerém, onde os pintos fizeram a festa. Essas eram passagens que machucavam o coração de Nonon. Ao escrevê-las, trazia para o caderno uma tentativa de denunciar a opressão vivida pelos escravos no século XIX. Tombador realça paixões proibidas que se concretizam através da loucura. É um romance em que há não um triângulo amoroso, como é muito comum na maioria dos romances, contos, peças teatrais e poemas, mas um quarteto amoroso protagonizado por Bernardino, Justina, Romão Pindoba e Julinha (BARROS, 2012, p. 178).

 

Considerações gerais sobre o romance Tombador

 

Desse extraordinário romance, extraímos informações sobre episódios da realidade sociocultural e histórica do Piauí, que aconteceram na segunda metade do século 19. Cronologicamente o romance é situado após a seca de 1845, estendendo-se até, durante e depois da guerra do Paraguai (1864-1870), maior conflito armado da América do Sul, em que o Brasil teve participação ativa. O romance Tombador aborda várias questões acerca desse conflito, entre elas o recrutamento de fazendeiros, vaqueiros e escravos em terras piauienses para, por imposição da corte, alistarem-se obrigatoriamente no Exército Brasileiro.  

No trecho a seguir, o narrador, pela voz do fazendeiro Dino, reflete acerca dos danos e das más consequências da Guerra do Paraguai em território piauiense. Para tanto, apropria-se do monólogo interior, técnica bastante usada por Dostoiévski em seus romances. O monólogo interior acontece quando a personagem conversa consigo mesmo, permitindo ao leitor conhecer suas ideias e concepções mais íntimas, sobre determinada situação. Essa técnica narrativa é largamente empregada por Fontes Ibiapina em seus contos e romances, como atesta esta passagem:

 

“Diabo! Seria possível que aquela guerra infeliz não tivesse fim nunca? Seria mesmo necessário passarem o resto da vida na chapada? Até quando durariam aquelas privações? Aqueles sofrimentos? E o mais duro de tudo era que a fazenda andava no maior dos abandonos. Legumes morrendo à falta de limpa. Os bezerros das vacas que ainda não haviam sido pegadas se acabando no mato. E eles, os homens, escondidos. Escondidos como se criminosos. Que diacho queria o Rei botando o povo do País pra brigar com o tal Paraguai? No final das contas, no fritar dos ovos, bem poucos homens batendo as pestanas para contarem a história. Quantas e quantas fazendas já caminhando para o pó? Quantos e mais quantos meninos pobres sem pai?  Quantas e mais quantas mulheres pobres sem marido? Quantos cristãos sofrendo e mais sofrendo no mato como eles? E tudo por causa da maldita guerra.” (IBIAPINA, 1971, p. 40). Nesse trecho, fica patente a luta numa guerra cuja causa muitos brasileiros desconheciam.

Mais adiante, retomando a narração em terceira pessoa, o romance mostra a situação dos sobreviventes da guerra, ao retornarem para casa, quando retornavam, em precário estado de saúde e em condições subumanas, como neste relato:

 

“Era Domingos Catingueira, um homem que voltava da morte. O homem que, graças a Deus, voltava da maldita Guerra do Paraguai. Também, só vendo. Voltava acabado. Magro, amarelo de tão pálido. Cabelos grandes. Sujo e vestido em puros quilangos. Um cristão morto em pé. Um cadáver ambulante”. (IBIAPINA, 1971, p.101).

 

                Na literatura brasileira, o romance Tombador constitui uma das fontes de informação e pesquisa sobre a história e os efeitos da Guerra do Paraguai em terras piauienses. Aqui abrimos um parêntese para destacar que a obra Contribuição do Piauí na Guerra do Paraguai, organizada pelo escritor Felipe Mendes, publicada recentemente pela Academia Piauiense de Letras, é de grande relevância para a pesquisa sobre essa guerra. A leitura dessa obra seria uma forma de o leitor aprofundar conhecimentos sobre a participação de piauienses nessa guerra, trazida à baila na ficção de Fontes Ibiapina.                   

Acompanhar a saga da personagem Bernardino de Góis, na obra Tombador é também conhecer a história de nosso antepassado escravista, sob a dominação do patriarcalismo, como eixo fundamental das relações familiares da época. Em Tombador, essa relação de dominação se reflete desde a obediência da mulher à procriação até a sexualização do corpo negro, exaltando-se sua objetificação, e deixando de lado outros valores da essência humana, como o afeto. Em Tombador, Fontes Ibiapina denuncia o discurso que aprisiona o negro na visão animalizadora e o destitui de sua humanidade, como na passagem em que Bernardino seduz a escrava Julinha:

 

“Lá na represa do açude, Julinha aguava uns canteiros de cebola e coentro. Foi quando seu Dino, passando, não se conteve sem dar uma lambida de rabo-de-olho para o lado da negra. Daquele jeito...sem as roupas de baixo... Ó mundo de tentação escancarada! [...] Naquele momento, de roupas molhadas e coladas ao corpo, Julinha não era apenas uma negra feita para o trabalho. Não senhor, uma mulher bonita, novinha em folha, feita para o amor e nada mais.” (IBIAPINA, 1971, p. 53)

 

E no trecho em que Justina seduz o escravo Romão Pindoba, persistindo a mesma relação de dominação, agora focada no   corpo negro masculino:

   

“A primeira vez foi ali mesmo dentro de casa. O negro velho dormindo na varanda, como cativo, bem despreocupado dos prazeres da vida. [...] Naquela noite, em plena escuridão, uma felicidade caminhava, nas pontas dos pés, dentro dum casarão de fazenda, rumo aos punhos da tipoia dum negro cativo de nascença. Veio vindo, babatando pelas paredes, até que chegou. [...] Quando olhava para o seu corpo (preto, bem preto) e para o de Iaiá (branco, bem branco), ô satisfação chameguenta, por parte do Sujo. Coisa quase sem explicação. [...] O negro velho ficava assim, assim... um tanto ou quanto para desconfiado. Mas logo criava alma nova. Logo ela Iaiá [lhe dizia]: Não tivesse ele a menor contrariedade por aquela diferença de cor entre eles, que aquilo era só por fora.” (IBIAPINA, 1971, p. 124).

 

O professor Gregory Balthazar, do Programa de Pós-Graduação em Educação da UNIT, assinala: “a objetificação do corpo negro remete à um legado histórico da escravidão no país. Quando o corpo negro chega ao Brasil ele é trazido como um objeto, a ser coisa de alguém. É desumanizado. As mulheres negras, para além do trabalho escravizado, tinham outra questão que era a violência sexual, como aponta as autoras Lélia Gonzalez e Ângela Davis: Quando a gente fala da objetificação, a gente fala da animalização do corpo negro. [...] ela está muito atrelada com a questão da animalidade ainda”, destaca o professor Gregory Balthazar. (2) Essa visão do negro desumanizado pode ser também constatada na seguinte passagem da obra Tombador, em que o narrador, referindo-se à personagem Bernardino, afirma:

 

Vinha casadinho de fresco. Com um pé-de-meia bem servido: uma boa ponta-de-recurso que o velho lhe dera de mão-beijada. Pra dizer, com até mais ou menos obra de para mais de meia dúzia de negros cativos, inclusive negras parideiras. (IBIAPINA, 1971, p. 9).

 

 A imagem da mulher como um ser frágil, incapaz e de natureza inferior à do homem é mais um elemento dessa visão patriarcalista, como nesta passagem em que o narrador dá também destaque à discriminação social da mulher:  

“Bernardino vivia em tempo de perder a bola de tanto pensar. E se impressionava:

- E as mulheres, Pindoba? Que diacho está fazendo aquele lote de negras?

- Quase nada, seu Dino. Pra bem dizer, nada mesmo.  buzungando. Mas é que rabo-de-saia não bota serviço de roça pra frente. Eu só queria que o senhor visse, pra melhor acreditar. Agora foi que limparam um tampozinho de terra no partido de milho. Até parece mais um espojeiro de jumento. De tão pequeno, dá pra se cobrir com um lençol. Rabo-de-Saia não bota serviço de roça pra frente.” (IBIAPINA, p. 41).

                 

Conclusão

               

                Memória, história e oralidade ocupam lugar de destaque na obra Tombador de Fontes Ibiapina. Nesse sentido, cabe citar Massaud Moisés, ao afirmar que

 

A arte literária [...] não se reduz apenas a uma forma banal de entretenimento. Quando é entretenimento, é-o duma forma superior, visto que o jogo e a arte jamais se separam. Entretanto, mais do que forma elevada de recreação, a Literatura constitui uma forma de conhecer o mundo e os homens: dotada duma séria “missão”, ela colabora para o desvendamento daquilo que o homem, conscientemente ou não, persegue durante toda a existência.  (MOISÉS, 1970, p. 28).

 

Ambientado no Piauí no século 19, a obra Tombador não se limita apenas à narração de uma história, com começo, meio e fim, mas à construção de uma literatura como fonte de conhecimento para a compreensão de nosso passado e das transformações socioculturais do nosso meio. Sua expressão literária, sem convencionalismos, resulta do contato direto com o homem rude, da vivência com o meio provinciano e de uma extraordinária experiência de vida.

Concluo este ensaio, com as palavras do prof. Elson de Assis Rabelo, para quem “Fontes Ibiapina era ouvinte da fala do povo – [ciente de que] os cometas se chamavam Estrelas-de-rabo - e que sua erupção no céu em momentos inapropriados, fora das horas das ave-marias, era o anúncio dos piores contratempos. [...] Que maus agouros o escritor esperava prever?:

Numa noite de abril de 1986, o cometa Halley cruzava o céu do hemisfério sul, podendo ser visto a olho nu por qualquer observador. Naquela noite, junto a uma lagoa, distante das luzes urbanas, um juiz esperava vigilante pela passagem do astro luminoso. Poucas horas depois, o mesmo juiz morreria, vítima de enfarto.” (4)

 

 

*Carlos Evandro Martins Eulálio é professor de Latim, Literatura, Língua Portuguesa e membro da Academia Piauiense de Letras.  Este ensaio constitui o roteiro das palestras proferidas no Salão do Livro de Valença – 2022 (SALIVA), no dia 15/9/22 e no Salão do Livro de Parnaíba (SALIPA) no dia 24/9/22. 

 

NOTAS

 

(1) João Nonon de Moura Fontes Ibiapina, nasceu no dia 14 de junho de 1921, na fazenda Lagoa Grande, a 12 km de Picos. Formado em Ciências Jurídicas e Sociais pela Faculdade de Direito do Piauí (turma de 1954).  Além de jornalista e escritor, seguiu a magistratura. Foi Juiz de Direito em várias comarcas do Piauí, a última em Parnaíba, onde publicava semanalmente artigos de crítica nos jornais, exercia o magistério, participava de toda a vida intelectual da cidade e, como tal, ajudou a fundar a Academia Parnaibana de Letras, sendo um dos seus presidentes. Pertenceu à cadeira nº 9 da Academia Piauiense de Letras, cujo patrono é o médico e poeta Alcides Freitas. Faleceu em Parnaíba, no dia 10 de abril de 1986.

 

(2) Esse movimento aconteceu no início da década de 1960, e tinha por objetivo viabilizar a publicação de obras históricas e literárias. Contava com a participação dos intelectuais Odilon Nunes (1899-1989), Monsenhor Joaquim Chaves (1913-2007), José Camillo da Silveira Filho (1927-2004), Raimundo José dos Reis, José Ribeiro e Silva, Maria Nerina Castello Branco e outros (1934). (FARIAS, 2014, p. 118/119).

 

(3) Em entrevista ao acadêmico Alcenor Candeira Filho, Fontes Ibiapina, referindo-se ao Ciclo do Couro, nele incluía os romances Sambaíba, Tombador, Nas Terras do Arabutã e Vida Gemida em Sambambaia, obras que constituem a “Tetralogia do Couro” (REBELO, 2008, p. 72).

 

(4) RABELO, Elson de Assis. 2008, p. 130.

 

REFERÊNCIAS

 

BARROS, Eneas do Rêgo. Nonon: o menino da Lagoa Grande. Teresina, 2012.

 

BORGES, João Carlos de Freitas. Renato Castello Branco e a busca de uma essência da civilização piauiense: História, Identidade e Literatura. Anais do III Seminário Internacional História e Historiografia. X Seminário de Pesquisa do Departamento de História – UFC - Fortaleza, 01 a 03 de outubro de 2012.

 

FARIAS, Vanessa Soares Negreiros. A trajetória de um homem-cultura, in Conversa com M. Paulo Nunes, org. Terezinha Queirós. Teresina, EDUFPI, 2014.

 

MENDES, Felipe (org.) Contribuição do Piauí na Guerra do Paraguai. Teresina: Academia Piauiense de Letras, 2022. Coleção Bicentenário da Independência.

 

MOISÉS, Massaud. A criação literária. 3ª ed. São Paulo: Melhoramentos, 1970,

 

RABELO, Elson de Assis. A História entre Tempos e Contratempos: Fontes Ibiapina e a obscura invenção do Piauí. (Tese de mestrado) Universidade Federal do Rio Grande do Norte – RN, Natal, 2008.

 

RODRIGUES, Walter Hugo de Souza. Desmitificando a sensualidade naturalizada do ébano: Um estudo acerca da objetificação do corpo do homem negro. Cadernos de Gênero e Tecnologia. https://periodicos.utfpr.edu.br/cgt, acessado em 14.9.2022

SANTOS, Jady Rosa dos. O nosso corpo é o tempo todo objetificado. https://portal.unit.br. Acessado em 13/9/2022.

 

SOUZA, Warley. Romance regionalista; Brasil Escola. Disponível em https://brasilescola.uol.com.br/literatura/romance-regionalilsta.htm. Acesso em 6/9/2022.   

segunda-feira, 26 de setembro de 2022

3 SONETOS DE ROGÉRIO FREITAS




3 SONETOS DE ROGÉRIO FREITAS

Velhice

A beleza é fugaz... De vez te apega
Ao amor que por ti passa, e terás 
O infinito prazer, também a paz
Que a todos nós, em vão, procura cega.

Se há mágoas no teu seio, descarrega
Em lágrimas, que o riso se refaz
E te mostrará sempre contumaz 
Como é doce o sabor de tua entrega.

Porém, para mim, foi tarde, ó criança, 
Que busquei a ter todos os desvelos;
Cedo, só me trajei vão de esperança...

Os meus sonhos, já não posso mais tê-los:
Meu espírito é coisa que já cansa, 
De tinta branca pinta meus cabelos. 


Hoje

Quando o vento soprar nos teus cabelos, 
Solta as rédeas, e segue, e vai adiante, 
E esquece tu os piores pesadelos 
No lombo do cavalo galopante. 

A vida, como prêmio inconstante, 
Já ganhaste! A seguir engenhos belos
Vão te subir escada acima, à infante
Torre, e dominarás os teus castelos. 

Não pares, minha Lídia, precioso
É o tempo, e amanhã teu gozo
Será desfeito em cinzas simplesmente...

Abraça-te à ventura fugidia!
O teu único dia é esse dia,
Tua felicidade eternamente. 


Soneto

E não fui eu que fui às Filipinas 
E no cangaço nem mesmo eu estive, 
Longe de mim tais coisas, inclusive, 
Restam delas só mesmo as ruínas. 

Não sou rei nem herói! E abominas 
Qualquer ato de heroísmo! Faz esquive
E vive tua vida como vive 
O pastor com rebanho entre boninas. 

Para que havemos de subir ao pódio?
E que outra para si mesma molde-o
Como a cavar a própria sepultura...

Fiquemos livres de uma vez por todas, 
Livres dessas ideias e das modas...
No anonimato a conhecer ventura.

domingo, 25 de setembro de 2022

Seleta Piauiense - Torquato Neto

Fonte: Google

 

Agora não se fala mais (*)

 

Torquato Neto (1944 – 1972)

 

Agora não se fala mais

toda palavra guarda uma cilada

e qualquer gesto é o fim

do seu início;


Agora não se fala nada

e tudo é transparente em cada forma

qualquer palavra é um gesto

e em sua orla

os pássaros de sempre cantam

nos hospícios:

 

Você não tem que me dizer

o número de mundo deste mundo

não tem que me mostrar

a outra face

face ao fim de tudo:

 

só tem que me dizer

o nome da república do fundo

o sim do fim do fim de tudo

e o tem do tempo vindo;

 

não tem que me mostrar

a outra mesma face ao outro mundo

(não se fala. não é permitido:

mudar de ideia. é proibido.

não se permite nunca mais olhares

tensões de cismas crises e outros tempos.

está vetado qualquer movimento  

(*) Na internet vi este poema publicado com o título de Literato cantabile. Entretanto, no livro Torquatália {do lado de dentro}, ele foi publicado sem título (v. página 168); neste mesmo livro, na página seguinte aparece o poema Literato cantabile, mas com outro conteúdo. Por essas razões, usei o primeiro verso para o nomear e identificar.

sexta-feira, 23 de setembro de 2022

Belinha

Belinha

Elmara e Anita



BELINHA


Elmar Carvalho


Pedi que a Elmara Cristina, que é a primeira dona da prima-dona Anita, me mandasse, por e-mail, fotos da Belinha e da Anita, nossas duas mimosas cadelinhas, mas quem terminou por enviá-las foi o João Miguel. Isto porque decidi, hoje, escrever sobre Belinha, coisa que já venho adiando há algum tempo, por razões diversas. Essa cachorrinha chegou a nossa casa faz alguns anos. Não podia ouvir fala masculina que ficava nervosa, se agachando, se escondendo debaixo dos móveis. Dizíamos que era traumatizada. Depois, soubemos que um homem, que fora seu dono, a maltratava.

Foi, em seguida, para uma outra casa, onde não era muito bem cuidada, embora não sofresse  maus-tratos, até que nos foi dada. No início, a Anita, que veio morar conosco desde recém nascida, e que desde então foi sempre bem-amada, travou uma verdadeira “guerra” contra a Belinha, apesar de que esta, conquanto também pequena, fosse bem maior que ela; suponho que por ciúme da sua família humana e porque achasse que a intrusa invadira seu território.

Mas Belinha, com humildade e paciência, evitava confrontos, e se afastava de perto da mandona e madona Anita. Parecia provida de uma verdadeira inteligência emocional, que lhe impulsionava para a diplomacia e para a resistência pacífica, talvez temerosa de novo abandono ou rejeição. Sendo a Anita menor, mais graciosa e a “dona do pedaço”, já que era a pioneira, Belinha passou a nos cativar e a nos atrair a atenção caminhando e dançando sobre as duas patinhas traseiras.

Com efeito, terminou por conquistar todos da casa. Mas, um tanto tímida e esquiva, muitas vezes procurava os lugares esconsos,  e se retraía ante a Anita, que sempre foi mais ousada e voluntariosa, já que sempre foi o mimo da casa, talvez por ser a “primogênita” e por causa de sua graciosidade miúda. Não resta dúvida, Anita sempre foi a prima-dona, sempre foi a predileta. Mas Belinha foi galgando posições, angariando simpatias, e ao que tudo indica foi se libertando de seus traumas, embora se mantendo humilde e cordata com a outra cadela.

A Pantica (Francisca Maria) passou a ser a sua “madrinha”, cuidando dela com desvelo e carinho, mas também a repreendendo, em certos momentos, como se estivesse lidando com um ser humano, coisa que a cachorrinha quase o é, mas sem os defeitos dos humanos. Houve correspondência nesse apego e afetividade. Contudo, tinha seu brio e seu amor-próprio, e, certa vez em que a Anita foi muito abusada, reagiu, como para mostrar que sabia se defender e defender os seus direitos, apesar de não gostar de briga, futrica e intriga.

Com o passar do tempo, Anita, conquanto não morresse de amor por ela, foi deixando de implicar; passou a tolerá-la, e ambas passaram a ter uma coexistência pacífica. Recentemente, Anita, que tinha uma hérnia há algum tempo, passou a ter o seu problema agravado, e um dia sentiu fortes dores, pois gania/gritava de dor. Belinha, bela e boa cadelinha, foi solidária, e correu desesperada, subindo os degraus em desabalada carreira, para latir à porta do quarto onde estava minha mulher; latiu fortemente, até a Fátima abrir a porta.

Em seguida, desceu as escadas, como chamando minha mulher para socorrer a Anita. Somente sossegou quando a Fátima foi olhar o que estava ocorrendo. Felizmente, a cachorrinha foi operada pela médica Tita, e hoje está recuperada. Essas duas cachorrinhas, fofas e graciosas, de biografias e temperamentos tão díspares, como que se complementam e completam a plenitude de nossa família, pois nos amam e por nós são amadas. 

14 de abril de 2010

quarta-feira, 21 de setembro de 2022

TRAGICOMÉDIA



TRAGICOMÉDIA

Elmar Carvalho

 

Preso no

ventre estreito

do Universo,

tenho um acesso

de claustrofobia.

Fruto mau

de árvores boas,

sou estéril

(para não ter maus frutos).

Nasci prematuramente

e morrerei depois

da hora.

(Sou teimoso como

um joão-teimoso.)

Guiado por cego

e conversando com

surdo-mudo,

fui tachado de

débil mental.

Mas isto é um

eufemismo:

eu sou mesmo é

um doido varrido,

por força da necessidade.

Sou triste.

Mas eu vejo a tristeza

como lágrimas

nos olhos do diabo.

 

           Pba. 09.77

domingo, 18 de setembro de 2022

Seleta Piauiense - Cid Teixeira de Abreu



ELIZABETH

 

Cid Teixeira de Abreu (1937 – 2004)

 

A mulher outra

aconteceu em mim

como um destino

 

sendeira que era

deu-me uma estrela

para povoar minha insônia

 

(do acalanto

se fez o pranto)

 

e no amanhecer

pelo alarido dos pardais

as flores se multiplicaram

apascentando borboletas gratuitas   

quinta-feira, 15 de setembro de 2022

O PIAUÍ E A INDEPENDÊNCIA DO BRASIL


 

C O N V I T E

 
A Academia Piauiense de Letras tem o prazer de convidar V. Sia. e família para o Ciclo de Conferências do Bicentenário, sob a coordenação do Acadêmico Elmar Carvalho, a ser realizado conforme o seguinte programa:

 

O PIAUÍ E A INDEPENDÊNCIA DO BRASIL

Conferências do Bicentenário

 

Dia 16 de setembro de 2022 – sexta-feira

10 horas

Conferência: A Guerra da Independência e a Unidade Nacional.

Conferencista: Reginaldo Miranda

11 horas

Conferência: 24 de janeiro de 1823: nomes, eventos e significados na História da Independência do Brasil.

Conferencista: Teresinha de Jesus Mesquita Queiroz

 

Dia 17 de setembro de 2022 – sábado

10 horas

Conferência: “Morra, é corcunda!”: a onda de saques em Campo Maior na Independência do Piauí.

Conferencista: João Paulo Peixoto Costa

11 horas

Conferência: 19 de Outubro – Projetos de Independência.

Conferencista: Antônio Fonseca Neto


Zózimo Tavares Mendes

Presidente da Academia Piauiense de Letras

        

Data: 16 e 17 de setembro de 2022 (Sexta-feira e Sábado)

Horário: 10h

Local: Auditório Herbert Parentes Fortes(Sede da Academia de Ciências do Piauí)

           Av. Miguel Rosa, 3.072 – Centro/Sul – CEP 64.018-560 – Teresina-PI

Fone: (86) 3221 1566

e-mail: academiapiauiensedeletras@gmail.com

terça-feira, 13 de setembro de 2022

Fragmentos da Memória e outros vídeos





Olá, amigos! 

Passando para convidá-los a fazer um mergulho em história e literatura através das recordações e inspirações do escritor Elmar Carvalho. Trata-se da exibição no Sesc Caixeiral, hoje, dia 13 de setembro (às 18h), do documentário artístico Fragmentos da Memória e de outras produções audiovisuais poéticas. Entrada gratuita. 

Confira acima o trailer.  

domingo, 11 de setembro de 2022

Seleta Piauiense - Everaldo Moreira Veras

Fonte: Google

 

Estranhas Formas

 

Everaldo Moreira Veras (1937 – 2011)

 

O zumbido me atormenta

já cresceu tanto que me engravidou.

De onde vem?

Por que me persegue?

Sei que não sei

mas sei

         que é regular

         singular

como a máquina fabricando o demônio de três pernas.

Esta ressonância equilibrada

me confunde:

          a espada de fogo me aponta

          direções opostas e complicadas.

Se corro — a repetição me busca.

Se paro — a desigualdade me ofusca.

Tenho dois ouvidos incompletos.

Por um entra a disciplina

da razão calma e delicada.

Por outro o desconexo, triste grito,

em ritmo de

eu-tu-ele-nós-vós-eles.


 Fonte: Jornal de Poesia

quinta-feira, 8 de setembro de 2022

A História da Faculdade de Administração - lançamento



No dia 12 próximo, segunda-feira, às 18:30 horas, haverá a abertura da Semana do Administrador, no auditório da Universidade Federal do Delta do Parnaíba.

Na oportunidade, será homenageado o professor Adílson Farias, funcionário aposentado do Banco do Brasil, e que fez parte da primeira turma da antiga Faculdade de Administração. Adílson passou a ser professor do curso de Administração de Empresas da Universidade Federal do Piauí – Campus Ministro Reis Velloso, em Parnaíba.

Nessa solenidade também será lançado o livro A História da Faculdade de Administração em Parnaíba, escrito por Elmar Carvalho, Francisco Pereira da Silva Filho e Dilma Ponte de Brito, todos ex-alunos do curso de Administração de Empresas e membros da Academia Parnaibana de Letras - APAL.

O livro foi publicado pelo SESC-PI e é prefaciado pelo Dr. Valdeci Cavalcante, presidente do sistema FECOMERCIO/Piauí, que lhe fez o prefácio.

Conta a história do ensino superior em Parnaíba, pois relata que em Parnaíba já funcionaram os cursos de Teologia e Filosofia; narra a criação da Faculdade de Administração (cuja entidade mantenedora era a Fundação Educacional de Parnaíba), que se tornou um dos pilares da fundação da Universidade Federal do Piauí; a criação do Campus Ministro Reis Velloso – CMRV, que foi se expandindo fisicamente e com a integração de novos cursos, até possibilitar a criação da UFDPar, que incorporou todos os cursos do CMRV.   

quarta-feira, 7 de setembro de 2022

FRAGMENTOS DA MEMÓRIA E OUTROS AUDIOVISUAIS



Convidamos o visitante do blog a fazer um mergulho em história e literatura, através das recordações e inspirações do escritor Elmar Carvalho. 

Trata-se da exibição no Sesc Caixeiral, dia 13 de setembro (às 18h), do documentário artístico Fragmentos da Memória e de outras produções audiovisuais poéticas. Entrada gratuita. 

domingo, 4 de setembro de 2022

Seleta Piauiense - Hardi Filho

 

Fonte: Google

Os (A)normais (*)

 

Hardi Filho (1934 - 2015)

 

Os poetas têm

a cara suja de sonho,

um ar absorto

e olhar de quem ama.

Os poetas têm

uma aparência imbecil

que incomoda os normais

do tempo e da moda.

Os poetas incomodam

os normais

que fazem as guerras

fria e quente;

os normais

que explodem o povo

descaradamente;

os normais

que sugam e massacram

as massas torpemente;

os normais

que usurpam o poder,

torturam e matam

corpo e mente.

 

Por tudo isso os (a)normais

do tempo e da moda

abominam

e temem os poetas:

essa constante ameaça de amor.

 

Brasil – 1979

Fonte: Teoria do Simples – Projeto Petrônio Portella - 1986

(*) Em minha crônica memorislística Tempos Republicanos, conto o seguinte sobre esse belo poema de meu saudoso amigo Francisco Hardi Filho:

Era um casarão antigo, meio fantasmagórico, onde antigo morador, um engenheiro, havia suicidado. Numa das portas, fora escrito um belo, porém elegíaco, melancólico poema da autoria de meu amigo Hardi Filho, em que a tinta parecia escorrer, como gotas de sangue. Nesse vetusto solar, de história trágica, escrevi o meu poema A Casa no Tempo, infestada de esgarçantes rasga-mortalhas, de esvoaçantes e lúgubres morcegos, de almas penadas, de correntes arrastadas, de gemidos e ruídos misteriosos.

 

Nessa casa, hoje demolida, a república foi extinta, em virtude de casórios e do retorno do Nadal ao Paraná, sua terra natal. Mas, em minha saudade, a casa com a república, como digo no meu poema, “... sempre persistirá / nas músicas passionais de algum boteco / criando ressonâncias que repercutem / insistentemente como eco”.    

sexta-feira, 2 de setembro de 2022

NO REINO DO SOBRENATURAL

Batista Rios (centro) e família, vendo-se: Eduarda (filha); Vera Lúcia (esposa); Batista Filho e Saulus (filhos), e em primeiro plano (sentado) seu pai, o saudoso vicentino Nestor Rios

Batista Rios, ladeado por Ivanildo de Deus e Elmar Carvalho, no oratório de sua casa


            

NO REINO DO SOBRENATURAL


Elmar Carvalho


Fui à casa de meu colega e amigo João Batista Rios. Pedi-lhe que me contasse uma história que ele me havia contado há mais de seis anos, quando ele era juiz de  Bertolínia, e eu, de Ribeiro Gonçalves. Muitas vezes viajamos, à noite, no mesmo velho e desconfortável ônibus, para as nossas longínquas Comarcas. De madrugada ele descia na sua cidade e eu continuava em minha desgastante odisseia madrugada friorenta adentro.

Repetiu a história da mesma forma como eu a guardara em minha memória. Certo dia do início da década de 1990, quando ele era servidor federal da Previdência Social e advogado, por volta de 13:30 horas, estacionou seu carro na frente do Colégio das Irmãs, onde deixou sua filha, e seguiu a pé em direção a seu escritório, situado no Palácio do Comércio. Na calçada da antiga Escola Técnica Federal, na frente da EMBRATEL, avistou o padre Geraldo Vale, que fora capelão da Polícia Militar do Piauí e fora seu diretor espiritual no grupo da Renovação Carismática da Escola Dom Barreto.

Quando o padre o avistou, em gesto largo e de muita expansividade, abriu os braços, como se estivesse se preparando para um grande abraço, e sorrindo o chamou de “meu advogado Dr. Batista Rios”, como costumava saudá-lo. Conversaram no máximo dois minutos. Despediram-se e Batista seguiu para o seu escritório.

Um pouco adiante, voltou-se e viu o padre afastar-se no ensolarado início de tarde teresinense. O meu colega admirava esse capelão, pelo que ele tinha de ungido, de santidade, de homem efetivamente de Deus. Fazia tempos que não o via, mas sempre pensava nele, sempre desejando revê-lo, uma vez que passara a integrar o grupo da Renovação Carismática do Cristo Rei, deixando o que era dirigido pelo padre Geraldo.

No caminho, foi pensando em como o achara rejuvenescido, quase transfigurado em sua expressão de alegria, de paz, de beatitude, com feição e expressões angelicais. De tarde, ao deixar o seu escritório, foi pegar uma revista na banca do Solon, na praça Pedro II. Nessa banca, encontrou Célia, que fora sua colega do antigo INAMPS e do grupo carismático do Dom Barreto.

Com muita alegria a informou de que havia encontrado, antes das duas horas da tarde, o padre Geraldo. Célia, incrédula e sorrindo, disse-lhe que ele estava a fazer mais uma de suas brincadeiras,  pois tal fato jamais poderia ter acontecido, posto que o capelão havia falecido há mais de um ano. Batista retrucou-lhe que ela é quem estava a fazer gracejo, e foi embora. 

No dia seguinte, quando o magistrado Batista Rios, como costumeiramente fazia, foi assistir a uma missa na igreja de São Benedito, encontrou, logo na entrada do templo, a senhora Ivani, pessoa de muita devoção e de sua estima. Disse-lhe da alegria de haver encontrado, no dia anterior, o padre Geraldo Vale.

Dona Ivani, algo perplexa, com as pupilas um tanto dilatadas, respondeu-lhe:

– Meu filho, padre Geraldo já faleceu, faz mais de ano...

 

Batista Rios, católico da mais lídima devoção, homem íntegro, magistrado honrado, não sabe a explicação definitiva para o fato, mas somente que ele aconteceu, da maneira que me narrou.  

Talvez o seu desejo em rever o sacerdote tenha sido tão forte, que materializou a imagem dele, que estava incrustada indelevelmente em sua mente; talvez o padre tenha obtido permissão para lhe aparecer uma última vez, para que Batista pudesse dar o seu testemunho de que há mais coisas no céu do que apenas aviões de carreira, como asseverou célebre ironista.   

11 de abril de 2010