domingo, 30 de novembro de 2025

TÉDIO


TÉDIO


Elmar Carvalho

 

Só o tédio absoluto,

o vazio total,

a negação completa,

eu sinto sempre.

Sempre a falta de algo.

Sempre o algo inalcançável.

Sempre a louca

procura

do tesouro perdido,

da pedra filosofal inexistente.

Sempre a eterna

falta de inspiração

para a eterna poesia

nunca feita.

Sempre a mesma

falta de amor.

Sempre o mesmo amor

velho e tedioso.

Sempre o

mesmo tédio cansado.

Sempre, sempre, sempre

o mesmo sempre de desilusão.

            Pba. 08.09.77 

quinta-feira, 27 de novembro de 2025

DISCURSO DE RECEPÇÃO AO PROFESSOR MARCELINO (*)

 

Homero Castelo Branco colocou Amarante dentro de minha casa, através de uma linda pintura a óleo — da autoria de Abinabel Cunha, de nome artístico Di Kuka



DISCURSO DE RECEPÇÃO AO PROFESSOR MARCELINO (*)

 

Elmar Carvalho

 

Nesta noite festiva e de gala da Literatura Piauiense, a Academia Piauiense de Letras se regozija ao receber o ilustre professor universitário da UFPI Marcelino Leal Barroso de Carvalho, mestre de excelsas virtudes e saber.

O novo acadêmico ocupará a cadeira nº 13, que tem como patrono Joaquim Ribeiro Gonçalves, nascido em Regeneração, em 1855, e falecido no Rio de Janeiro, em 1919. Formou-se em Direito pela Faculdade do Recife. Foi vice-governador do Piauí e senador da República.

O primeiro ocupante dessa cadeira foi o médico, professor e político Antônio Ribeiro Gonçalves (1877–1928), seu conterrâneo, cujo nome foi dado ao município de Ribeiro Gonçalves, de cuja comarca fui juiz de Direito nos primeiros anos do século XXI. Do fórum, algumas vezes, contemplava as encostas do morro, um lindo e sanguíneo flamboaiã e um imenso pé de angico-branco, no qual faziam a sesta vários urubus, embrulhados em sua casaca negra. Mais adiante, ficava a praça da matriz, entre a qual e um íngreme morro corria, bucólico, profundo e moroso, o Velho Monge da imagem dacostiana.

Gonçalo de Castro Cavalcanti (1882–1949) foi o segundo titular da cadeira. Nascido e falecido em Teresina, foi professor, promotor de Justiça, juiz de Direito e membro do Tribunal de Contas do Estado do Piauí. Conciliou a exatidão da matemática e da física com a subjetividade e emoção da oratória e das humanidades.

Depois, ocupou essa cadeira a figura emblemática e carismática do médico psiquiatra Clidenor de Freitas Santos (1913–2000), idealizador e fundador do célebre sanatório Meduna, que revolucionou a psiquiatria de nosso estado ao adotar novas modalidades de tratamento e ao afogar nas águas do Parnaíba as desumanas correntes então ainda usadas.

Sobre Clidenor, já tive a oportunidade de dizer:

“O nome Meduna foi dado em homenagem a um grande psiquiatra francês. O sanatório é uma bela construção, com seus pavilhões brancos, seus alpendres, seus corredores. Fica no centro de um aprazível bosque. Até parece uma aldeia, onde ainda alvejam a casa senhoril e a capelinha branca, sobre suave colina, que compõem o aspecto bucólico do conjunto. Foi uma obra audaciosa para a época — e mesmo nos dias de hoje ainda seria.

Clidenor, quando o conheci, era um velho de boa estatura, ereto, empinado, elegante, inclusive no modo como se vestia. Usava uma velha Mercedes, em perfeito estado, tão elegante quanto ele. Admirava música erudita, sobretudo Mozart, Bach e Beethoven. Fez seus filhos ouvirem esses grandes compositores, para lhes incutir, desde cedo, o gosto por essa divina arte.

Ele, que foi quixotesco no bom sentido da palavra, ergueu uma belíssima estátua do cavaleiro da triste figura nos portais de sua realização máxima, o sanatório Meduna, que, agora, lamentavelmente, será desativado. Mas Dom Quixote, a cavalgar o Rocinante, com sua lança e seu escudo, talvez consiga defender essa obra meritória, que relevantes serviços prestou ao Estado.”

Do hospital Meduna pouca coisa restou. Sua memória, contudo, ficará indelével na história da medicina piauiense. Clidenor teve sempre ao seu lado, como administrador, incentivador e amigo, o irmão — também psiquiatra — Wilson Freitas Santos.

Seu antecessor imediato foi Pedro da Silva Ribeiro, nascido em Guadalupe, em 1930, e falecido em Brasília, em 2025. Ocupou importante cargo no Tribunal de Contas da União, após ter exercido relevantes funções públicas no Estado do Piauí, entre as quais a de diretor do Colégio Eurípides de Aguiar.

Com vocação incontrastável para a literatura, foi, sobretudo, cronista, contista e romancista. Destacou-se com os romances Vento Geral e A Divisa, nos quais narra aspectos interessantes e pitorescos do Piauí, mormente das pequenas cidades interioranas, com as suas singularidades e intrincadas intrigas políticas.

Nosso confrade Wilson Carvalho Gonçalves, meu particular e saudoso amigo, em seu notável livro Antologia da Academia Piauiense de Letras, transcreve o seguinte trecho do poeta e escritor H. Dobal, comentando Vento Geral, de Pedro da Silva Ribeiro:

“(...) Mas, sobretudo, existem as paixões que vão construindo a vida, a malha fina com que um pequeno mundo se tece e se transforma; tudo isso é bem recontado por Pedro Ribeiro, que mistura lembrança e imaginação numa forma tão viva e natural que põe em dúvida o seu gênero literário: será ficção ou memória? Será que temos de reescrever este livro e dar-lhe outro título: Aventuras de Pedro Belas-Artes no Vale do Engano?”

Posso dizer que tive a satisfação de conviver com ele na Casa de Lucídio Freitas. Embora residindo em Brasília, passava temporadas no Piauí, mormente em Teresina, quando frequentava nossa Academia com notável assiduidade, não obstante já em idade provecta. Em suas falas, discorria sobre temas instigantes, ilustrando-as com metáforas e histórias — quase parábolas — que denotavam seu talento de narrador e memorialista.

Dessa forma, posso afirmar que seus antecessores são — todos — ligados e bem ligados ao rio Parnaíba, assim como ele.

Marcelino Leal Barroso de Carvalho nasceu em 6 de abril de 1953, na linda e bucólica Amarante, quase uma deslumbrante pintura impressionista, que nos encanta por sua beleza exuberante. É quase uma ilha, emoldurada e ornada pelos rios Parnaíba, Canindé e Mulato — e pelas fraldas azuis das serras dacostianas. Seus saudosos e amantíssimos pais foram Melquíades Barroso de Carvalho e Maria de Lourdes Pereira Leal de Carvalho.

Sobre a adamantina beleza amarantina, não posso deixar de citar estes versos do excelso bardo Antônio Francisco da Costa e Silva, o nosso poeta maior e melhor:

“Ao longe, um panorama se descerra

Sob o límpido céu, ao sol radiante:

Entre os rios, as árvores e a serra,

Branqueja a casaria de Amarante.”

(Sob outros céus)

E estes outros, não menos belos:

“A minha terra é um céu, se há um céu sobre a terra;

É um céu sobre outro céu tão límpido e tão brando,

Que eterno sonho azul parece estar sonhando...”

(Amarante)

Em diferentes ocasiões — quando presidi a União Brasileira de Escritores do Piauí, quando exerci o cargo de juiz de Direito em Regeneração e, também, nesta tribuna — porfiei para que se trouxesse uma pequena parte dos restos mortais do poeta, a fim de ser encerrada num mausoléu-memorial em sua cidade natal, de modo a atender o pedido versificado do próprio Da Costa e Silva:

“Terra para se amar com o grande amor que eu tenho!

Terra onde tive o berço e de onde espero ainda

Sete palmos de gleba e os dois braços de um lenho!”

(Amarante)

Fui vencido nessa luta, que se revelou inglória. As autoridades governamentais e culturais nunca lhe deram a menor importância, de modo que este cavaleiro andante démodé ensarilhou suas armas.

Não irei listar todos os altos títulos e cargos de nosso neófito imortal, uma vez que são muitos. Elencarei, todavia, os principais:

É graduado em Direito e Filosofia (UFPI). Especialista em Bioética e Direitos Humanos, pelo Instituto Camillo Filho, do qual foi sócio-fundador - juntamente com Charles Camillo Carvalho da Silveira e Átila Freitas Lira –, professor, diretor acadêmico e diretor-geral. Na Universidade Federal do Piauí, foi professor, coordenador do curso de Direito, chefe do Departamento de Ciências Jurídicas, diretor do Centro de Ciências Humanas e Letras, pró-reitor de Extensão e assessor especial do reitor. Foi ainda conselheiro federal da OAB.

Presidiu a Campanha Nacional de Escolas da Comunidade (CNEC) e atualmente preside a Academia de Letras, Artes e Cultura de Amarante (ALEAMA). Foi auditor-fiscal da Fazenda Estadual e procurador-geral do Município de Teresina. É membro de várias entidades culturais. Tive a honra de tê-lo como brilhante e dedicado conselheiro, no tempo em que fui presidente do Conselho Editorial da Fundação Cultural Monsenhor Chaves.

Mas, para gáudio e honra minha, foi, sobretudo, meu mestre na Universidade Federal do Piauí, nos tempos em que lá pontificavam notáveis lentes, como Celso Barros Coelho, Wilson Andrade Brandão, Balduíno Barbosa de Deus, José de Ribamar Freitas, Paulo Freitas, Manfredi Mendes de Cerqueira, José Lopes dos Santos, Fides Angélica de Castro Veloso Mendes Ommati, Adélman Barros Villa, Charles da Silveira, mais tarde operoso reitor da UFPI, Valdeci Cavalcante, Geraldo Majella Carvalho, Benjamim do Rego Monteiro Neto e Rosmarino do Rego Monteiro — este último decorava o nome completo dos alunos, associando o seu biótipo a uma determinada ave. Muitos desses mestres se tornaram membros deste sodalício.

Como homenagem e evocação ao velho latinista e erudito, quero relatar um episódio anedótico de que fomos protagonistas eu e o professor Ribamar Freitas.

Certa noite, em meados dos anos oitenta, adentrei a sala de aula um pouco atrasado, quando ele dissertava sobre a importância de se lerem os clássicos, que se quedavam em completo esquecimento. De forma retórica e enfática, perguntou:

— “Quem, quem de vocês sabe quem foi Adamastor?”

Ainda no movimento de me sentar, levantei o braço direito e respondi:

— “Adamastor era um gigante de Os Lusíadas, do poeta épico Luís Vaz de Camões, que bradou contra a ousadia portuguesa:

Antes em vossas naus vereis cada ano,

Se é verdade o que meu juízo alcança,

Naufrágios, perdições de toda sorte,

Que o menor mal de todos seja a morte.”

 

O mestre ficou feliz e admirado com a minha resposta, porém creio que tenha ficado algo contrafeito por eu haver destruído o mote de sua peroração. Certamente, hoje, muitos responderiam: “É Adamastor Pitaco, palhaço televisivo.”

Peço licença ao professor Marcelino para uma outra breve evocação — desta feita, ao mestre Balduíno Barbosa de Deus, através de uma história que poderá servir aos que pretendem exercer o magistério.

Balduíno estava prestes a assumir o cargo de secretário de Estado da Educação quando foi abordado por nosso confrade Carlos Evandro Martins Eulálio, grande crítico de literatura e latinista, que lhe pediu conselho sobre a melhor metodologia para lecionar a disciplina Literatura Brasileira. O mestre, com seu humor característico, respondeu:

— “Difícil não é preparar aula, mas dar aula sem preparar.”

Contei esse fato para dizer que Marcelino era um professor estudioso, competente e preparado — e suponho que fosse competente e preparado exatamente porque preparava suas aulas; e de vasto conhecimento jurídico, porque era estudioso.

Amigo dos seus alunos, cordato, tinha deles o respeito porque sabia exercer sua autoridade de mestre sem autoritarismo e sem excesso de exação. Com isso, mantinha a ordem com democracia e cordialidade. Nunca ouvi nenhum comentário que pudesse macular o brilho de seu desempenho e o exercício da cátedra, tampouco de suas funções de coordenação e chefia. Portanto, sua carreira na UFPI foi brilhante e merecedora das maiores louvações.

Após a aposentadoria, Marcelino passou a trabalhar ainda mais, e com muito maior afinco, nas áreas culturais. Nessas atividades gasta tempo, esforço e cabedais.

Integra a Associação de Amigos da Orquestra Sinfônica de Teresina. Reativou a Festa do Divino em Amarante, que de 1940 a 1984 teve a liderança de sua tia Josefa Pereira de Araújo (Mãe Dedé). Adquiriu um casarão solarengo na bela avenida Desembargador Amaral e nele instalou o Museu do Divino, por ele fundado, com belas peças sacras de escultura, talhas e pinturas, além de oratórios e retábulos.

Tem o gosto de diversas — senão de todas — as manifestações artísticas, sobretudo artes plásticas, música e literatura.

Na literatura, escreveu pequenos ensaios e artigos publicados em diversos periódicos, entre os quais as revistas Direito Hoje e Scientia et Spes, do ICF.

Desde muito jovem primou por escrever com correção, cultor e estudioso da Língua Portuguesa, a “última flor do Lácio, inculta e bela”, no dizer de Olavo Bilac. Sua linguagem é sempre escorreita, castiça, límpida, fluente como um manso regato, sem catadupas e corredeiras, e sem as pirotecnias verbais de um Vieira. Antes, mais se assemelha ao estilo clássico de um Pe. Bernardes ou de um Machado de Assis, pela precisão, clareza e objetividade, sem desnecessários preciosismos ou inversões frasais. Prima sempre pela correção gramatical e ortográfica; nisso é rigoroso e não faz concessões.

Foi com esse estilo e com essas virtudes de linguagem que ele vinha escrevendo, há alguns anos, em meticuloso e detalhista trabalho de pesquisa, o notável livro A Igreja Matriz de Amarante, que publicou no corrente ano. Demonstra nele profundo conhecimento arquitetônico, urbanístico e paisagístico, bem como da história da cidade.

Traça um notável panorama da memória histórica e geopolítica da encantadora e ainda bucólica urbe. Desvenda os antecedentes da criação da vila e da freguesia de Amarante e relata episódios e fatos pouco conhecidos de sua história e desenvolvimento urbanístico.

Discorre com segurança sobre a história da igreja desde seus primórdios, revelando impressionante conhecimento de sua arquitetura e decoração. Aborda as transformações exteriores, as modificações e ampliações, principalmente nos seguintes aspectos: conclusão da obra, primeira reforma, construção do adro, ampliação da altura das torres e “reconstituição parcial da fachada”, apontando as datas e as circunstâncias em que essas obras foram realizadas.

Invocando São Raimundo de Penhaforte, pede a benevolência do leitor para com o seu livro. Mas ele não precisa de benevolência: fez um livro excelente, em primoroso estilo. Por conseguinte, merece tão-somente todos os encômios e aplausos.

Mesmo antes de reavivar, em formato moderno, a Festa do Divino, em meados dos anos 1980, e de fundar o Museu do Divino (2007), o novel confrade Marcelino já incentivava, apoiava e realizava eventos culturais. Sempre teve o apoio e o estímulo do irmão Melquíades Barroso de Carvalho Filho, músico multi-instrumentista, cantor litúrgico e profano, e regente de coral.

Eu mesmo, por ocasião de meu cinquentenário, tive um livro lançado por ele no casarão que pertenceu ao juiz José Eudóxio Arcoverde Vieira e a dona Mariquesa Soares da Fonseca, hoje pertencente a dona Mary Soares Vieira. Foi uma festa literária memoranda, linda, muito bem- organizada, da qual jamais esquecerei.

Quase duas décadas depois, com seu integral apoio, pronunciei um discurso comemorativo do centenário do ilustre poeta e escritor amarantino Clóvis Moura, no auditório do Museu das Letras – Casa Odilon Nunes.

Em 2013, quando recebi o Título de Cidadão de Amarante, Marcelino estava presente à solenidade e pronunciou belo discurso que me comoveu — a mim, a meus pais, à minha esposa e a meus filhos. Estavam presentes, entre outras ilustres pessoas, os amarantinos Homero Castelo Branco, escritor, e o poeta Virgílio Queiroz, que também proferiram enaltecedoras palavras. Fizeram parte da solenidade o autor da proposição do título, vereador Inácio Pinto de Moura, Diego Teixeira, presidente da Câmara Municipal, e o prefeito Luís Neto Alves de Sousa.

Dias depois, Homero colocou Amarante dentro de minha casa, através de uma linda pintura a óleo — da autoria de Abinabel Cunha, de nome artístico Di Kuka — em que a matriz de São Gonçalo, em sua arquitetura esplêndida, luminosa, aparece emoldurada pela deslumbrante beleza das árvores, das serras azuis de Da Costa e Silva, das águas do Parnaíba — o velho monge de longas e espumosas barbas — e das pequenas chalanas.

Ao falar de meu amigo e professor Marcelino Leal Barroso de Carvalho, de longo e sinuoso nome, como o Parnaíba, não poderia deixar de falar de sua Amarante, que tanto me encanta. Por isso, peço-lhe vênia para citar um pequeno trecho de minha crônica Recuerdos de Amarante:

“Numa tarde agradável de um tempo que não sei fixar no calendário comum, mas apenas no do espírito, da emoção e da saudade, encontrava-me com o poeta Virgílio Queiroz, no cais do Velho Monge, bebericando umas pingas com água tônica, quando inesperadamente, como um sortilégio, veio uma ventania que sacudiu as faveiras, debaixo das quais estávamos. As favas secas começaram a emitir um som de chocalhos e de maracás. Foi como se aquele som evocasse uma época muito antiga e ancestral, em que os índios perlustravam aquelas terras, aquelas serras azuis encantadas e perlongavam o curso sinuoso do Parnaíba.”

Quando realizei o meu documentário Amar Amarante Sempre, editado pelo poeta e amigo Claucio Ciarlini, disponível no YouTube, dei bom destaque ao Museu do Divino e a várias fotografias de Ana Cândida, filha de Marcelino. No seu início, toco uma campainha antiga, de som lindo, argentino, quase uma música angelical, vibrante, ressoante, que ainda agora parece ecoar nestes meus versos do poema Amarante, com os quais encerro este discurso de saudação e boas-vindas — e com os quais recebo e homenageio o nosso confrade Marcelino Leal Barroso de Carvalho:

amarante

perante ti

imperante

o vento verdeja agreste nos ciprestes

rumoreja aguado nos aguapés

sacoleja sem leste nem oeste

a copa fagueira das faveiras

tuas tardes tardas dolentes amaras

      abres das janelas

      debruçadas em melancolias

  e alicias e (re)velas

as moças nas modorras mormacentas macilentas

em que delicias cilicias e acalentas...                  

(*) Discurso pronunciado em 26 de novembro de 2025 por José Elmar de Mélo Carvalho, na Academia Piauiense de Letras, durante a solenidade de posse do novo acadêmico Marcelino Leal Barroso de Carvalho.

domingo, 23 de novembro de 2025

EGOCENTRISMO

Criação: IA Gemini


EGOCENTRISMO


Elmar Carvalho

 

Eu sou um homem,

diante do qual,

curvo como um

servo capacho,

eu tiro meu chapéu,

que nem sequer tenho.

Eu vendo minha

imagem refletida

no espelho não mágico

de meu quarto,

curvo-me a mim mesmo,

como um eunuco do harém

perante o sultão.

E aquela imagem,

curva ante mim,

é minha maior homenagem

que me presto.

Eu me aproximo

do espelho,

até que minha imagem egocêntrica

seja projetada no infinito. 

sexta-feira, 21 de novembro de 2025

Crônica à guisa de prefácio


Prof. Lima Couto em charge de Fernando di Castro


Crônica à guisa de prefácio


Elmar Carvalho


Conheci Paulo Couto em março de 1977, quando iniciávamos o curso de Administração de Empresas no Campus Ministro Reis Velloso (UFPI – Parnaíba). Esse campus, então, era pequeno e bonito, situado no final da Avenida São Sebastião, que hoje se prolonga para muito além.

No início do curso, como eu ainda não tivesse transporte próprio, peguei carona algumas vezes com o Paulo Couto, que usava o fusca branco de seu pai, o ilustre e erudito professor Lima Couto. Desse modo, fui várias vezes a sua casa, um sobrado que ficava no Bairro Nova Parnaíba, perto da Avenida Capitão Claro, em local próximo ao vetusto Cemitério da Igualdade. Várias vezes conversei com o velho mestre Lima Couto, sobre diversos assuntos, mas sobretudo sobre educação, literatura e poesia.

Fiquei sabendo que ele admirava Abgar Renault e o poeta norte-americano Longfellow, do qual fizera tradução. Também era admirador do poeta e místico indiano Tagore. O mestre falava de modo cadenciado, rítmico e tinha boa dicção, com gestos que pareciam reger a musicalidade de sua fala, e às vezes se expandia em seus entusiasmos, quando recitava algum poema. 

Para meu gáudio gostava do que eu publicava nessa época, mormente no jornal Folha do Litoral, cujos arquivos infelizmente se perderam, e com isso se perdendo muito da memória política, administrativa e literária de Parnaíba, o que muito lamento. Às vezes a nossa conversa se dava no belo jardim da casa, debaixo do caramanchão, em que eu sentia o agradável cheiro de rosas, lírios e outras flores. Guardo boas e emocionadas lembranças desse competente e benemérito educador. 

Na sala de aula, o culto magistrado Walter Miranda de Carvalho, barrense como meu pai, fazia, algumas vezes, referência a esses poemas que eu publicava no Folha do Litoral, e dessa forma o Paulo e os demais colegas tomaram conhecimento dessa minha vertente literária. Neste ponto, é interessante que eu transcreva o que disse o próprio Paulo Couto, em seu livro Poesias e Crônicas (2020):

“Nos anos 70, quando iniciei o Curso de Administração de Empresas na UFPI, Campus Reis Veloso, tive um colega de turma chamado Elmar Carvalho. Tenho boas lembranças de todos os colegas, mas com Elmar foi diferente. Ele era poeta e numa das muitas conversas que tivemos, ele ficou sabendo que eu tinha escrito algumas poesias. O Elmar me levou na gráfica do Jornal Norte do Piauí e lá eu conheci o proprietário Mário Meireles. Minha primeira poesia publicada foi nesse jornal.”

A partir dessa época, o Paulo passou a publicar suas crônicas e poemas no jornal Norte do Piauí, e, um pouco depois, no Folha do Litoral, onde passou a ter coluna própria, denominada Cosmo, em que publicava seus textos em prosa e versos. O jornal era semanal ou hebdomadário, como alguns gostavam de dizer, com alguma pose e certa afetação.

No final dos anos 1970, eu e o Paulo participamos de alguns eventos e publicações literárias. Marcamos presença nas coletâneas Poesias do Campus, Salada Seleta, Galopando e Em Três Tempos, juntamente com outros poetas, entre os quais posso citar Alcenor Candeira Filho, V. de Araújo, Kenard Kruel, Adrião José Neto, José Luiz de Carvalho, Ednólia Fontenele, Josemar Neres, Rubervam Du Nascimento e Paulo Machado. 

Contudo, no começo dos anos 1980, o Paulo e eu fomos aprovados em concursos públicos, ele para o Banco do Brasil e eu para fiscal da Sunab, razão pela qual ele foi residir em Elesbão Veloso e eu em Teresina. Por esses motivos, nos perdemos de vista, e só nos encontramos muito esporadicamente, cada um a enfrentar os seus percalços, que a vida nos vai ofertando, sem que os procuremos, e lutando pela criação e educação de nossos filhos.

Algumas anos depois, já aposentados, e tendo o Paulo voltado a residir em Parnaíba, voltamos a nos encontrar pessoalmente ou através das facilidades (virtuais) da internet, mormente proporcionadas pelo WhatsApp.

Ele voltou a se interessar por literatura e empreendeu alguns projetos literários e culturais, sobre os quais falarei de forma resumida: criou o Clube dos Poetas Mortais, que mantém um festejado grupo de WhatsApp, promove eventos culturais e de congraçamento, realiza saraus e lives etc.; e publicou os livros Poesias e Crônicas (2020) e Textos em Fatos e Fotos (2022), em que também coligiu textos de Vitor de Athayde Couto e José de Lima Couto. 

E agora nos surpreende com este novo livro, titulado Anos 70 na Folha do Litoral. Nele reúne crônicas, artigos, entrevistas e poemas, alguns publicados no Norte do Piauí e, a maioria, no Folha do Litoral, em que manteve a coluna Cosmo.

Suas crônicas e artigos são curtos, concisos, claros e objetivos, como recomendam os melhores manuais de redação, e sem torcicolos, pulutricas e firulas literárias. Refletem os questionamentos impostos pela condição humana, referem os fatos da época, relatam acontecimentos ou histórias interessantes, comentam filmes, livros parnaibanos, certos costumes e brincadeiras da época, bem como as principais notícias e fatos da cidade, do Piauí e do mundo. 

Também relatam a movimentação cultural de jovens intelectuais e tecem comentários sobre os jornais alternativos da cidade, entre os quais o Inovação (fundado por Reginaldo Costa e Franzé Ribeiro) e o Querela (editado pelo Fernando Ferraz). Algumas de suas crônicas têm um viés memorialístico, e abordam episódios de sua infância e adolescência. A obra enfeixa ainda algumas importantes entrevistas, umas das quais com o poeta e escritor Alcenor Candeira Filho. Enfim, os textos tratam de múltiplos e importantes assuntos.

Seus poemas têm a beleza da simplicidade, e destilam sentimentos e emoções, todavia sem nunca descambar para a pieguice. Alguns criticam o que deve ser criticado e louvam o que deve ser louvado, como no dizer de Torquato Neto, uma de suas admirações literárias. Neles sentimos o pulsar da vida, sobretudo o amor que tudo permeia e que tudo deve nortear. Mas também se referem às frustrações, às injustiças, que sempre nos atingem, ainda que indiretamente. Outros são poemas que nos instigam a pensar. E outros nos comovem, pelo que têm de pungente, humano e lírico.

Todos os textos foram publicados nos anos de 1977, 1978 e 1979 nos jornais Norte do Piauí e, sobretudo, Folha do Litoral, em sua coluna Cosmo. O livro trata de tudo, versa (quase) todos os temas.   

Quem compulsar com atenção suas páginas vai conhecer muito da Parnaíba dos anos 1970, mormente nos aspectos de sua história social, administrativa, cultural e literária, quando Parnaíba se reinventava e se preparava para superar os estertores do extrativismo.

terça-feira, 18 de novembro de 2025

AS “BRAVURAS” OU BRAVATAS DE TEIXEIRA SANTOS





AS “BRAVURAS” OU BRAVATAS DE TEIXEIRA SANTOS

 

Elmar Carvalho

 

Três ou mais anos atrás, José Silva Teixeira Filho, gerente de Operações da ECT no Estado do Piauí, ofereceu-me, gentilmente, o livro Os Correios, sua Gente e Eu, de autoria de Guttemberg de Oliveira Sousa Filho, que por muitos anos trabalhou no antigo Departamento de Correios e Telégrafos – Diretoria Regional do Piauí –, depois transformado em Empresa Brasileira de Correios e Telégrafos. Com dedicação, esforço e estudo, alcançou o cargo de técnico postal, após ter sido carteiro e chefe dessa operosa categoria. Tendo trabalhado na empresa, em Teresina, de setembro de 1975 a março de 1977, conheci muitas das pessoas que ele cita na obra; de muitas outras, ouvi falar.

Em linguagem fluente, clara, objetiva e sem firulas estilísticas, relata episódios interessantes de que participou, presenciou ou ouviu falar ao longo das várias décadas em que mourejou nessa repartição postal e telegráfica. Alguns de seus relatos têm caráter autobiográfico ou memorialístico; outros são narrativas de fatos engraçados ou anedóticos, dos quais foi testemunha ou mesmo protagonista. Contudo, teve o cuidado de evitar acontecimentos que pudessem magoar a suscetibilidade ou a honra de alguém.

Em suas histórias, revela talento para criar suspense e, dessa forma, prender a atenção do leitor até o desfecho, quase sempre surpreendente e humorístico. Nota-se também sua verve e habilidade em provocar o riso, pela maneira como urde a narrativa.

Os capítulos de sua obra, porém, não tratam apenas de “causos” jocosos ou anedóticos. Alguns são permeados pelos percalços e vicissitudes da vida; outros versam fatos notáveis da história do Piauí, sempre com certo sabor de crônica, como o que abordarei neste texto e como aquele em que discorre sobre a fazenda dos jesuítas em Santo Inácio do Piauí. Narra também um episódio anedótico em que foi protagonista a figura importante e um tanto imponente de Lucílio Dantas Avelino, sempre vestido à moda antiga.

Entre os fatos de que foi protagonista ou participante, houve um em que ele teria permitido que o advogado Alarico da Cunha Júnior, diretor da SUDENE no Piauí, adentrasse uma área destinada exclusivamente a funcionários. Guttemberg explicou ao responsável por resolver o problema que não autorizara a entrada do Dr. Alarico e que sequer o vira penetrar na área em questão.

O caso foi dado como solucionado. Contudo, no expediente da tarde, ele foi abordado por Antônio Teixeira Santos, chefe do Tráfego Postal (CHP), que lhe disse que, em outra oportunidade, mandasse sair quem quer que entrasse em área proibida. Guttemberg perguntou se deveria fazer sair até mesmo o governador do Estado, ao que Teixeira, de forma peremptória, respondeu:

“Até o Presidente da República. Aqui, no seu trabalho, a autoridade dele é menor que a sua.”

O nosso autor pediu desculpa pela sinceridade, mas afirmou não acreditar na “conversa bonita”, nem mesmo para lhe ser agradável. Confessou que não teria coragem de “cutucar o cão com vara curta”, como diz o ditado popular. Aproveitou para lhe contar a fábula dos ratos e do gato, em que um dos ratos teria de colocar um chocalho no felino para alertar os demais. Um velho e experiente rato, então, pergunta: “Mas quem põe o guiso no gato?”

Teixeira Santos, com muita ênfase e voz potente, retrucou:

“Eu cutuco o Cão com vara curta, eu ponho o chocalho no gato!”

Guttemberg retrucou que, se o Presidente da República, o governador do Estado, o presidente do Tribunal de Justiça, um ministro de Estado ou outra autoridade desse quilate entrasse em sua seção, chamaria Teixeira para que ele convidasse a autoridade a retirar-se. Teixeira não “amarelou” e afirmou que ficava à sua disposição.

Para deixar tudo às claras, o autor narrou um fato acontecido em 1937, na época da instauração do Estado Novo, quando Getúlio Vargas passou a governar com poderes ditatoriais. O interventor federal Leônidas Melo solicitou ao diretor regional dos Correios e Telégrafos que seus telegramas lhe fossem entregues pessoalmente. O diretor recomendou aos estafetas que somente o governador os recebesse, mediante assinatura legível.

Recorri à regional da ECT no Piauí para saber o nome desse diretor (*), mas seu nome não foi descoberto. Em Trechos do Meu Caminho (2ª edição, p. 275.), seu excelente livro de memórias, Leônidas lhe faz referência elogiosa, mas sem lhe mencionar o nome: “Eu mantinha íntimas relações com o Diretor dos Telégrafos. Era homem de compostura e responsabilidade, pessoa merecedora de inteira confiança.”

Algum tempo depois, numa tarde de sábado, achando-se no Palácio de Karnak o interventor federal, várias autoridades e o diretor dos Correios e Telégrafos, um estafeta foi entregar um telegrama destinado a Leônidas. O chefe da Casa Militar disse que poderia recebê-lo, mas o mensageiro replicou que só o entregaria ao destinatário em pessoa.

O coronel Torquato Pereira de Araújo conduziu o estafeta até Leônidas, que rubricou o recibo. O mensageiro, porém, não lhe entregou o telegrama, alegando que ele não “assinara direito”, apenas rubricara. O governante sorriu e assinou por extenso, de forma legível.

O diretor pediu desculpas ao interventor, dizendo que o carteiro era ignorante e grosseiro, e que seria severamente punido. Leônidas, porém, disse gostar de sua atitude, pois cumprira fielmente sua missão.

Teixeira Santos, que ouvira atentamente a história, exclamou:

“Gostei do mensageiro. Cabra macho! Não sou diretor e não vou pedir desculpas a nenhuma autoridade em caso semelhante. Se o senhor João Belchior Marques Goulart, atual Presidente da República, penetrar nesta seção sem a devida autorização, ponha-o fora ou me chame, que eu o porei.”

Pelo visto, ou ouvido, Antônio Teixeira Santos era também um cabra macho — tanto quanto, ou mais do que, o carteiro — ou seria apenas um grande falastrão e fanfarrão.

Cursava a Faculdade de Direito e cultivava amizade com advogados e outros operadores do Direito, inclusive magistrados.

Por essa época, início dos anos 1960, era figura proeminente de Teresina o desembargador Robert Wall de Carvalho, filho do Des. Cromwell Barbosa de Carvalho e de Virgínia Wall de Carvalho, professor da Faculdade de Direito, membro da Academia Piauiense de Letras, presidente do Tribunal de Justiça do Piauí, e que, na década seguinte, viria a ser o primeiro reitor da Universidade Federal do Piauí.

Um carteiro comunicou ao chefe Guttemberg que essa alta autoridade adentrara a Seção de Carteiros à procura de uma carta registrada que já deveria ter chegado. O nosso bravo autor disse ao carteiro para informar ao desembargador que iria encontrá-lo em breve para resolver o problema. Em seguida, foi procurar Teixeira Santos, chefe do Tráfego Postal, e lhe disse:

“O presidente João Belchior Marques Goulart invadiu a Seção dos Carteiros e está sentado à minha mesa. Vim chamá-lo para que o senhor o ponha fora.”

Deixemos que ele mesmo conte o que se passou:

“Levantou-se a queima-roupa e foi dizendo: ‘Sai agora mesmo!’ Seguimos, e, ao avistar o invasor no fundo da sala, acenou os dois braços como um gavião quando quer pegar a sua vítima. Eu, pasmado ao ver aquela cena nunca pensada, disse comigo mesmo: ‘Valha-me Deus, o homem enlouqueceu! Vai partir para a violência, parece que vai arrastá-lo porta afora.’”

Parecia uma cena dantesca, como diria o condoreiro Antônio Frederico de Castro Alves. Guttemberg chegou a esperar que Teixeira Santos trucidasse o desembargador Robert Wall de Carvalho. Criou-se enorme suspense. Deixemos que ele próprio finalize o que, então, de forma surpreendente, se passou:

“Abriu os braços para fazer uma saudação calorosa e foi dizendo: ‘Que honra tê-lo aqui em nosso meio! Em que lhe posso ser útil?’ E me apresentou: ‘Guttemberg, chefe de turma, incumbido da entrega da correspondência’. Após os cumprimentos, o desembargador voltou-se para mim com aquela voz grossa e austera: ‘Seu descobridor da imprensa, descubra o meu registrado nº (...), pois preciso tê-lo em mãos com urgência.’”

Feitas as devidas buscas, o autor descobriu que o registrado fora entregue à Academia Piauiense de Letras, da qual o magistrado era membro.

O nosso “Robespierre postal” acompanhou o desembargador Robert Wall de Carvalho, entre mesuras e reverências, até o automóvel oficial. Quando retornou, sacudindo a cabeça e sorrindo, ainda transmitiu esta lição a Guttemberg:

“Ninguém bota um bichão desses para fora; ninguém o convida a retirar-se. Aquele caso do diretor da SUDENE foi frescura da filha do Ferreira. Não precisava aquela guerra por um caso tão fútil. Criticar é muito fácil; realizar é que é o problema.”

Dada a lição, tocou mansamente o ombro de Guttemberg de Oliveira Sousa Filho e se retirou.

Quanto ao livro Os Correios, sua Gente e Eu, ele está a reclamar uma nova e boa edição, após 27 anos da primeira — seja patrocinada pelos descendentes do autor, seja pela ECT/Piauí. 

(*) Segundo pesquisa realizada hoje (19/11/2025), com o auxílio do ChatGPT, o nome mais provável para o cargo de diretor (ou administrador) dos Correios e Telégrafos no Piauí, no período mencionado, é Antônio Vieira de Carvalho.

domingo, 16 de novembro de 2025

TRAGICOMÉDIA

Criação: IA Gemini

 

TRAGICOMÉDIA


Elmar Carvalho

 

Preso no

ventre estreito

do Universo,

tenho um acesso

de claustrofobia.

Fruto mau

de árvores boas,

sou estéril

(para não ter maus frutos).

Nasci prematuramente

e morrerei depois

da hora.

(Sou teimoso como

um joão-teimoso.)

Guiado por cego

e conversando com

surdo-mudo,

fui tachado de

débil mental.

Mas isto é um

eufemismo:

eu sou mesmo é

um doido varrido,

por força da necessidade.

Sou triste.

Mas eu vejo a tristeza

como lágrimas

nos olhos do diabo. 

           Pba. 09.77

quinta-feira, 13 de novembro de 2025

DA BARRA DO LONGÁ AO CÉU




DA BARRA DO LONGÁ AO CÉU


Elmar Carvalho

 

Fui a Buriti dos Lopes em companhia da Fátima, do Dico e do Natim, onde eles pretendiam resolver problema de interesse deles, o que terminou não dando certo, porquanto a pessoa que seria contactada havia viajado para o Ceará. Por essa razão, resolvemos visitar a localidade Barra do Longá, que há mais de duas décadas não víamos. Apenas parte da estrada foi asfaltada, o que nos remete à velha cultura das obras eleitoreiras inacabadas. O povoado estava bastante mudado.

 

Quando o conheci, trinta anos atrás, era uma povoação simples, com poucas casas de taipa e cobertura de palha. Hoje, possui muitas casas, quase todas de tijolos e cobertas de telhas. As casas de palha já quase não existem. Seu nome se deve ao fato de ser o local onde o rio Longá deságua no Parnaíba, depois de banhar municípios como Alto Longá, onde nasce, Campo Maior, Barras e Buriti dos Lopes. Em Esperantina e Batalha, ele forma a bela e turística cachoeira do Urubu, que só se precipita na época das chuvas, quando dá um magnífico espetáculo de águas revoltas e espumantes, cujo som atroa de forma quase assustadora.

 

Lamentavelmente, é um rio que vem sendo agredido de forma devastadora, a partir das nascentes, que se encontram bastante degradadas. Quando o “inverno” é fraco, suas águas já não correm em toda extensão de seu leito. Poucas pessoas se preocupam com sua degradação; entre esses poucos homens de boa-vontade se destaca o médico humanitário, boa-praça e intelectual Itamar Abreu Costa, cujo nome declino como justa homenagem a ele.

 

Logo se nota, sem nenhuma dificuldade, já que os monturos são ostensivos, que o crescimento do povoado trouxe as indesejáveis mazelas do chamado “progresso”. Ao longo da margem direita, na parte urbanizada, o lixo se acumula de forma feia e repulsiva, com amontoados de sacos plásticos, garrafas pete, vidros, latas de alumínio, etc. Também a poluição sonora, tanto pelo volume do som como pela qualidade da “música”, começa a incomodar.

 

Um cantor, com voz gritada, esganiçada e estridente falava no rio Araguaia, e não no Longá ou no Parnaíba. Na faixa seguinte, em evidente exagero e ufanismo, dizia que ia acabar com a cachaça. Comentei para o Dico e o Natim, que sua missão seria inglória; que era mais fácil ele se acabar, do que vencer a gigantesca produção alcoólica existente.

 

Preferimos terminar o passeio no Céu. Não no céu onde os anjos entoam belos cânticos ao Senhor, mas na localidade Céu, na Ilha Grande de Santa Isabel, no restaurante do Zé Nilson, a degustar uma saborosa galinha caipira.

5 de janeiro de 2011

domingo, 9 de novembro de 2025

LÍRICA 2.222

Criação: IA Gemini


LÍRICA 2.222


Elmar Carvalho

 

Eu vi teus olhos

de pedras verdes musgosas,

dissolvendo-se em líquido

no verde móvel do mar.

Teu corpo vi tomando

a forma da praia

e a tua voz assumindo

a cadência da música

das ondas.

 

De você me veio

uns longes veios de saudades

e maresias

invadindo meu ser.

 

Os teus cabelos

eram loiras algas,

encrespadas em ondas do mar.

 

As curvas

da terra e do mar

são apenas projeções

da poesia selvagem de teu corpo.

 

Sim, sinto ainda te amar

a leste, oeste, ao vento e ao mar,

com a mesma paixão incontida

de um gesto feito de raiva,

do tempo em que eu tinha

a inocência e o pecado

de um deus feito de pedra.

            Pba, 19.03.78 

terça-feira, 4 de novembro de 2025

Teresina - Tempo e Memória projetado no Liceu Piauiense

 



Lançamento do documentário Teresina – Tempo e Memória

 

Ontem, 03 de novembro de 2025, às 10h30, foi exibido, no auditório do Liceu Piauiense (CETI Zacarias de Gois), o documentário Teresina – Tempo e Memória, produzido e realizado por Elmar Carvalho e Claucio Ciarlini. O vídeo teve roteiro e narração de Elmar Carvalho, com edição de Claucio Ciarlini. Nele são relatadas as memórias fragmentadas do roteirista, de meados da década de 1960 aos dias atuais, de forma breve e intensa. Aparecem na narrativa e nas imagens circunstâncias e episódios memorialísticos, bem como paisagens arquitetônicas, urbanísticas e naturais de Teresina.

 

O auditório estava lotado de alunos do velho Liceu e de alguns professores — inclusive de História e Literatura —, além dos seguintes membros da Academia Piauiense de Letras: Fides Angélica Ommati (presidente), Carlos Evandro Martins Eulálio e Marcelino Leal Barroso de Carvalho, que tomará posse de sua cadeira ainda neste mês. O diretor do colégio, professor Jair Pinheiro, fez a apresentação do documentário e de seu roteirista e narrador.

 

Após a exibição, Elmar Carvalho teceu algumas explicações sobre o documentário e disse que o vídeo foi feito apenas “com algumas ideias na cabeça” e uma câmera de celular, além da utilização de imagens criadas por inteligências artificiais, resultando, contudo, em um excelente trabalho de edição, realizado pelo poeta e escritor Claucio Ciarlini. Alguns alunos fizeram perguntas, que foram respondidas por Elmar Carvalho.

 

Também fizeram uso da palavra a presidente da APL, Fides Angélica, o professor Carlos Evandro e a professora Teresa, do Liceu Piauiense.

 

O documentário foi muito aplaudido pelos alunos do velho educandário, que aparece de forma privilegiada no vídeo, em virtude de nele ter estudado o roteirista aos 17 anos de idade, quando se deslumbrou com o belo auditório e suas sedutoras cariátides, que lhe parecem sustentar o teto.   




domingo, 2 de novembro de 2025

NA NOITE

Criação: AI Gemini

NA NOITE


Elmar Carvalho

 

Na noite

um sapo coaxa.

Uma puta triste

acha graça. Acha graça.

Um galo

às desoras desfere um canto

fora de hora. E chora.

Um cão ladra por nada:

nenhuma cadela no cio.

O silêncio

grita como louco

na concha acústica

dos labirintos dos ouvidos moucos

por onde um Teseu lasso caminha

em busca do Minotauro – perdido

sem o fio de Ariadne –

conduzido por outro fio

que parte / se parte e

se reparte entre o ser

e o não ser.

E os gritos de Teseu

arrancam ecos

que já ecos de si mesmos

se repetem se repetem

até a mais completa

absoluta exaustão.