domingo, 17 de março de 2024

MAR(ULHO) NO TABOCAL

 

Fonte: Google

MAR(ULHO) NO TABOCAL


Elmar Carvalho

 

Manhosa

manhã de domingo.

Sorvendo

solvendo uma cerveja

estupidamente gelada

sob a sombra redonda

redoma levemente

verde-transparente

o sol ruiva

o vento uiva

            ondula e marulha

nas afiadas espadas e agulhas

            do tabocal

e me emerge um mar

            imerso no temporal

quebrado nos arrecifes

            esvaído no tempo

e nas distâncias esquecidas.

 

           Te. 23.06.91

quarta-feira, 13 de março de 2024

Mons. Boson, virtuoso sacerdote e educador

Praça Monsenhor Boson.  Anos 60

Praça Monsenhor Boson.  2023
Patronato Mons Boson, onde funcionava a Escola São Pedro Nolasco e um Internato para moças. Obras de Mons. Uchoa. Anos 60
Auditório Mons. Uchoa, anexo ao Patronato Mons. Boson.


                        Todas as fotos me foram enviadas pelo Prof. Monte Filho, que lhes fez as legendas


Mons. Boson, virtuoso sacerdote e educador

 

Elmar Carvalho

 

Recebi das mãos do Des. Arnaldo Boson Paes o primoroso livro Monsenhor Boson: o missionário da educação, de sua autoria. Edição esmerada da Bienal Editora. Capa do notável artista plástico Paulo Moura e projeto gráfico de Irmão de Criação. Arnaldo, nascido em Campo Alegre de Lourdes (BA), foi meu colega no curso de Direito, na UFPI. Era bem jovem, simpático, alegre, dotado de senso de humor e de aguçada inteligência.

Logo após a conclusão do curso, em que se houve com invulgar brilhantismo, posto que inteligente e estudioso, logo foi aprovado em concurso público para Juiz do Trabalho. Não demorou muito foi alçado a desembargador dessa Justiça especializada. Foi presidente do Tribunal da 22ª Região, em que ainda exerce as suas funções judicantes.

O livro tem como tema a vida exemplar e a notável obra educacional do Monsenhor Constantino Boson e Lima. Logo que se estabeleceu em Teresina para fazer seus estudos no ensino médio e em curso superior, e ao tomar conhecimento da importante atividade magisterial de seu parente, o autor desejou dedicar-lhe uma biografia, que lhe imortalizasse as realizações.

Contudo, os relatos dos atos e fatos de Mons. Boson se encontravam dispersos em esconsos arquivos, em quase inacessíveis hemerotecas, em matérias avulsas, publicadas em velhos jornais, revistas e outros periódicos. Além do mais, o autor se encontrava, como ainda se encontra, no auge de seu labor profissional, a proferir decisões interlocutórias, relatórios e votos, fora o tempo em que exerceu atividades administrativas.

Com a evolução tecnológica e o surgimento das ferramentas digitais, pôde ele executar o seu projeto. Ele próprio esclarece: “Recentemente, ao entrar em contato com o acervo disponibilizado pela Hemeroteca Digital, ferramenta desenvolvida pela Biblioteca Nacional, finalmente encontrei a matéria-prima que tanto buscara. Seguindo as trilhas apontadas pelo acervo digital, parti para a pesquisa de campo.”

O livro nos informa que os ancestrais de Constantino Boson e Lima viviam na região situada entre o rio Poti e a serra da Ibiapaba, que constituía a vila de Príncipe Imperial, que até o ano de 1880 pertenceu ao Piauí, e que hoje forma o município de Crateús (CE).

O padre Sebastião Ribeiro Lima, nascido em 20 de janeiro de 1824, na fazenda Boa Vista, situada nessa região, se tornou o vigário da freguesia de São Raimundo Nonato, na província do Piauí. Foi nessa condição que, no final da década de 1840, o padre Sebastião foi rever o seu pago natal, onde visitou parentes e fez celebrações do ritual católico.

Retornou à sua igreja, levando em sua companhia jovens irmãos, entre os quais José Coriolano de Sousa Lima (1829-1869), que veio a se tornar um grande poeta, de dicção popular e romântica, pertencente à literatura do Piauí e do Ceará, e Jerônimo de Sousa Nogueira Boson Lima, falecido em 1876, que se tornou fazendeiro, tenente-coronel da Guarda Nacional e promotor público em São Raimundo Nonato, onde se casou com Francisca Adelina Lopes de Sousa Lima, com quem teve dez filhos, entre os quais o nosso Mons. Boson, o caçula dessa prole, nascido nessa localidade em 15 de outubro de 1868.

Preparando-se para ser sacerdote, Boson fez seus estudos em São Luís, capital do Maranhão, a cuja Diocese o Piauí era vinculado; primeiro no Seminário das Mercês, após aprovação em exame de admissão, e, depois, no Seminário de Santo Antônio, em que cursou Teologia e Filosofia, vindo a concluir seus estudos em 1891.

Além de funções sacerdotais em São Luís, o padre Boson exerceu atividades administrativas, e veio a se tornar, em 30 de abril de 1897, por ato do bispo Dom Alvarenga, reitor do Seminário de Santo Antônio. Em 1901, “retirou-se para o Piauí para assumir a paróquia de Barras”, encantadora e bucólica cidade, quase uma ilha, enlaçada pelo Marataoã e irrigada por suas várias barras, que lhe sugeriram o nome.

Barras, cognominada Terra dos Governadores, mas a que acrescentei, também, e de marechais, generais e poetas, teve três figuras emblemáticas, como sacerdotes, no século XX: Pe. Boson, que conservou e ampliou a velha matriz de Nossa Senhora da Conceição, em cujo cimo do frontispício, então voltado para o poente e para o Marataoã, se via um Cristo Redentor, de braços abertos, cuja história mais remota remonta à capela iniciada em 1749 pelo coronel Miguel de Carvalho e Aguiar, em terra de sua propriedade e à ampla e bela igreja colonial, cuja construção se deve, em grande parte, à liderança e esforços do patriarca José Carvalho de Almeida; Pe. Lindolfo Uchoa (1884-1966), que fundou, com o apoio das Irmãs Mercedárias, o Patronato “Monsenhor Boson”, um internato para moças e a Escola São Pedro Nolasco, inaugurada em 13 de fevereiro de 1955, destinada ao curso primário (o internato e a escola funcionavam no patronato, cujo prédio fora doado e reformado pelo coronel Antônio (Tote) Fortes Castelo Branco), além do célebre Colégio “24 de Fevereiro”, em Floriano, considerado um dos mais importantes de nosso estado; foi um dos fundadores do Ginásio Nossa Senhora da Conceição (18/04/1956) , juntamente com Geraldo Majella Carvalho, José Alencar Lopes (Zé do Honório), Conrado Amorim de Sousa e o médico José do Rêgo Lages, que funcionou inicialmente à noite, no prédio do Grupo Escolar Matias Olímpio; na página 31 do livro Chão de Estrelas da História de Barras do Marataoan, de Wilson Carvalho Gonçalves, na legenda da foto da velha matriz, encontro a informação de que Mons. Uchoa a teria ampliado; foi vigário em Barras em duas ocasiões, perfazendo uma permanência total de 31 anos na paróquia; e Pe. Mário José de Meneses (1929-1993), vigário de Barras por mais de 25 anos (29/02/1962 a agosto/1987), foi o responsável pela construção da nova igreja, de frente voltada para o nascente. Realizou obras sociais e no campo da educação. Sua memória ainda é muito viva em Barras. Ao deixar a Paróquia de N. S. da Conceição, foi residir em Parnaíba, onde exerceu o cargo de vigário-geral da Diocese, no bispado de Dom Joaquim Rufino do Rego. 

Em trabalho ainda inédito e em construção, referindo-me a Dom Joaquim Almeida, escrevi o seguinte:

“Já com experiência na área da educação, como auxiliar do bispo da Paraíba, ainda nos primeiros dias de sua gestão, adota providências para criar três escolas em Teresina, sede diocesana, e duas em Parnaíba, a mais importante cidade do estado, depois da capital.

Em 25 de março de 1906, portanto no primeiro ano de seu governo episcopal, criou o Seminário diocesano e, em anexo, um colégio diocesano. O primeiro se destinava à formação de sacerdotes católicos, e o segundo para a instrução formal de crianças do sexo masculino, que ainda nos dias de hoje presta relevantes serviços no ensino de nível fundamental e médio. Ainda é conhecido como Colégio Diocesano, embora seu nome oficial seja Colégio São Franscisco de Sales.”

No livro Joaquim (Fonseca Neto e Paulo Libório) consta que “a direção era anualmente mudada, tendo sido o padre Bianor Emílio Aranha (1906) o primeiro reitor do Seminário e diretor do Diocesano. Arnaldo Boson, em seu livro, nos informa que no ano seguinte “o comando seria entregue ao padre Boson”, meses depois de uma visita pastoral que o bispo fizera, em outubro de 1906, à paróquia sediada na cidade de Barras.

Segundo Arnaldo Boson, o Mons. Boson permaneceu à frente do seminário em parte do episcopado de Dom Joaquim e exerceu a direção do Colégio Diocesano “em dois períodos, tanto no bispado de dom Joaquim quanto no bispado de dom Severino, a partir da reabertura, em 1925, permanecendo à frente do educandário até a sua retirada para Parnaíba, em 1929”. 

Em Parnaíba, no ano de 1929, foi nomeado primeiro capelão da Capela da Santa Casa de Misericórdia. Exerceu o cargo de inspetor federal de ensino, a partir de 1931. Pelo período de 16 anos, foi vigário e educador em Parnaíba.

Cego, aos 77 anos de uma vida dedicada à Fé e ao magistério, no dia 18 de outubro de 1945, Boson partiu ao encontro da luz que emana de seu Criador. Dias antes, mais precisamente no dia 8 de setembro do mesmo ano, ocorrera a instalação da Diocese de Parnaíba, a cuja solenidade festiva, presidida por Dom Severino Vieira de Melo, não pudera comparecer.

Encerrava-se a vida de um exemplar e virtuoso sacerdote e educador, cujas virtudes, ideário, metodologia pedagógica, caráter e perfil moral estão delineados na biografia bem redigida e de denso conteúdo, que lhe dedicou Arnaldo Boson Paes, após intensa e trabalhosa pesquisa.

domingo, 10 de março de 2024

PARNAÍBA REVISITADA

Fonte: Google

 

PARNAÍBA REVISITADA


Elmar Carvalho

 

Pelos labirintos

de antigas ruas perdidas

caminho sem destino

e mergulho no temporal

das cavernas inescrutáveis

do deus Cronos

e o que se chama passado

intacto resgato

num pequeno pedaço de um

velho azulejo desbotado.

quinta-feira, 7 de março de 2024

DESPEDIDA DE GOLEIRO

O goleiro Elmar visto por Gervásio Castro

Foto em que aparecem o doutor Lusmanell (dono do time Teixeirão, do campo, da bola, etc.), seu pai, o advogado Manoel Absolon, dois de seus irmãos, Manoel Teixeira (advogado) e Manoelson (então acadêmico de medicina) e seu tio, o vereador Henrique Teixeira. O time foi o campeão do torneio de futebol de salão de Regeneração - versão 2009



DESPEDIDA DE GOLEIRO


Elmar Carvalho

 

O colega e amigo Thiago Brandão, grande matador, no sentido futebolístico da palavra, respondendo a um e-mail que lhe enviei, em que lhe explicava que pretendia publicar, em formato impresso, este Diário Incontínuo em 2016, quando terei sessenta anos de idade, escreveu-me pela internet: “Grande Poeta! Achei que, pela sua agilidade na atividade futebolística, mais precisamente em envidar esforço homérico evitando gols, estivesse Vossa Excelência ainda bem distante de atingir a sexagenária. De toda sorte, parabéns pela vitalidade física, mental e profissional”.

 

Embora sabendo que a mensagem é fruto de sua bondade e lhaneza, não pude deixar de recordar os meus tempos de goleiro amador – amador do esporte e da vida, e amador porque nunca fui um profissional pebolista. Respondi-lhe nos seguintes termos, com certa autoironia:  “o pior, ou o melhor, senão já terei partido desta para uma melhor, é que ainda vem a expulsatória ou compulsória ou septuagenária”.

 

Parece que essa posição futebolística, além de ingrata, é um tanto maldita. Primeiro, um golquíper é o único atleta a jogar, sobretudo, com as mãos; segundo, uma falha sua é quase sempre fatal, e, depois, as    televisões só se preocupam em exibir os gols, em que o goleiro é visto em situação desfavorável. Pouco são mostradas as belas e difíceis defesas de um goleiro. Para completar a esdruxularia, até sua farda é diferente da dos demais atletas. Agora, estourou a notícia de que o goleiro Bruno teria mandado matar a sua amante Eliza Samudio.

 

Assim que assumi a Comarca de Regeneração, andei comentando que fora goleiro em minha juventude, mas que, depois dos quarenta, e mesmo depois dos cinquenta anos, ainda jogara no time da AMAPI. Acrescentei, com certa ponta de vaidade, que as pessoas que me viram jogar diziam que eu era um bom arqueiro, com atuações quase sempre regulares ou boas. Diante disso, fui convidado pelo advogado Luzmanell Teixeira Absolon para disputar uma partida em seu campo particular, conhecido como Teixeirão. Arrependi-me de haver sido linguarudo e um tanto fanfarrão, mas, para não passar por mentiroso, fobista ou falastrão, aceitei participar de um jogo.

 

Para não encompridar a conversa, devo dizer que foi uma ótima partida, com torcedores e bons atletas regenerenses da idade madura. Tive sorte. Atuei bem, e fiz pelo menos três boas defesas, em que executei “voadas” ou “pontes”, uma das quais estaiada. Inclusive, um dos torcedores, no final do entrevero, disse que uma das minhas defesas merecia ter sido filmada, e fazia a mímica correspondente, usando um telefone celular como se fosse uma câmera. Também disseram, mas acho que apenas por venenosa brincadeira, que eu fui poupado, em razão de meu cargo. Essa afirmativa não procede, pois os chutes foram violentos, verdadeiros torpedos, e bem no cantinho da trave.

 

Surpreendi-me com o doutor Luzmanell. Pensei que ele só jogasse por ser o dono da bola e do campo, por sinal agradável, arborizado e bem gramado, mas percebi que ele tem intimidade com a pelota e conhece os segredos e macetes da arte futebolística.

 

Posteriormente, fui convidado para novo jogo. Preferi declinar. Dizem que a primeira imagem é a que fica, mas eu acho que é a última. Assim, prefiro, como poeta, encerrar um soneto com uma chave de ouro, e, na qualidade de goleiro, prefiro pendurar as chuteiras, ou melhor, arquivar as luvas de golquíper, com uma boa atuação. 

14 de julho de 2010

domingo, 3 de março de 2024

PERDIÇÃO

 

Fonte: Golgel

PERDIÇÃO


Elmar Carvalho

 

Por mares de sargaços e enganos

perdi-me na rota

de estranhos portulanos

feitos por arcanos d’antanho.

Por causa de lábios

que falavam de amor

seguindo incertos astrolábios

soçobrei nas tormentas

de algum cabo Bojador.

Egresso de Sagres

dancei a Dança dos Sabres

no mapa de meu destino.

Nas garras da ventania

joguei um jogo de morte

em que tudo se perdia.

No derradeiro naufrágio

encontrei enigmas e presságios

nos búzios que no abismo havia.

E tudo se findou

num veleiro encalhado

em mar de absoluta calmaria.

 

           Te. Dom. 07.10.90 – 03h

sexta-feira, 1 de março de 2024

O BRAVO CAVALO QUEIMADINHO

 

Foto meramente ilustrativa  Fonte: Google

O BRAVO CAVALO QUEIMADINHO


Elmar Carvalho

 

Lembrei-me hoje, insistentemente, de uma notícia que ouvi em programa de televisão, em que um rapaz insano derramou dois litros de gasolina num pobre cavalo e lhe ateou fogo.

 

O animal correu desatinado e se espojou numa moita, se contorcendo e se retorcendo pelas dores atrozes que sentia, naturalmente na tentativa instintiva de debelar a chama que o adolescente imbecil provocara; claro que seu esforço foi inútil, e talvez o fato de rolar no chão, por causa das dores lancinantes que sentia, só tenha servido para avivar ainda mais as feridas causadas pelo fogo, que só se extinguiu com a última gota de tão inflamável combustível.

 

O cavalo ainda teve força para chegar à casa de seu dono, como a pedir socorro. O pobre homem conseguiu que a Polícia Montada do Rio de Janeiro cuidasse do seu animal. Sua vontade de viver era tanta, que, mesmo tendo tido duas paradas cardíacas, conseguiu sobreviver. Rebatizado de Queimadinho, tornou-se uma espécie de mascote e símbolo da corporação policial.

 

O que o rapaz idiota pretendia ganhar com a sua torpeza? Seria, acaso, um sádico, a se satisfazer em olhar um inocente e indefeso animal sofrendo? Que dores esse animal não terá sofrido, sem nada ter feito contra esse garoto de dezesseis anos de idade!... Fico admirado de esse bicho não ter perdido a fé na raça humana, pois foi procurar o dono e é carinhoso com as pessoas que cuidam dele.

 

Ante o gesto estarrecedor do adolescente, a gente chega a pensar besteira. Certamente é possível que alguém tenha imaginado a hipótese de ser pingada apenas uma gota de gasolina no seu braço, para que ele pudesse ter uma pálida ideia de seu ato abominável.

 

Ao ver a imagem do Queimadinho, lembrei-me do quadro da girafa incendiada de Salvador Dalí e destes meus versos: “Girafa incendiada sem poder pastar / na terra calcinada que ela própria queimava...”

 

No meu discurso de posse na Academia Piauiense de Letras, narrei o seguinte fato, acontecido em minha juventude: “O homem, que cria animais para abatê-los, poderia ao menos evitar torturá-los, ou, ao menos, maltratá-los o mínimo possível. Recordo-me de que certa vez, perto de um mercado, vi um magarefe divertindo-se a dar machadadas na cabeça de um tenro e cândido cordeiro. Ria ao vê-lo estremecer com os golpes. Gostaria que esse carneiro, símbolo da mansidão, que sequer berrou ou esperneou, a exemplo da jumenta de Balaão, tivesse perguntado àquele homem bruto sobre por que o torturava. Ainda hoje me arrependo de não ter interpelado aquele homem rude e ignaro, embora correndo o risco de ele voltar contra mim o seu machado cruel.”

 

A história do bravo cavalo Queimadinho me fez recordar um fato acontecido em Barras, no tempo da ditadura Vargas. Um delegado contemplou, da porta de sua repartição, um homem fazer várias tentativas de pegar o chapéu, que o vento arrebatara de sua cabeça. Quando ele se curvava para pegá-lo, vinha novo pé de vento e o arrastava. Quando finalmente conseguiu segurá-lo, o homem desferiu várias facadas contra o sombrero, como dizem os mexicanos.

 

O delegado imediatamente, sem contar conversa, o mandou prender, sob o argumento de que quem procedia daquela maneira contra um inocente chapéu, que só lhe fazia benefício, bem poderia matar um ser humano.

 

Se essa autoridade pensou isso em relação a um homem que esfaqueara uma coisa inanimada, como um chapéu, que não sente dores e não morre, o que não pensaria em referência a uma pessoa que, sem nenhum motivo, tocou fogo num cavalo, que teve mais de setenta por cento de seu corpo devastado pelas chamas ateadas bestialmente por um jovem, no paroxismo da crueldade humana!?

 

Para mim, esse rapaz foi mais irracional do que o quadrúpede que ele maltratou, de forma tão vil e tão covarde.   

12 de julho de 2010

segunda-feira, 26 de fevereiro de 2024

HOMENAGENS POÉTICAS

 

Homenagem visual que recebi do amigo e genial chargista Gervásio Castro, que aparece na charge.

HOMENAGENS POÉTICAS

 

Recebi três dias atrás o seguinte poema do amigo e poeta Sousa Filho, como que se antecipando a meu aniversário, que só ocorrerá em abril:


Inspirado nesse poema ou o tendo como mote, o escritor e poeta Francisco Carlos Araújo (ou Chico Acoram), me enviou pouco depois esta maravilha:


Após dialogarmos sobre os dois poemas acima, o cordelista JOAMES, que considero seja o melhor poeta popular do Piauí da atualidade, me remeteu, por WhatsApp, este outro:

Arte: Elmara Cristina

Não satisfeito com a sua proeza anterior, o Chico Acoram achou de arrematar a sua façanha poética com esta coroação em forma de versos:

Arte: Elmara Cristina

Vendo os excelentes versos acima transcritos, o meu velho amigo e grande poeta Wilton Porto me honrou e me agradou com estes lindos marulhos poéticos:

Li tudo. 

Tudo, um mar em sinfonia, 

um Elmar, que el mar de poesia.

Quanto mais ondas levantam,

leveza em sintonia,

do Poeta que faz dos versos,

a vida ser luz e magia,

na loucura da ousadia,

dia e noite,

noite e dia.

Desta forma, devo dizer que fui laureado e coroado com legítimas folhas de louro de ouro puro. Essas homenagens têm para mim mais valor que certas medalhas, que certos ouropéis, que logo são manchados pela pátina do esquecimento. Muito obrigado, caros amigos e poetas Sousa Filho, Chico Acoram e Joames. 

Deus lhes pague e que nada apague essas valiosas lembranças. 

Elmar visto por Gervásio Castro

domingo, 25 de fevereiro de 2024

MARÍTIMA

Fonte: Google

 

MARÍTIMA


Elmar Carvalho

 

Do mar eu trouxe

o vento que dança

em torno de meus cabelos.

Trouxe este meu cheiro

de sal, mariscos e maresia.

Vaqueiro fui e fazendeiro

de estrelas-do-mar que

subiram ao céu para formar

constelações e galáxias.

Nas pontas agudas de meus dedos

cintilam fogos-de-santelmo.

Meus olhos têm o brilho

que roubei das ardentias.

Os relâmpagos das procelas

pousaram nas minhas mãos

e nelas se aninharam.

Do ritmo do mar eu trouxe

os meus gestos e o meu jeito de falar.

Num lance de búzios

joguei minha cartada final

em que fui anjo terminal.

Do mar eu trouxe a cantiga

do vento na voz dos búzios.

Sobre o dorso de alados cavalos-marinhos

pesquei sereias malévolas que me

encantaram e depois fugiram.

No vai-e-vem das ondas

busquei o meu gesto de

posse e devolução.

Trouxe o meu beijo temperado

no salamargo de suas águas.

Trouxe tesouros sepultos

nas covas do coração.

Com o mar aprendi meu modo

de caravela: meus dedos

são filamentos que machucam

sem querer, que ferem

sem ter por quê.

Trouxe caracóis que se (con)fundiram

com os caminhos labirínticos que trilhei.

Louros, nunca os tive,

exceto algas em meus cabelos.

Arrebatado por navios fantasmas

conheci várias e inefáveis dimensões.

Nadei contra as correntes marinhas,

mas a elas cansado me entreguei,

despojado da púrpura e do cetro

com que havia lutado.

Trouxe do mar as conchas ilusórias

     – multiformes e multicores –

com que minha vida enfeitei.

Mas sobretudo trouxe a vida

na alegria das chegadas

e na tristeza das despedidas.

Nota: acabo de receber [25/02/2024, às 11:22 h] o seguinte comentário, rimado e metrificado, do grande poeta cordelista JOAMES:

O mar cedeu, espontâneo,

Procelas e calmarias,

As Sereias a cantarem

Tentadoras sinfonias,

Ondas, neblina e orvalho

Para que Elmar Carvalho 

Transformasse em poesias.

(Joames).

quinta-feira, 22 de fevereiro de 2024

BREVE CRONOLOGIA DE CARLOS SAID

Charge da autoria de Gervásio Castro

´


BREVE CRONOLOGIA DE CARLOS SAID


Elmar Carvalho

 

Fui visitar o amigo Carlos Said, para lhe entregar o meu opúsculo PoeMitos da Parnaíba e para conversar um pouco com ele. Aproveitei para anotar algumas coisas a seu respeito, uma vez que conheço bem a sua notável biografia. Tive a honra de ter o meu livro O Pé e a Bola, sobre o futebol campomaiorense e parnaibano, prefaciado por ele. Por diversas vezes, tenho sido distinguido com comentários seus sobre a minha poesia.

 

Nasceu em Teresina, em 14.01.31. É quase, pois, um oitentão. Formou-se em Direito, Filosofia e em Geografia e História. É jornalista esportivo desde 1943, quando tinha apenas doze anos de idade. Foi professor de Geografia e História em quase todos os colégios da capital. Exerceu o magistério na Faculdade de Filosofia (FAFI) e na Universidade Federal do Piauí. Nesta, por falta de professores em seu início, lecionou várias disciplinas, em virtude de sua cultural geral.

 

No tempo em que a rádio Pioneira ficava no ar durante 24 anos horas, cunhou o slogan “a emissora que não para”. Quando, em serviço de reportagem, em 02.03.64, sofreu um acidente, reza a lenda que ele próprio narrou o episódio. Por esse fato e talvez por causa de sua natureza resistente e quase incansável, surgiu o seu epíteto de Magro de Aço, a que eu acrescentaria as palavras inoxidável e inolvidável, caso o apelido original já não fosse demasiadamente forte.

 

Em 1948, ingressou na rádio Difusora, a mais antiga de Teresina, como narrador e comentarista de futebol. Em 1958, fundou a Associação dos Cronistas Desportivos do Estado do Piauí (APCDEP), tendo sido o seu primeiro presidente. Em 1º de março de 1946, juntamente com outros colegas do Colégio Leão XIII, dirigido pelos professores Moaci Ribeiro Madeira Campos e Antilhon Ribeiro Soares, fundou o River Plate Club, em homenagem ao time homônimo da Argentina, porém teve que modificar seus estatutos, pois o autoritário presidente da Confederação Piauiense de Futebol, Raimundo Ney Baumann, que foi titular da Delegacia Regional do Trabalho e interventor de Campo Maior, não aceitava nomes estrangeiros, pelo que a agremiação futebolística passou a denominar-se River Atlético Clube.

 

De 1946 a 1951 foi titular ou 1º reserva, na posição de golquíper riverino. Nos anos de 52, 53 e 54 foi campeão piauiense pelo River, na condição de goleiro titular absoluto. A partir de 1955 até a data do acidente (02.03.64) continuou a jogar no RAC, mas só atuando quando convocado.

 

Casou no dia 14.07.56, com a senhora Rochelene, barrense, das família Fernandes e Fortes, com quem teve cinco filhos (duas mulheres e três homens). Dois deles, Fernando e Gustavo, lhe seguiram os passos no jornalismo e no magistério universitário. Em plena lua de mel, mais precisamente um dia após o casamento, foi defender a meta do River, na decisão do campeonato de aspirantes, em que esse time se sagrou campeão invicto.

 

Em 1955, foi fazer, em Fortaleza, a cobertura de dois jogos em que o River enfrentaria as equipes do Calouros do Ar, no sábado, e do Ferroviário, no domingo. Na primeira partida, os dois goleiros do River, Afonso e Xavante, não puderam jogar, pelo motivo prosaico de que estavam acometidos de uma forte diarreia. Diante dessa situação, Carlos Said foi convidado a defender a equipe do Galo, e o fez com tanta garra e brilhantismo, que sua atuação foi comparada ao discurso inflamado, entusiástico e arrebatado do integralista Plínio Salgado, também de compleição franzina, que então se encontrava na capital alencarina.

 

Foi diretor de jornalismo e esporte da Rádio Pioneira, fundada pelo arcebispo Dom Avelar Brandão Vilela, em 08.09.62. Iniciou sua atividade de comentarista esportivo de televisão, em 1992, na emissora Antena 10. Atualmente, exerce essa atividade na TV Cidade Verde. Tem coluna no jornal Meio Norte, na qual escreve sobre história, literatura e esporte. Continua em atividade na rádio Pioneira. Foi comunicador social da Previdência Social no Piauí durante quarenta anos.  

 

Na década de 70, nas transmissões esportivas, Carlos Said e Dídimo de Castro reinavam absolutos, o primeiro com seus comentários judiciosos, e o segundo, como narrador. Geralmente, suas previsões analíticas se concretizavam, tanto que muitos técnicos o ouviam, e seguiam as “sugestões” radiofônicas de suas análises. Várias palavras, consideradas “bonitas” e “difíceis”, com que ele enfeitava seus comentários, com certa dose de humor, como energúmeno, apedeuta, pacóvio, bilinguinguim do inferno, etc., se transformavam em verdadeiros bordões, repetidos por todos os ouvintes.

 

Gostava de usar a expressão “raios me partam”, se determinada situação não acontecesse. Um amigo meu, ouvinte dele, amiúde a usava; porém, cautelosamente,  trocava o pronome “me” por “te”, pelo que nada sofreria se as coisas dessem errado.

 

O Carlos Said continua a ser, quase oitentão, o mesmo homem incansável e inquieto de sempre, de forma que permanece sendo o eterno Magro de Aço – aço inoxidável e inolvidável, porque ele deixou de ser apenas professor de História para entrar na História, pelos serviços que tem prestado ao jornalismo, à cultura, à historiografia e à literatura do Piauí.

10 de julho de 2010

domingo, 18 de fevereiro de 2024

PAISAGEM MARINHA

Fonte: Google

 

PAISAGEM MARINHA


Elmar Carvalho

 

        Fecho os olhos

e encosto a concha do búzio

            na concha de minha orelha

e escuto o ritmo frenético

                                    do mar

ou lhe ouço o rouco ronco rolado

            de ondas paradas.

Fecho os olhos e escuto

                                    a voz do búzio

e de dentro de sua concha

de cornucópia surgem

ondas, espumas e areias,

peixes, corais e caracóis,

alados cavalos-marinhos

e estrelas-do-mar e do ar

em galáxias de a(r)mar.

            (Meu coração

marinho sonha com sereias,

ilhas, coqueiros e veleiros.)

      De dentro

da concha do búzio

    sai um vento

recendente de maresia

    que me

leva/lava/lavra

como se eu fora um

      fruto do mar.

terça-feira, 13 de fevereiro de 2024

Duas Conversas WhatsAppianas

Elmar Carvalho, Batista Rios e Carlos Dias

Marcelino Carvalho, Nílson Ferreira, Jessé Barbosa e Ricardo Arraes



Duas Conversas WhatsAppianas

 

Elmar Carvalho

 

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O amigo Batista Luzardo, que foi meu colega no Curso de Direito na UFPI, quando eu, brincando, o chamava de caudilho, em alusão a seu homônimo gaúcho, me mandou uma postagem de texto, da autoria de Valmir Pontes Filho, titulado “As sobras do que já fui”, que assim começa: “Houve um tempo em que tinha plena saúde, soma razoável de dinheiro na conta, fôlego para jogar um “racha” na praia (meu time se chamava “Maré Baixa”), cabelo farto e preto e outras coisas mais que...” Isso me fez lembrar as sombras que hoje sou.

Por oportuno, lhe mandei uma foto minha de quase 15 anos atrás, em que apareço ao lado dos amigos João Batista Rios e Carlos Dias, todos já aposentados, quando participávamos do XXVIII Encontro de Magistrados do Piauí, que aconteceu no período de 5 a 8 de março de 2009.

Em minha resposta lhe disse que já tivera vastos, fartos e bastos cabelos, que farfalhavam ao vento, quando eu cavalgava a minha moto uivante. Acrescentei que, na época da foto, eu era bonito e não sabia, tendo ele me respondido: “Muito bem! É a vida… Você só exagerou no “bonito e não sabia”. Mas, claro, como dizia Einstein, “tudo é relativo” e, dependendo da referência, né? Kkkkk”. De imediato retruquei que havia controvérsia; que as ninfas não concordariam com ele.

Ademais, resolvi filosofar sobre o tempo, em minha resposta: “Tempo, tempo, tempo. Já não tenho tempo para perder tempo. O tempo é misterioso, inefável e, praticamente, imperceptível, exceto pelas marcas de luz e sombra que deixa, assim como por outros sinais, como rugas e distâncias percorridas. Mas é também um grande juiz e um grande professor. Mesmo considerado inexorável, pode ser modificado ante diferentes forças de gravidade, como preconiza a teoria da relatividade.” Diante da gravidade ou da velocidade, o tempo pode ser mais lento ou mais fugaz.


Encaixei dois versos de minha autoria, referentes às perdas, que vamos acumulando ao longo de nossa vida, com os quais encerro esta parte de minha crônica: [recordações] “de amigos mortos / que nos acompanham / cada vez mais vivos”, extraídos do poema Eterno Retorno, e mais estes, de Elegias Inominadas (III): “Já não tenho epitáfios / para tantas lápides / em meu peito”.

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Mestre Nílson Ferreira me disse, por WhatsApp, que minha ausência, na sexta-feira, numa reunião, em que estavam presentes, além dele, os professores Marcelino Carvalho, Jessé Barbosa e Ricardo Arraes, no Café Viena, havia sido “notorial”. Exagero noves fora, respondi: “Os ilustres presentes ofuscariam minha pálida presença”, tendo ele me respondido que eu era benquisto por todos e era um orgulho da Confraria Camões. Em tom de blague, retruquei que, a despeito do que alegara, “as luzes dos astros luminosos me iluminariam, e eu seria, pelo menos, um asteroide iluminado”.

O notável professor de História da UFPI, professor Ricardo Arraes, redarguiu, em postagem no grupo da Confraria: “Não deprecie sua fulgurante luz. No próximo encontro nos dê a honra de sua presença.” Outrora, eu perdia um amigo, mas não perdia a brincadeira; hoje, jamais eu me arriscaria a perder um amigo; prefiro perder a verve, a blague, por mais interessante ou engraçada que pudesse ser. Mesmo assim, respondi-lhe com a tinta da galhofa machadiana, ao dizer que era apenas uma luzinha de vaga-lume, já sem bateria. Acrescentei que o vaga-lume de minha resposta me fizera lembrar deste primoroso soneto de Machado de Assis:



“Círculo Vicioso



Bailando no ar, gemia inquieto vaga-lume:

— “Quem me dera que fosse aquela loura estrela,

Que arde no eterno azul, como uma eterna vela!”

Mas a estrela, fitando a lua, com ciúme:



— “Pudesse eu copiar o transparente lume,

Que, da grega coluna à gótica janela,

Contemplou, suspirosa, a fronte amada e bela!”

Mas a lua, fitando o sol, com azedume:



— “Mísera! tivesse eu aquela enorme, aquela

Claridade imortal, que toda a luz resume!”

Mas o sol, inclinando a rútila capela:



— “Pesa-me esta brilhante auréola de nume…

Enfara-me esta azul e desmedida umbela…

Por que não nasci eu um simples vaga-lume?””



Por fim, teci este brevíssimo comentário ao poema acima transcrito: “Excelente poema do Bruxo do Cosme Velho, que parece sintetizar a insatisfação humana. O soneto machadiano resume a eterna busca do ser humano, sempre insatisfeito. O homem percorre o mundo em busca do pássaro azul da felicidade, para descobrir, depois de velho e alquebrado, que ele estava no quintal de sua casa.”

domingo, 11 de fevereiro de 2024

SOU POETA

Fonte: Google

 

SOU POETA


Elmar Carvalho

 

Também sou poeta,

Alcides Pinto,

sou poeta.

E estou de mal com a vida

que nos acena

com miragens

que jamais irá cumprir.

Sou poeta, Alcides Pinto,

nunca neguei, sou poeta.

Mas sou puto com a vida,

megera encarquilhada

que nos acorda dos sonhos

que sonhamos acordados

pelo prazer de ser ma’drasta.

Sou um poeta

da vida, das putas,

das lavadeiras, dos ladrões,

dos assassinos, dos botequins

de cachaça, das (in)confidências

mineiras, dos deserdados da sorte,

dos enteados da vida.

Sou um poeta

das putas

mas não sou pu(e)ta

dos políticos

que tanto mentem

pro povo

que tanto enganam

o povo.

Não sei de

            física.

Não sei de

            metafísica.

Sei de

            metabolismo basal

e sei que o povo

passa fome.

Sei que

algum dia o

te’ar’pão

virá tecido no (te)ar

pelo arpão do povo

e pão haverá.

Sei que

alguma coisa está errada

porque o povo era pra ser

tudo

e agora não é nada.

Sei que

existem pássaro e flor

e sei

que o amor existe:

mas pássaro é canto, é liberdade,

e flor é vida, é alegria,

e o amor é tudo

mas tudo

está morto e triste

como uma catacumba

encravada

nas masmorras do inferno.

Quero

aproveitar a oportunidade

para comunicar a quem interessar

possa ou não, e deixar registrado

           – ad infinitum –

com certidão passada em cartório

que o sofrimento do povo me deixa

triste e me incomoda, e que

– saibam todos – no dia em que eu

disser o contráriooirártnoc

nesse dia – por medo – estarei

mentindo (e por favor não me

acreditem/creditem)

ou então

me terão feito

uma lavagem cerebral.

Sou poeta,

Alcides Pinto, sou poeta,

juro que sou poeta.