domingo, 30 de abril de 2023

Egocentrismo

 

Fonte: Google

EGOCENTRISMO


Elmar Carvalho

 

Eu sou um homem,

diante do qual,

curvo como um

servo capacho,

eu tiro meu chapéu,

que nem sequer tenho.

Eu vendo minha

imagem refletida

no espelho não mágico

de meu quarto,

curvo-me a mim mesmo,

como um eunuco do harém

perante o sultão.

E aquela imagem,

curva ante mim,

é minha maior homenagem

que me presto.

Eu me aproximo

do espelho,

até que minha imagem egocêntrica

seja projetada no infinito.

(Poema dos anos 1970)

sábado, 29 de abril de 2023

sexta-feira, 28 de abril de 2023

El mar


 

ERROS NÃO SÃO ATRIBUTOS DIVINOS


 

ERROS NÃO SÃO ATRIBUTOS DIVINOS


Antônio Francisco Sousa – Auditor-Fiscal (afcsousa01@hotmail.com)

 

            Diria, tentando não ser demagogo ou hipócrita, que não me tem abalado a fé, a confiança, muito menos a religiosidade em relação às coisas divinas e misteriosas, essa repentina e absurda irrupção de erudição que tentam despejar aos olhos e ouvidos de todos, e não apenas dos lhes dão incomensurável crédito,  neófitos doutores, teólogos, metafísicos de plantão, quase semideuses, que se põem ou se propõem a dissecar, interpretar e, por conseguinte, recomendar, como se verdades insofismáveis ou incontestáveis fossem, obscuros pontos de vista, toscas opiniões, obtidos de pares ou parceiros tão magnânimos e sapientes quanto eles, ou catados em escaninhos eivados de ficção e asnices, encontrados aos montes em espaços como redes sociais particulares ou na parte mais rasa da rede mundial de computadores, ou nichos similares. Compilações de informações fajutas ou deletérias são fontes de que se abastecem esses iluminados em suas elucubrações divagantes.

            Não consigo atribuir seriedade ou racionalidade às previsões, otimistas ou catastróficas, dispensadas, seja em espaços virtuais, na imprensa, seja em conversas públicas ou privadas, por profetas midiáticos que, em busca de prestígio imediato, mais que prestar um serviço de utilidade incontestável, travestem-se de videntes, quiromantes, magos, enfim, visionários, pouco se preocupando se o fruto de suas quiromancias, vidências ou visões servirão ou se prestarão a desestabilizar as emoções mais sensíveis de indivíduos que se deixam influenciar, facilmente, por conhecimentos ou informações provenientes de fontes, às quais não se metem a criticar, tampouco questionar a veracidade ou validade.

            Criminosos não poderiam ser considerados – Hitler teria começado mais ou menos assim: dentre outras sandices, tentando vender a ilusão de que pretendia estabelecer um mundo perfeito para o povo alemão, ele que nem germano era, quando, na verdade, o que desejava era subjugá-los, moral, ética e, socialmente, o que conseguiu, com certa facilidade, por algum tempo – indivíduos que, em vez de opiniões, não raro, manifestam, expõem afirmações que gostariam de ver tratadas como fatos científicos, não meras insinuações, que, por sua vez, induzem mentes mais incautas, menos céticas, acríticas, a partir das depreensões que delas absorvem, a tomar rumos ou decidirem em desacordo com a lógica mais racional; esses que expelem bobagens, vitupérios e ignomínias que chegam a funcionar como uma forma eficiente de lavagem cerebral, notadamente, para os tipos mais despreparados existencial, intelectual e/ou, culturalmente?

            Que dizer de esses seres divinizados – que não creem em deuses, logo, quem acreditaria que não gostariam de ser havidos ou considerados uma entidade superior às demais?  - que, quando, temporariamente, se humanizam, transformam-se em anjos caídos e, como tal, absorvem o que seria o pior aspecto da fragilidade do homem: a bestialidade, a irracionalidade; porém, vivenciada essa experiência, logo reassumem sua condição de deuses, quando, então, esperam que não lhes seja impingida qualquer culpa, nem cobrada, pelos mortais comuns, nenhuma desculpa ou justificativa, por conta das atrocidades cometidas contra inocentes indefesos, enquanto travestidos de indivíduos falíveis, essencialmente, homens? Deuses, seres divinos, iluminados, se erram, certamente, não podem nem devem tentar justificar-se, tampouco, esconder-se sob forma de figuras falíveis; mas isso, simplesmente, não acontece: erros não são atributos dos deuses; nós somente relevamos erros cometidos por toleirões que até gostariam de ser confundidos com entes divinos, inatacáveis, inquestionáveis, porque acreditamos que errar é uma imanência humana.    

quarta-feira, 26 de abril de 2023

Nasci feio mesmo assim

Os Mutantes    Fonte: Google


Nasci feio mesmo assim


Jonas Filho Fontenele de Carvalho 


Nasci feio mesmo assim,

Logo cedo perdi mãe e fiquei errante,

Nordestino, sangue nada fino, resolvi encarar o mundo.

São Paulo logo me encantou, novidades eram tantas.

Trabalhei de um tudo moço, passei por momentos ruins

Chorei, sofri, mas resisti, encarei a luta feito mutante

Tudo aparecia veloz demais, ditadura, drogas, modas, resistência

E eu? Perdido no meio daquilo tudo a me triturar, torturar

Nasci feio mesmo assim.

Meus amigos curtindo Gal, Caetano, Mutantes, Gil

E eu ouvindo sem saber mesmo por que, James Brow e Odair José.

Tempos brutos exigiam respostas duras,

viver era preciso, navegar não.

Sem entender o porquê, o turbilhão passou,

 se foi, não entendi nada.

Hoje, não sei se já maduro, por vezes me pego matutando

pensando nas coisas que vivi, que sofri, que resisti

hoje sorrio um sorriso todo meu, conquistado no ferro e na brasa

e a vida passa despreocupada ao largo de mim

e eu moço? Não sei de nada, só sei que nasci feio mesmo assim

segunda-feira, 24 de abril de 2023

CRÔNICA OU CONTO?

 

Fonte: Google

CRÔNICA OU CONTO?

 

Elmar Carvalho

 

Disse-lhe Jesus: Porque me viste, Tomé, creste; bem-aventurados os que não viram e creram. (João 20:29)

 

Todo aquele que olha para uma mulher com desejo libidinoso já cometeu adultério com ela em seu coração (Mt 5:28)

 

Na sexta-feira passada, feriado nacional, minha mulher resolveu lavar nossa casa na zona rural de Teresina. Para isso contratou uma moça da redondeza e levamos o Mundico, que costuma fazer serviços de conservação e conserto em nossa casa da cidade, há vários anos. Ele presta esses serviços para nossos vizinhos, de modo que é pessoa de nossa amizade e confiança.

 

À boca da noite, resolvemos tomar umas talagadas de uma boa calibrina com caju. Ele tentou ler o rótulo da garrafa, mas não o conseguiu, seja por causa de certa deficiência visual ou provavelmente por causa de sua condição de (quase) analfabeto, de modo que eu tive que ler para ele o nome da cachaça, por sinal fabricada em Inhuma.

 

Após algumas doses, a seu pedido, passamos a tomar cerveja. Quando terminou o Jornal Nacional, minha mulher veio até onde nós estávamos, uma área interligada à varanda, a que dei o nome de Pasárgada, em homenagem a Manuel Bandeira e a seu famoso poema. Entre séria e meio na brincadeira, ela disse que o Mundico já estava ficando meio “melado”, uma vez que a sua língua já estaria meio embolada. Mundico sorriu e disse que não, que ainda estava “bonzinho”. Pouco depois, minha mulher deixou o recinto e foi para o quarto, assistir a algum programa de TV.

 

Conversamos sobre assuntos diversos, porém banais, do cotidiano, e sobre algumas passagens de nossas vidas. Uma ou duas cervejas depois, algo estranho aconteceu. Em dado momento, ao falar de um conhecido que já dera muitas cabeçadas na vida, eu disse que o pai de todos os pecados seria o egoísmo, por razões que não expliquei. O Mundico, então, com toda autoridade, convicção e firmeza, contudo sem arrogância ou empáfia, me retrucou que era o desejo. A voz, a fluência da fala, o tom de autoridade, me deram a certeza ou pelo menos a convicção de que eu não estava mais falando com o meu amigo, pessoa simples e humilde, embora inteligente em suas poucas letras.

 

Respondi a esse questionamento, arguindo que o egoísmo poderia gerar desejos pecaminosos. A suposta entidade não respondeu, como se tivesse plena certeza do que falara ou como se não desejasse discussão e polêmica. Todavia, depois me lembrei que Jesus nos alertara sobre as ciladas do desejo; que um simples olhar malicioso para a mulher do próximo já seria um adultério. Aduzi que o pecado começara com a Queda do homem, mas sem mencionar os nomes de Adão ou Eva, ou o chamado pecado original, e tampouco sem fazer referência ao episódio bíblico da árvore do conhecimento ou do fruto proibido do Jardim do Éden. Sem também citar essas palavras ou expressões, me respondeu, com muita autoridade, que o pecado já existia antes da Queda.

 

Fiquei arrepiado, com uma espécie de calafrio e, não devo negar, me veio um certo sobrosso. Fiz uma breve oração, e pedi a Deus que me desse coragem, inspiração e inteligência para enfrentar aquela entidade, seja lá quem ela fosse. Redargui que Nosso Senhor Jesus Cristo é quem estava no princípio, como o Verbo, por meio de quem Deus criara o tempo e o espaço, ou seja, o Universo. O espírito que falava através do Mundico insistiu que o pecado já existia antes da Queda, antes de o homem perder a imortalidade. Concordei que sim, que antes do homem existira a Rebelião dos Anjos. Mas não usei a palavra Satanás ou diabo; nem ele, tampouco.

 

Notando a fluência, o grau de aparente certeza, a correção das frases e a argúcia do raciocínio, e sobretudo a autoridade como ele falava, sem titubeios e sem hesitações, como se tivesse sido testemunha de tudo, fiquei temeroso, mas tentei me dominar, e olhei atentamente para o Mundico. E vi que suas feições estavam mudadas. Ele era um caboclo, descendente de negro e índio, mas naquele instante estava mais claro e com as feições de um homem branco, como se estivesse transfigurado. Retirei a vista dele. Mas quando olhei novamente, vi que ele estava voltando a tomar novamente as feições do velho amigo Mundico. Ainda com certo sobrosso, resolvi encerrar a libação e deixei o recinto.

 

No dia seguinte, fiz as minhas orações costumeiras. Li, como diariamente o faço, a Bíblia e uns livros de edificação e fortalecimento espiritual e moral. Refleti sobre o que narrei acima. Tomei a deliberação de nada comentar. Cheguei tarde ao recinto onde se encontravam minha mulher, minha filha e seu namorado, que acabavam de chegar. O Mundico fazia alguns serviços, que minha mulher lhe determinara, e respondeu ao meu cumprimento com a sua simplicidade, alegria e humildade de sempre. Depois, conversei com ele, mas ele aparentava não se lembrar de nenhum dos episódios acima narrados. Estava com o seu modo jovial e prazenteiro de sempre.

 

Um espírita vai achar, certamente, que um espírito se apossou do meu amigo, para travar a conversa que teve comigo. Um cético poderá argumentar que ele tinha conhecimentos bíblicos e teologais ocultos, que lhe afloraram com a bebida, como um desdobramento de sua personalidade simples e de pouca instrução, muito menos detentora de conhecimentos teologais. Outros poderão dizer que eu tive uma espécie de visão ou um breve sonho. E eu não direi nada, exceto que procurei ser fiel ao que acho que de fato testemunhei, em estado de vigília.

 

Se eu desejasse enriquecer o meu texto, poderia ter incrementado o meu diálogo com a suposta entidade, lhe fazendo perguntas de alta profundidade teologal sobre a natureza de Deus, sobre seus atributos, sobre como se explicaria a eternidade, sobre a concepção e ressurreição de Jesus, sobre a sua transfiguração, ou simplesmente lhe perguntaria se o Big-Bang teria mesmo existido, e o que ou quem estava por trás ou antes da explosão do átomo primordial. Mas não quis dar a esse diálogo um tom de confronto ou de mera curiosidade humana.

 

Como nos últimos meses vinha orando para que Deus aumentasse a minha Fé, prefiro pensar, mesmo incorrendo em erro, que esse (suposto) espírito era simplesmente o meu anjo da guarda, que de forma discreta, sutil, se revelou a mim, para que a minha Fé fosse aumentada.

 

Aos incrédulos, direi, invocando o ditado espanhol: “Yo no creo em brujas, pero que las hay, las hay.”          

 

domingo, 23 de abril de 2023

Cruviana

Fonte: Google

 

Cruviana

 

Sousa Filho

 

No arquejar da noite, o frio aumenta.

Meus instintos afloram intensos, sim.

A cruviana me persegue dentro de mim.

Minha pele sente a frieza que atormenta.

A procela insiste; não se cala, não.

Sem fim, ela perdura; resiste, teima.

Mantém esse gelo que arde muito; queima.

Maltrata , humilha, o meu coração.

Então, que cesse o gelo que há em mim.

Quiçá cesse  também o gelo teu.

Que eu fale pra ti tudo que sinto.

Que possa novamente voltar a ser seu.

Que tu reflitas! vês que não minto!

Para que que não haja entre nós,  o fim.

quinta-feira, 20 de abril de 2023

OS BONS COMBATES DE LADISLAU

Igreja matriz de Esperantina    Fonte: Google

                         

OS BONS COMBATES DE LADISLAU


Elmar Carvalho


Quando eu caminhava pelas calçadas da Frei Serafim, perto do HGV, deparei-me com o padre Ladislau João da Silva, meu conhecido há várias décadas. Assisti à sua ordenação, na vetusta catedral de N. S. das Graças. Foi ainda no tempo de Dom Paulo Hipólito de Sousa Libório, que fora professor do Colégio Diocesano, em Teresina, no tempo em que meu pai ali estudou, nos idos de 1940.

Dom Paulo, com a sua mitra e seu báculo, dirigiu a ordenação. Lembro-me do momento em que padre Ladislau se prostrou e se estendeu no solo, como ordena o ritual católico. Pouco depois, no final de 1979 ou em 1980, foi ser o vigário de Esperantina, onde desenvolveu um grande trabalho de cunho social, de conscientização política e de  estímulo à cidadania, o que terminou desagradando os poderosos e políticos conservadores do lugar.

Talvez nos últimos meses do primeiro semestre de 1981, o referido sacerdote foi espancado por um latifundiário de Esperantina (ou por pessoa a mando deste). O proprietário se sentia, pelo visto, incomodado com as pregações e com as campanhas de conscientização política do padre, que inclusive organizara, por ocasião das comemorações do 7 de Setembro, uma passeata com trabalhadores a carregar seus instrumentos de trabalho, como foices, enxadas, machados, etc.

Suponho que o latifundiário e outros graúdos de Esperantina se sentiram irracionalmente ameaçados, daí por que o vigário sofreu a agressão física, fato que obteve alguma repercussão na mídia estadual, embora não tanto como merecia. Por essa razão, embora o Jornal Inovação não dispusesse de estrutura, eu e o Reginaldo Costa resolvemos ir a Esperantina, bem distante de Parnaíba, para entrevistá-lo.

No auge de nossa juventude e de nossa saudável boêmia e “irresponsabilidade”, seguimos pela manhã, em minha motocicleta, parando em quase todos os botecos de beira de estrada para tomarmos uma “calibrina” e batermos um papo. Chegando à cidade de Batalha, já nas proximidades de nosso destino, nos demoramos um pouco, em um bar, e entramos numa inconsequente discussão sobre quem era maior: se Chico Buarque ou se Ivan Lins. Eu defendia o primeiro, ele, o segundo. Alguns anos atrás, o Reginaldo terminou me confessando haver revisto a sua opinião musical.

Fizemos uma longa e bela entrevista, publicada com todo destaque na edição de nº 37, junho/julho de 1981, do Inovação, inclusive como Suplemento Especial, com direito a capa ilustrada e tudo mais. A viagem em si e a conversa com o entrevistado me renderam o poema “7 de Setembro”, que lhe dediquei; foi publicado na mesma edição da entrevista.

Muitos anos depois, aproximadamente na virada do milênio, encontrei esse sacerdote como superintendente do INCRA no Piauí, quando estive nessa repartição para fazer uma consulta sobre questão fundiária. Hoje, padre Ladislau é o coordenador institucional do Programa Brasil Alfabetizado e EJA-PI.

14 de maio de 2010

quarta-feira, 19 de abril de 2023

segunda-feira, 17 de abril de 2023

Mimos de aniversário




Mimos de aniversário

Elmar Carvalho

Na véspera de meu aniversário, minha mulher disse que desejaria conhecer o Restaurante Faustino, situado na beira do Igaraçu, nas imediações do antigo Bar do Cornélio. Foram conosco, à boca da noite, o Felipe Macedo, minha filha Elmara, Simone, sobrinha de minha esposa, e, claro, eu e a Fátima. Adrede convidado pela Fátima, apareceu no Faustino o Francié (Francierton) Vasconcelos, marido da Auricélia, sobrinha de minha mulher, que não pôde comparecer.

Após feitos os pedidos, fui surpreendido com um bolo de aniversário e um prato com uma iguaria com decoração temática. Só então fiquei sabendo que era a comemoração antecipada de meu aniversário. O cantor e compositor Teófilo Lima, artista parnaibano de minha admiração, anunciou o meu aniversário, disse umas palavras simpáticas de acolhimento, e interpretou, com belo arranjo de sua autoria, duas canções comemorativas de aniversário, sendo uma delas a tradicional “Parabéns pra você”. As pessoas próximas, em gesto de cortesia, cantaram e acompanharam as salvas de palmas.

O Teófilo continuou a interpretar clássicos da MPB, ao tempo em que intercalava belas canções de sua autoria, algumas delas exaltando a linda paisagem parnaibana. Ele compôs uma excelente melodia, com letra que é na verdade um criativo e belo poema, em que a deslumbrante praia de Pedra do Sal é exaltada. Antes de ir embora, autografei meu opúsculo O Poeta e seu Labirinto e entreguei ao Teófilo, oportunidade em que lhe disse, brincando: “Não podendo eu ser diretamente amigo de Deus, sou amigo do Teófilo, cujo nome significa amigo de Deus.”

Em vários grupos de WhatsApp, uns bons amigos se referiram à minha data natalícia, tendo eu respondido a todos. O acadêmico Jônathas Nunes, professor da UFPI e que já exerceu importantes cargos públicos, inclusive o de reitor da Universidade Estadual e o de deputado federal, costuma brindar seus colegas da Academia Piauiense de Letras com criativos e bem-humorados poemas, por ocasião de seus aniversários natalícios. Ele postou o mimo abaixo, que muito me desvaneceu:

S A L V E!

 

É noite de Preamar!

Bom Dia Comandante Elmar!

Das Letras no oceano,

Seu NOTURNO DE OEIRAS,

Alcança o Brasil inteiro!

Tem o mais forte lampejo

Deste Piauí sertanejo!

Nada importa, pouco importa,

Se o NOTÍVAGO DE OEIRAS,

Amante de uma balada,

Sonhando com uma donzela,

Caminhe sem encontrar nada!    

Minha filha Elmara Cristina fez uma bela arte para esse criativo e epigramático poema, como um corolário a esta singela, contudo magnífica homenagem, que o professor e confrade Jônathas Nunes, em sua generosidade, me prestou.  

domingo, 16 de abril de 2023

Seleta Piauiense - Rodrigo M Leite

Fonte: Google

 

aparição


Rodrigo M Leite (1989)

  

quando hemisférico

Pajé rompeu o horizonte da praça,

emaranhados de capim seco não rolaram

o vento, áspera música em desalinho

não ficou mais forte quente frio

nem houve chuva sol intempérie qualquer

 

(os morcegos já habitavam outra praça)

 

dois garis alaranjados varriam copos descartáveis

da calçada do Rex, quando Pajé

manquitolando indiferente, desapareceu

Rua Senador Teodoro Pacheco

abaixo

sexta-feira, 14 de abril de 2023

Ainda o caso do jumento

Fonte: Google

 

Ainda o caso do jumento

 

Elmar Carvalho

 

A republicação de minha crônica “O cavalo e o jumento”, em meu blog, cujo link enviei para meus contatos de WhatsApp, suscitou alguns comentários e relatos, que desejo compartilhar, de forma resumida, com meus poucos e bons leitores.

O amigo Dr. Lucídio Melo, perito da Polícia Civil do Piauí, me narrou que um seu irmão, ao dirigir por uma de nossas estradas, se deparou com um cavalo a lhe obstruir a passagem. De forma cuidadosa e bem devagar, tentou emparelhar o carro com o animal, quando de repente, de forma inopinada, o quadrúpede, espantado, desferiu um violento coice no carro, danificando-lhe o farol. Os cavalos, nessas situações, são imprevisíveis.

O Alcione Pessoa Lima, analista aposentado da Justiça Federal, meu colega no curso de Direito (UFPI), nos idos dos anos 1980, me relatou um caso acontecido com um amigo comum. Ia ele com esse bom amigo, em demanda de uma bucólica e pequena cidade interiorana, quando avistaram um bando de jumentos placidamente pastando à beira da estrada.

O seu companheiro de viagem argumentou que os jumentos viviam ociosos, às margens das estradas, provocando acidentes rodoviários. Em suma, morrendo e matando. O Alcione lhe ponderou que esses animais já haviam trabalhado muito em prol dos humanos, tanto transportando pessoas como cargas, ou puxando carroças e arados.

Acrescentou que as bicicletas, as motocicletas e outros veículos, lhes possibilitaram essa “aposentadoria”. Mesmo assim os jumentos estavam trabalhando, pois estavam desbastando o mato da beira das rodovias, cuja limpeza deveria o governo providenciar. No entanto, esse amigo desfrutava de uma polpuda aposentadoria remunerada, enquanto os jegues, mesmo abandonados pelos proprietários, continuavam a trabalhar, como visto, ao menos para se alimentar.

Outras duas histórias me foram contadas pelo Reginaldo Soares, amigo que fiz através da internet. Certo dia, em sua cidade, estava à porta de sua casa, quando viu que um automóvel se aproximou de um jegue, que pastava capim de burro, nascido quase milagrosamente por entre as pedras do calçamento. O motorista, de forma cuidadosa, buzinou e aproximou o veículo do bicho, que, como um verdadeiro e exemplar servidor municipal, limpava as ruas da cidade.

Talvez o jumento tenha se irritado com a buzina ou não tenha gostado de ser interrompido na degustação de seu repasto, mas o fato é que desfechou um certeiro e violento coice contra a frente do veículo. O Reginaldo se aproximou do carro, onde estavam o motorista e uma mulher, e lhes perguntou se eles perceberam a patada do asno. Sorrindo, eles responderam que sim, e seguiram em frente.

Vamos ao outro caso relatado pelo Reginaldo Soares, que é também compositor, instrumentista e escritor. Vinha um jumento, de forma acelerada, no encalço de uma jumenta no cio, quando atropelou um homem que ia, em sua bicicleta, para a sua repartição pública. O ciclista levou uma queda cinematográfica, mas que não lhe causou nenhum prejuízo à saúde.

O asno seguiu em frente, no encalço de seu objetivo. Contudo, o homem ficou revoltado, ressentido, talvez envergonhado, com o orgulho ferido, e disse que iria matar o animal, para isso se armando com uma grande faca. Porém, pessoas amigas o dissuadiram de sua vingança, ponderando-lhe que sua atitude não valia a pena, ainda mais que ele nada sofrera, exceto o vexame do tombo.

Normalmente um jumento é um animal muito dócil, paciente, podendo mesmo ser considerado a própria mansidão encarnada. Quase sempre nunca age de forma violenta ou apressada. Anda de forma lenta, sem nenhuma demonstração de pressa. Todavia, quando excitado, e já partindo para o coito, não mede distância e nem consequência para alcançar o seu objetivo, quando pode agir de forma aloprada e temerária.

Dessa forma, o acidente só aconteceu porque o ciclista foi, drummondianamente, uma “pedra no meio do caminho”. Ou seja, foi uma obstáculo, que ele teve de vencer, para atingir o seu alvo. Segundo o meu informante, o jumento, após atropelar sua vítima, consumou, uns cem metros depois, o seu desiderato.  

quinta-feira, 13 de abril de 2023

O CAVALO E O JUMENTO

Foto meramente ilustrativa  Fonte: Google

                          

O CAVALO E O JUMENTO


Elmar Carvalho


A nota de ontem, deste diário, fez-me lembrar dois casos acontecidos em viagem. No primeiro, ia eu para Capitão de Campos, quando, chegando perto de Cocal de Telha, avistei um esbelto cavalo, que atravessava pachorrentamente a estrada. Para apressá-lo, e desse modo livrá-lo de eventual acidente, buzinei.

O animal, que mais parecia um potro, apressou-se, mas num chouto saltitante e requebrado, jogando a cabeça e as crinas para um lado e outro, de forma moleca e faceira, o que me deu a nítida impressão de que ele estava a zombar de minha buzina e preocupação, que evidentemente julgou impertinentes, em sua avaliação cavalar. Galantemente desceu a rampa da estrada e sumiu na verdejante moita de mufumbo que havia.

O outro caso aconteceu com um taxista, meu conhecido. Vinha ele de uma longa viagem, em que fora buscar o carro, que lhe haviam furtado, quando, um pouco depois da cidade de Piracuruca, atropelou um jumento. Atordoado pelo susto e pelo sono, e talvez pelos “arrebites” que tomara, para se manter acordado, desceu para ver o estrago no veículo que recuperara do larápio. O prejuízo foi grande e o veículo ficou sem funcionar.

Ele, então, dirigiu-se ao jumento morto. Disse-lhe, dedo em riste, que estava pensando em lhe dar uns tiros; que ele, se não fosse um grande filho de uma égua, poderia estar vivo, e comendo os verdes capins da campina que ali havia; que poderia estar com os seus colegas e irmãos; que poderia estar a namorar sua jumenta predileta, mas que, imprudentemente, jumento burro que era, preferira vir para o asfalto, para provocar aquela desgraça.

Um motorista que parara, em solidariedade, o chamou à razão. Fez-lhe ver que o jumento já era defunto; que, mesmo que não estivesse morto, não entenderia aquela lengalenga. Por fim, concluiu dizendo que ele não poderia matar quem já estava morto. O taxista recobrou a razão, e encerrou sua verborrágica catilinária contra o jumento morto, réu e vítima da imputação que lhe fora feita, como se diz na linguagem forense. 

12 de maio de 2010

quarta-feira, 12 de abril de 2023

A inusitada tradição de furtar galinhas na Sexta-feira Santa

Fonte: Google


A inusitada tradição de furtar galinhas na Sexta-feira Santa


Fabrício Carvalho Amorim Leite (*)


Infelizmente, não roubei nenhuma galinha na Sexta-feira Santa deste ano. E nem nas últimas anteriores.

Explico: não pertencia ou pertenço a alguma gangue de ladrões de galinhas. Ao menos, profissional.

Esta confissão traz-me vergonha mais pelo sumiço das velhas tradições da Semana Santa, do que pela minha condição de ex - infrator dos códigos penal e civil.

Posso garantir que, há muito tempo, na minha Vila de Boa Esperança, os ladrões da Sexta-Feira da Paixão, dias antes, avisavam da visita especial da comitiva dos bufões.

O amigo Manoel, sempre pronto, fazia seu papel de sondagem dos melhores galinheiros com acessos mais fáceis e com galinhas rechonchudas.

E, ainda, no mesmo passo, dava o recado ao dono:

-Sexta-feira Santa passaremos aqui para buscar nossa galinhaça. - código dado.

Era tudo combinado. Brincadeira saudável. Troça. Uma prática cultural bem arraigada na época, mesmo com a incompreensão de hoje.

Tinha um certo lirismo no sentido da união humana — ou seja, uma tradição curiosa repleta de fantasia, galhofas e de consciência no valor dos pequenos momentos.

Havia, sim, um doce clima de expectativa e descontração.

Eram familiares, vizinhos e amigos pregando uma espécie de trote um nos outros. Nenhuma pessoa gritava pega-ladrão.

Os mais espertos, avisados da comitiva, cedinho, escondiam seus melhores galináceos dentro de casa.

À noite, galos velhos, frangos e galinhas moribundas eram os sacrificados no grande expurgo e banquete pagão.

Galinha d'angola e peru? Só se por extremo descuido do dono. Sorte grande para os ladrões. Muita festividade.

Lembro-me que, quando mais jovem, pratiquei o grave delito de levar um velho pato do terreiro de um vizinho.

Não peguei mordida do cachorro Tubarão e nem fui alvejado com o tiro de sal de sua soca-soca, pois Manoel, zeloso, tinha avisado antes ao dono do pato. Melhor.

E, como o grande mestre Jesus estava bastante ocupado em ressuscitar, fui perdoado em seguida. E o pato pagou o pato.

Destino selado: horas e horas de panela de pressão. Grátis é grátis. E, num forno a lenha, melhor.

Infelizmente, o grupo se extinguiu por obrigações familiares e de trabalho. Personalidades dignas do conto Ali Babá e os Quarenta Ladrões.

Hoje, cada um, com lembranças, risos e prantos, exalta o famoso “no meu tempo era assim”.

Bom ou ruim? Só o tempo dirá.

Bem, só sei da mudança dos costumes da velha Vila, com as primeiras casas de muros altos, câmeras e cercas elétricas.

Hoje em dia, reflito sobre os verdadeiros salteadores agindo com seriedade à solta, aproveitando-se do declínio da base social.

Pais, jovens e antigas tradições do mesmo modo se isolam nas telas. Muros das desconfianças. Tudo é desconfiança, comparando-se a nossa ancestral e fraterna brincadeira juvenil.

Hoje, existimos como galinhas presas nos galinheiros, cantando e rindo sob a traiçoeira impressão de segurança.

A zona rural? Sim. A bucólica zona rural.

Ainda atrai um certo cheiro de saudosismo. Porém, hoje, como alguns se orgulham: - é melhor comprar galeto ou frango de granja tratados.

Criar as cobiçadas galinhas caipiras, principais alvos da antiga brincadeira, também, está em desuso. Exige muita mão de obra e custos com ração, dizem alguns.

Felizmente, são as últimas fortalezas da extraordinária tradição. E, assim, acompanham o trajeto da vida. Ainda resistem.

Os costumes e tradições vão-se, pouco a pouco.

E, de madrugada, ouvirei mesmo o som mecânico e metálico do galo saído do smartphone de meu vizinho do muro alto.

Tempos idos ao cantinho da memória do saudosismo gostoso.

(*) Advogado e escritor.

segunda-feira, 10 de abril de 2023

A mulher que comia gatos

Fonte: Google


A mulher que comia gatos


Pádua Marques

Romancista, contista e cronista


Tudo que era gente na Guarita sabia e fazia vista grossa. E a coisa vinha de longe, de muito tempo atrás, desde quando eles chegaram em Parnaíba vindos do Ceará, naquele ano de 1942. Vinham com uma mão na frente e outra atrás. Era necessidade tamanha aquela de dona Inácia e Zé do Barro Duro. Filhos, seis, duas meninas e quatro meninos, dois deles, Ribamar e Sebastião, já crescidos e já apontando bigode e barba e engrossando a voz. 

Este Sebastião era fanho. Falava pouco e colocando a mão na boca porque as pessoas em Parnaíba ficavam mangando dele, assim uns olhando pra os outros. O outro, Ribamar, pegou um sestro de andar olhando pro chão vendo se encontrava alguma moeda. E de tanto andar nessa arrumação besta é que acabou ficando de miolo mole. Era um desgosto pra dona Inácia. Dos outros dois filhos homens, Florindo e Antônio, ainda meninos, a mãe nada podia reclamar. Eram acanhados, olhos tristes e sempre dentro de casa. Era dentro da casa de palha pra o terreiro e do terreiro pra dentro de casa e o fundo da rede.

As meninas, nem feias ou bonitas, Socorro e Maria do Carmo, eram de ficar ajudando dona Inácia nas lidas. Encher os potes, lavar os pratos ou alguma peça de roupa e no descanso, catar piolhos. Era acabar de fazer o trabalho de dentro de casa e lá estavam as duas junto da mãe a catar piolhos umas nas outras enquanto viam o movimento da rua pra cima e pra baixo, lá na linha do trem e no caminho da lagoa do Bebedouro. Vestidas de chita comprada lá no Antonio Thomaz e sempre descalças, as meninas eram de até se esconder quando viam gente de fora. 

Mas a família de João Barro Duro, um maranhense da região de Araioses, que atravessou o Piauí e foi ter no Crato, região do Ceará, onde conheceu Inácia, era marcada em toda a vizinhança da Guarita e do Bebedouro por uma coisa esquisita e que de vez em quando acontecia na cozinha na hora do almoço. Eles comiam gatos. Não era todo mundo que se dava com eles. Muitas pessoas até evitavam de passar na frente da casa. Outros se benziam fazendo o pelo sinal da cruz e batendo os beiços. E alguns vizinhos até já sabiam os sinais naquele dia que na casa se comeria um gato. 

Talvez por isso aquela gente era de andar com a cara enfiada entre as pernas, os filhos ignorantes e sujos, vestidos com roupas que dona Inácia era de andar pedindo nas casas dos ricos ali pelos lados do cassino e na rua Grande. Tudo isso porque João Barro Duro era duro pra arranjar um serviço nos Moraes, na Casa Inglesa ou naqueles armazéns nas redondezas. Ali não era pra seu bico, como ouviu certa vez de um conhecido dos Araioses e que andou se arranjando por lá porque sabia sair e entrar, era obediente, tinha estatura, assinava o nome e soube conversar com um grande lá de dentro. Que João Barro Duro trabalhasse naquilo que achasse.

Dona Inácia era mulher de pouca conversa, mas tinha a mão mais que ligeira pra agarrar e sangrar um gato. Era de quando puxada pela necessidade de colocar alguma coisa na panela, ficar marcando esse ou aquele animal dos vizinhos. Tinha uma força nas mãos que dava admiração. E com uma faca pequena e afiada, assim num esfregar de olho o serviço estava feito. Dali, com a água já fervendo numa panela de ferro em cima das trempes, era mais que ligeiro. Quando João Barro Duro chegava em casa e os meninos rodeavam a mãe, o almoço estava pronto e cada um ia recebendo o seu prato. 

Depois o serviço de lavar os pratos e a panela com um resto de caldo, esse era de uma das meninas, Maria do Carmo ou Socorro. E assim João Barro Duro, que um dia saiu das brenhas dos Araioses no rumo do Ceará, ia depois puxar no caibro a rede velha de meio pano e se deitar depois de ficar com a barriga cheia. Os meninos voltavam de onde vieram. Sebastião e Ribamar correndo atrás de calangos e de anuns que infestavam as cercas de melão de São Caetano. Os dois meninos pequenos, Florindo e Antônio, seguiam acompanhando e vendo toda aquela destreza dos irmãos. 

De tanto ouvir dizer que havia um padre ajudando as pessoas pobres de Parnaíba e que dava ajuda e até indicação de serviços nas casas dos ricos, dona Inácia um dia saiu da sua casa em meio de sol quente e foi bater na porta de padre Roberto Lopes, aquele que havia anos antes construído a igreja nos Campos. Foi com uma das meninas, Socorro. Chegou lá no meio da tarde e bateu palmas. Uma das irmãs do padre veio saber quem era e porque aquela incomodação justo na hora do seu cochilo. 

Mas dona Inácia, de onde estava e correndo os olhos por toda a casa do padre Roberto, deu de enxergar um gato muito grande e bonito dormindo perto de umas cadeiras lustradas. Oba, aquele ela não tinha! Aquele era dos birrudos. Dava um guisado e tanto. A tentação veio na frente. Ficou ali colocando na cabeça uma forma de agarrar o gato e sair mais que depressa enquanto a senhora não voltava lá de dentro com a resposta de que o sacerdote estava por vir. 

Aí dona Inácia ficou ali pisando um pé no outro e olhando pra dentro da sala. Deu um sinal pra que Socorro tomasse distância e fosse esperar mais adiante. E como fez noutras centenas de vezes na sua casa de terra e coberta de palha de carnaúba, de pouca mobília além das redes e do banco de pote e das trempes cobertas pela cinza, assim num feitiço, num jeito certeiro agarrou o gato e saiu ligeiro. Era como se caminhasse em cima das nuvens. Logo mais alcançou duas ruas lá na frente. Quando a dona da casa voltou, dona Inácia, Socorro e o gato de padre Roberto Lopes estavam era longe.

(Conto extraído do livro Os Três Degraus, de Pádua Marques, romancista, contista e cronista, membro da Academia Parnaibana de Letras e do Instituto Histórico, Geográfico e Genealógico de Parnaíba)

domingo, 9 de abril de 2023

Seleta Piauiense - Diego Mendes Sousa

Foto: Jairo Leocádio


AMOR À TERRA NATAL


Diego Mendes Sousa (1989)

 

É quando as chuvas

começam

nesta tarde

de outra geografia

citadina

que sinto as dormentes

saudades 

da minha terra:

 

Parnaíba,

para onde o rio corre

- sonoramente?

silente e calmo.  

terça-feira, 4 de abril de 2023

CATÁLOGO DE LIVROS

Joseli Magalhães   Fonte: Google


CATÁLOGO DE LIVROS


Valério Chaves

Desembargador aposentado do TJPI

 

 

O jovem professor, escritor e jurista Joseli Lima Magalhães, acaba de me enviar com dedicatória de 30 de março de 2023, 4 publicações versando sobre assuntos jurídicos, teses de doutorado em Direito, artigos relacionados ao direito processual civil, e em especial, uma coleção de 50 contos de autoria de seu pai e também escritor José Magalhães da Costa (in memoriam).

Tais publicações organizadas em forma livro, como esclarece Joseli em nota, fazem parte de coleção comemorativa aos 100 anos da Academia Piauiense de Letras, da qual Magalhães era integrante. Integram ainda a coletânea oito contos inéditos: A Seca; Ata de uma Partida de Buraco; Auto de Interrogatório do acusado José Aniceto; Receita para um Suicida; Sombra da Noite; Velha Caneta; Entre Irmãos e Reportagem da Matança da Onça.

Nas notas de rodapé, Joseli integrou no livro algumas curiosidades a respeito dos contos, registro do jeito de falar e vocabulário do caboclo nordestino, frases de efeito ou expressões populares cunhadas por Magalhães da Costa e seus personagens.

Não resta dúvida de que a iniciativa  do escritor Joseli Lima Magalhães de publicar, em forma de livro, uma coletânea dos 50 contos escritos pelo seu pai, é digna de aplausos porque Magalhães da Costa, de cuja amizade fui seduzido quando nos aproximou o difícil e delicado setor da Justiça Criminal de Teresina na década de 90, foi e ainda é considerado pela crítica especializada, um dos mais fecundos nomes do conto regionalista do Brasil, de vez que em mais de vinte anos de ofício literário, levantou em suas obras um retrato do ambiente rural do Piauí, usando uma linguagem direta, crua, da boca do povo,  deixando cristalina a exposição das várias histórias onde as personagens são nascidas num mundo de mistérios e encantos.

Da leitura atenta de seus contos, especialmente TRAQUINAGEM, lançada na APL em 1999, verifica-se tratar de um grande contador de histórias, uma espécie de continuador do projeto político-literário que deu origem à chamada fase heroica de 1922.

A diferença é que enquanto os modernistas de 22 procuravam escrever errado reproduzindo as incorreções gramaticais da fala popular, Magalhães da Costa soube libertar-se das convenções da linguagem (muito comum nos romancistas), e escreveu com simplicidade, sem ousadias formais.

 No conto “BRIGA DE MENINOS” extraído do livro TRAQUINAGEM o autor em uma narrativa em terceira pessoa e tendo como palco sua Piracuruca, da qual se dizia eterno namorado, impõe-se por um coloquial filtrado e pitoresco o sentido agudo e vivo de uma época, parecendo funcionar tudo como carga de humorismo. Não um humor da chalaça lusitana, mas um humor puro, bebido, por certo, das leituras dos grandes autores, tudo refletido na imagem do que chamou de “menino danisco e buliçoso”.

Como afirma nosso Assis Brasil referindo-se à obra de Magalhães da Costa, ele levanta todo um contundente retrato social do interior do Piauí, variando entre a ingenuidade popular e a esperteza do cabloco de um Brasil perdido no oco do mundo.

Regioinalista, como demonstrou em seus contos, Magalhães da Costa, soube fazer de seus “casos” autênticos documentários de vida ao conferir universalidade psicológica e social às histórias hilariantes apresentadas com pleno domínio de sua habilidade literária.

Nestes tempos tão consumidos pelas incertezas da inteligência, a literatura piauiense existe na medida em que os nossos escritores se inserem na elaboração de um processo literário dentro do espaço geográfico do Estado.

O que me evidencia induvidoso é que no mundo moderno que privilegia a imagem e a rapidez das informações, parece quase não haver espaço para leitura de livros.

O que mais importa porém é que as novidades da tecnologia, das mídias eletrônicas e as vídeos-aulas, não são inimigas da literatura e da cultura. Ao lado do mundo das imagens e dos sinais eletrônicos, existe também o mundo das palavras, e nele, o das palavras usadas com arte, refletindo com inteligência nossa condição essencialmente humana.

O trabalho com a cultura é sempre um eterno começar.

Por isso é preciso, como vem fazendo o escritor e jurista Joseli Lima Magalhães, que nos dediquemos à arte da comunicação, dominemos os recursos da escrita e da palavra para transmitir claramente as ideias a serviço da cultura, da valorização, do que é verdadeiro, enfim, do que é belo e puro.   

domingo, 2 de abril de 2023

Seleta Piauiense - Claucio Ciarlini



O que tem de bom no Piauí?


Claucio Ciarlini (1981)


Certo dia, alguém me questionou

Meio que afrontoso, me perguntou

O que tem de bom no Piauí?

No que tomei um fôlego

E na sequência, eu respondi


O que tem de bom no Piauí,

Cara... é tanta coisa, mas tanta

Que é certo! Não caberia aqui

Mas vou me arriscar

No que já peço desculpas

A tudo e a todos  

Que eu possa olvidar


Inicio então pela história

Desse nosso grande Estado

Repleto de feitos e glória

Toda a luta pela Independência

19 do 10 de 1822, tenha ciência

Grito dado em Parnaíba, se fez ecoar

Por várias cidades, até se deflagrar

Batalha do Jenipapo em Campo Maior

Onde carne de sol é o seu prato melhor


Aproveito então pra falar da culinária

E vos aviso, é pra lá de extraordinária

Piauí tem maravilhosa Maria Isabel

Arroz com capote, paçoca, sarapatel

Beiju, carneiro, galinha caipira e mais

A Cajuína, bode assado, Baião de dois

E de sobremesa, doces pra nosso deleite

De caju, buriti, e o que mais gosto: de leite


Mas nem só de comida boa se faz o Piauí

Mas de belos pontos turísticos a admirar

Praias: Pedra do Sal e Coqueiro, mergulhar

Parques: Sete Cidades e Capivara, pesquisar

Rios: Poty e Parnaíba, o encontro, contemplar

Lagoa do Portinho, Delta do Parnaíba, emoção

Cachoeira do Urubu, Barra Grande, Amarração


Passo então a falar 

De nossa literatura, 

Que tanto nos inspira

Com Ovídio Saraiva iniciou

1808, o livro Poemas, lançou

Abrindo o caminho para meio mundo

De escritores, de um enorme talento

Gente reconhecida, outras nem tanto

Com capacidade igual e amor profundo

Pelas letras e por sua terra, o nosso Piauí

Cada vez mais poético e diversificado

De Torquato a Assis Brasil, eternizado

Através da pena de Fontes Ibiapina

Além de uma infinidade de poetas, 

Que de inúmeros... Nem se imagina


Por todos os cantos deste rico Estado

Que muitas vezes já foi subestimado

Por alguns vilões, até mesmo odiado

Mas sempre acaba surpreendendo

Com conquistas de atletas, vencendo

Preconceitos, muitas e muitas vezes

Sempre com a garra de Sarah Menezes

Nossa campeã do Judô, nossa medalhista

No que aproveito também pra celebrar

Nossos músicos e a nossa classe artística

Nossos grupos culturais, 

Guerreiros fenomenais

A lutar todos os dias, sem desistir

Parabéns a todos vocês, por insistir

Mesmo quando não há reconhecimento

Por acreditar, até no pior dos tormentos


E é assim... Este meu caloroso Piauí

Ao menos um pouco do que pude lembrar

Se isso não foi o bastante, venha nos visitar

És bem vindo aqui. Só chegar.


                         2022