segunda-feira, 30 de setembro de 2019

Vou rebolar minha bunda, hoje




Vou rebolar minha bunda, hoje

José Maria Vasconcelos
Cronista, josemaria001@hotmail.com

         Antes, desculpe o vulgar título. Afinal, vou pisar em cloaca fétida da música popular. Primeiramente, repare curiosa informação publicada no Portal Natal, ao comparar dois momentos da cultura musical no Brasil. Um quadro da seleção dos melhores artistas musicais, no ano de 1987, e a outra, de 2017:

1987: Primeiro Lugar: Roberto Carlos; 2-Djavan; 3-Marisa Monte; 4- Caetano Veloso; 5- Legião Urbana; 6- Gal Costa; 7- Gilberto Gil; 8- Marina Silva; 9- Renato Teixeira  e Almir Sater; 10- Zé Ramalho.

2017: Primeiro Lugar: Pablo Vitar; 2- Luan Santana; 3- Anitta; 4- Marília Mendonça; 5- Ludmila; 6- Nego do Borel; 7- Simone e  Simara; 8- Maiara e Maraísa; 9- MC Kevinho; 10- Thiaguinho.

         As duas relações, claramente incompletas, porquanto ficaram fora, na primeira, nomes consagrados, como Tom Jobim, João Gilberto, Tim Maia, Elis Regina, Mílton Nascimento, Luís Gonzaga, Rita Lee, Raul Seixas e dezenas de outros de notável criação artística, presentes nas paradas das rádios e tevês. Jovens se encantavam, pediam bis, entendiam e interpretavam os versos bem elaborados, porque estudavam português e literatura sem os temperos da mediocridade.

         A segunda relação, 2017, avança em ordem cavalar. Pouca gente se liga nos artistas, digamos, tragáveis, como Ivete Sangalo e algumas exceções sertanejas. O símbolo sexual da geração atual está marcada pela Anitta, rainha da favela funk e da bundície.  Extenuante exposição erótica nos shows e programas de tevê, além de outras mais. Milionárias, afinal o produto comercial é de fácil digestão, apesar dos efeitos colaterais. Observe só um trecho de VAI, MALANDRA:  Vai malandra an, na/E tá louca, tu brincando com o bumbum/ An, an tutudum an, na/Tá pedindo, an, na/Se prepara, vou dançar presta atenção/An, an tutudum an, na/Cê aguenta an, na/Se eu te olhar/Descer, quicar até o chão/Desce, rebola gostoso/Empina me olhando/Te pego de jeito.

         Em recente artigo no jornal O Globo, o jornalista Marco Antônio Villa denominou a atual geração dos apaixonados por Anitta e similares antidepressivos, REPÚBLICA DOS RASTAQUERAS, termo arcaico de origem francesa que significa rude, ignorante, vampiro, cara de rico. Segundo o jornalista, crítico ferino da atual conjuntura esquerdista, “o Brasil tinha, há algum tempo, uma presença no mundo ocidental, dialogava, trocava ideias, projetava grandes artistas, como Chico Buarque, Caetano, João Gilberto...  Hoje, somos um país fragmentado... O Brasil vive uma crise de identidade cultural... A ignorância se transformou em política oficial... Nesta conjuntura, é possível compreender como algumas figuras caricatas tomaram conta do cenário cultural. A cantora Anitta é o melhor exemplo. É elogiada como um verdadeiro símbolo do Brasil contemporâneo. Uma representante do país para o mundo. A música “Vai malandra” já foi chamada de novo hino nacional... No réveillon, na Praia de Copacabana, foi considerada a grande estrela. Brindou o público com frase de rara profundidade filosófica, como uma Hanna Arendt dos trópicos: “Vocês acharam que eu não ia rebolar a minha bunda hoje?” No país da Anitta, é indispensável dizer sim, sempre dizer sim. Há o medo manifesto de ser hostilizado por defender uma outra visão de mundo”. Perdoem-me, mais uma vez, mas que país é este onde até uma sessentona Grecten ainda posa de bumbum surrado para entrevistas e festivais?! PUM pra vocês da cloaca cult!  

domingo, 29 de setembro de 2019

Seleta Piauiense - João Ferry



Fim de Escola

João Ferry (1895 – 1962)

Na escola toda vez, quando aparece
O exame final do fim do ano,
Nervoso cada qual faz uma prece,
Receando sofrer um desengano.

Boas notas só tem quem as merece,
E quem as obtém vaidoso e ufano,
Muitas vezes até depressa esquece,
Da professora e seu trabalho insano.

E o aluno fica alegre e mui contente,
Para gozar as férias bem feliz,
No lar para onde volta sorridente.

Mas acontece que o aluno mau,
Que de vadio estudar não quis,
Volta pra casa, mas só leva pau!...


Fonte: Jornal de Poesia

quinta-feira, 26 de setembro de 2019

Visita ao Lar das Flores de Maria







Visita ao Lar das Flores de Maria

Elmar Carvalho

Meses atrás, quando meu filho João Miguel veio de férias a Teresina, fez uma visita, sem o nosso conhecimento prévio, ao Lar das Flores de Maria, que abriga várias anciãs, oportunidade em que lhes levou donativos. Desde então fiquei com desejo de visitá-lo, mas, por fracos motivos, quase injustificáveis, fui adiando essa promessa que fiz a mim mesmo.

Contudo, nesta segunda-feira (23/09/19), de manhã, em companhia de Fátima, fui visitar esse abrigo de mulheres idosas, cujas idades variam de 70 a 108 anos. Curiosamente, a mais do que centenária goza de boa saúde, e se mantém ativa e lúcida. Entretanto, outras sofrem de doenças graves, que não irei nomear, inclusive o mal de Alzheimer.

Fomos acolhidos pela irmã Aline, que nos revelou ser parnaibana, terra a que somos ligados por laços afetivos e sentimentais, e onde moramos por muitos anos. As velhinhas estavam num espaçoso e arejado alpendre, como se estivessem numa espécie de mitigado banho de sol e recreio, em que faziam uma leve refeição matinal.

Após os cumprimentos de praxe, uma das senhoras perguntou o meu nome. Em seguida, indagou sobre a origem de meu sobrenome Carvalho, tendo eu lhe respondido que foi legado pelos meus antepassados barrenses, por parte de meu pai. Ela passou a falar das agradáveis recordações que tinha de Barras, quando em sua mocidade ali passara algumas de suas férias, a convite de uma amiga. Acrescentou que na época ali se realizavam muitas festas. Eu, então, lhe respondi que Barras dera ao Piauí grandes poetas e músicos, e que lá, décadas atrás, existira a banda musical de sopro e percussão mais afamada da região.

A Irmã Aline nos convidou a conhecer o interior da casa. Vimos várias de suas dependências, entre as quais a sala principal e alguns dormitórios. Acho relevante dizer que eram limpos, arejados, higiênicos e bem cuidados. Contígua ao edifício principal existe uma pequena e simpática capela, na qual são celebradas três missas semanais.

Perguntei se o Lar era vinculado à Arquidiocese, e se recebia ajuda da ASA – Ação Social Arquidiocesana, criada por Dom Avelar Brandão Vilela, tendo ela me respondido que não. Assim, depreendi que o abrigo depende do auxílio que as irmãs da ordem das Virgens Consagradas recebem.

Eu havia levado uma pequena oferta, que entreguei logo ao chegar. Considerando a importância do Lar das Flores de Maria para aquele grupo de mulheres idosas, prometi que passaria a enviar, mensalmente, uma pequena ajuda financeira, pelo que pedi o número da agência e da conta do abrigo.

Na esperança de que meus parcos e eventuais leitores queiram ajudar essa instituição de amor ao próximo, deixo aqui o número de suas duas contas: Caixa Econômica Federal – CC-00000350-6 / Agência 3829 / Operação 003 e Banco do Brasil – CC-24746-4 / Agência 4708-2. Caso necessário, eis o CNPJ: 16.702.199/0001-30. Seu endereço é rua Dr. Francisco Almeida, 995 – Ininga, nesta capital.

Como o poeta Carlos Drummond de Andrade, “Não amei bastante meu semelhante, / não catei o verme nem curei a sarna. / Só proferi algumas palavras, / melodiosas, tarde, ao voltar da festa.” Por isso mesmo, esbocei esse pequeno gesto, que não estou contando para me exaltar, mas apenas para induzir outros a fazerem mais e melhor.

Tendo sido eu, basicamente, a vida toda um literato, perguntei se algumas das irmãs e velhinhas gostavam de ler. Recebendo resposta afirmativa, resolvi “castigá-las”, lhes deixando dois exemplares de livros de minha autoria, que talvez venham a ser o embrião de uma pequena biblioteca.   

quarta-feira, 25 de setembro de 2019

Elmar Carvalho no Jogando Conversa Afora


TERRAPLANISMO, PRESTIDIGITAÇÃO E HIPNOSE



TERRAPLANISMO, PRESTIDIGITAÇÃO E HIPNOSE

 Antônio Francisco Sousa – Auditor Fiscal (afcsousa01@hotmail.com)

                Se alguém puder, ou quiser, que me desculpe, mas não consegui deixar de rir quando, à procura nos dicionários da língua portuguesa, mesmo nos informais ou virtuais – na imprensa não me meti na busca, porque, claro que não foi ela que a criou, os neofilósofos e outros iluminados é que o fizeram, mas propagou a estranha ideia do que tal vocábulo quer conceituar –, da palavra terraplanismo ( absurdo e espúrio neologismo que, tanto quanto os dicionários mais sérios e respeitáveis, meus editores de texto, também não a reconhecem, tanto que, na lavratura de este texto, a pintaram de cores diferentes das atribuídas a um termo reconhecido pela gramática), em determinado “site”, um comentarista, ironicamente, disse, ou melhor, escreveu o seguinte: “... na verdade, a crença no terraplanismo tem crescido tanto que já há terraplanistas ao redor de todo o globo.

                Vi-me obrigado a voltar aos meios de informação vernacular para corroborar o que sabia e acrescentar o que desconhecia a respeito do significado semântico-etimológico da locução adverbial “ao redor”. Lá encontrei as seguintes acepções: “espaço que rodeia algo ou alguém”; “em torno de”; “à volta de”; até mesmo como sinônimo da bela palavra circunjacente. Em síntese, “ao redor” quer referir-se a algo que está do lado de fora, externamente, próximo, ou distante; jamais em cima ou embaixo daquilo de que se avizinha. Logo, para que houvesse terraplanistas ao redor da Terra, ela precisaria ser um globo, um corpo esférico, não uma lâmina em formato de disco, cujo derredor ou lado externo às suas margens seria, necessariamente, o espaço cósmico, o infinito.

                Como não é assim que pensam os que dizem ser a Terra semelhante a um disco de vinil, ou a uma peça chata e circular, considerando-se a lei da gravidade e se desconsiderando os movimentos de rotação, como se aprendeu a tomar este: a Terra girando sobre o próprio eixo, e translação, ela circulando a órbita solar, movimentos, esses, em que eles não acreditam - tais figuras, a propósito, parece loucura, descreem que haja outros planetas universo afora, mas creem que existem um sol e uma lua, na forma de pequenas esferas, situadas bem pertinho de nós, e que, conforme deslocamento da nossa estrela, ocorrem os dias em determinada parte do disco e, em outra, as noites; ou seja, acreditam, ainda, os terraplanistas em uma espécie particular e exclusiva de geocentrismo, nosso solzinho girando em torno da Terra -, independentemente da espessura que possa ter o disco terrestre, todos os seres, elementos, substâncias ou que tais, ocupariam sua parte superior ou se incrustariam no seu interior, dentro dela; nunca, jamais ao seu redor ou derredor, pois ali estaria a escuridão e o nada.

                Pois bem, para leigos e iniciados que queiram prestigiá-la, dizem que será realizada em São Paulo, dias dez e onze do mês novembro de dois mil e dezenove – a menos que não surjam interessados em quantidade suficiente para garantir o evento -, a primeira convenção nacional sobre terraplanismo.

                Um aparte: fosse eu o mentor da ideia, teria acrescentado um subtítulo: Terraplanismo, prestidigitação e hipnose. Explicar-me-ei. Ou, complicar-me-ei, já, já. Do ponto de vista racional e lógico, não posso conceber, muito menos aceitar, que filósofos, ufologistas, ministrantes, palestrantes e participantes da convenção, por mais crentes, cultos ou intelectualizados que possam ser, consigam, uns, aceitar e, outros, incutir na mente dos presentes que a Terra tenha o formato de um disco de vinil e que, portanto, todas as fotografias feitas do planeta, desde as mais simplórias das acanhadas câmeras fotográficas de  antanho, às de alta tecnologia ótica, instaladas nos satélites espalhados pela troposfera, mesosfera e arredores espaciais, aos potentíssimos telescópios construídos nas mais distantes e soturnas regiões do planeta, são falsas, como falsas também são todas e quaisquer teorias que procuram explicar por que a terra  é redonda, esférica, em um formato meio irregular de globo.

                Para encerrar. Na verdade, chego a imaginar que mesmo com o auxílio de prestidigitadores e hipnotistas, ou seja, com intervenções mágicas ou hipnóticas durante os trabalhos, muitos dos que chegarem à Convenção convencidos da veracidade de essa lorota de terraplanismo, diante da escassez ou  ausência, de explicações e informações fáticas, sérias e críveis disponibilizadas, dela sairão decepcionados, em razão do tempo perdido sem nenhum ganho intelectual, ou satisfeitos, pois voltaram ao estado normal de sanidade mental, conscientes de que a Terra é um planeta na forma de globo esférico, como há muito se dizia, que gira em torno do próprio eixo, e ao redor do sol, o verdadeiro astro-rei que nos ilumina.   

O sumiço das galinhas



O sumiço das galinhas

Pádua Marques
Contista, romancista e jornalista

Foi ficar sabendo que seu compadre e amigo de lutas políticas no Piauí, Simplício Dias da Silva, governador da vila da Parnaíba, estava muito doente, sem força nas pernas, tísico e até já com dificuldade de falar alguma coisa, que Benevides do Prado, negociante de Chaval, no Ceará, mandou selar um cavalo e sem piscar os olhos ordenou que Romeu, seu escravo de confiança, corresse no terreiro da fazenda e trouxesse na sua presença umas cabeças de galinhas. Era pra o coronel tomar uns caldos e quem sabe recuperar as forças. 

A viagem de Romeu foi sofrida por aqueles matos secos do início de setembro e saindo de madrugada na direção da vila da Parnaíba. Em cima do cavalo levava umas dez cabeças de frangas de primeira pena, ainda não cobertas por galo, canelas limpas, de crista miúda. Aves de dar gosto até de vender num mercado. As melhores que pode tirar da imensa criação de Benevides do Prado no distante Chaval. No romper da manhã Romeu chegou ao largo da casa de morada de Simplício Dias da Silva e, com medo de causar perturbação, achou de esperar de longe.

Romeu, negro de seus quarenta anos, trazia no alforje uma carta de Benevides do Prado em que o cearense desejava ao coronel no Piauí pronto restabelecimento da saúde e falava da carga de galinhas pra o compadre se alimentar. Recomendava que as franguinhas servissem pra canjas nos finais de tarde e até que se assim desejasse, antes de dormir, pra não darem empanzinamento. Era presente seu e se assim desejasse mais, era só ordenar. E foi o escravo ficar esperando um tempo longo alguém sair da casa de Simplício Dias da Silva que fez com que tomasse uma decisão.

Tomou o rumo do porto Salgado lá embaixo e por lá foi visto com o cavalo e as franguinhas por uns marinheiros do navio Princesa de Belém. Viram as aves e acharam de perguntar ao negro de quem eram e se estavam à venda. Se vendesse as galinhas eram pra servirem de refeição a bordo ainda naquela manhã de quarta-feira! Romeu ficou coçando a cabeça por uns instantes e esfregando as mãos e metendo no alforje se lembrou da carta de Benevides do Prado. De baixo onde estava respondeu que a carga era presente de seu dono pra o coronel Simplício Dias da Silva.

Os marinheiros não perderam tempo de dizer que do jeito que Simplício Dias estava, mais morto do que vivo, não iria sentir falta e nem ninguém iria dar conhecimento de que umas dez galinhas novas, vindas do terreiro de Benevides do Prado, em Chaval, iriam fazer falta. Que vendesse, pegasse aquele bom dinheiro e fizesse uso nas lojas e armazéns da Parnaíba. Seria dinheiro suficiente até pra que fosse gastar com mulheres e bebidas nos Tucuns ou na Coroa. Romeu alegou que havia uma carta do seu senhor pra o coronel dando ciência da carga e desejando pronto restabelecimento.

De novo os marinheiros acharam de meter na cabeça do negro Romeu que desse um fim na carta. Simplício nem iria fazer questão de saber. Ficaram jogando preços nas galinhas como se estivessem num leilão. A aposta já alcançava uma boa soma e sempre coberta por um marinheiro mais afoito. E naquela disputa foram indo, foram indo, foram indo e o negro fazendo bossa e criando e encompridando conversa por conta de sua condição e fidelidade. Vai que alguém reconhece e depois fica sabendo do que veio fazer na vila da Parnaíba? O sol já estava alto quando finalmente Romeu aceitou vender as dez franguinhas, presente de Benevides do Prado, do Chaval, pra Simplício Dias da Silva, na vila da Parnaíba.  

Romeu aceitou uns dez tostões pelas dez franguinhas. O marinheiro desceu da embarcação e veio fechar o negócio. Uma a uma as dez moedas foram caindo na mão grosseira. O negro, que nunca havia pegado em dinheiro, estava satisfeito. E não é que tinha jeito pra negociante? Pegou as moedas e enfiou no bolso da calça. Ainda meio afobado e incentivado pelo comprador das galinhas, abriu o alforje, retirou a carta e dando mais uns passos rasgou e jogou os pedaços dentro do rio Igaraçu.

Depois, puxando o cavalo pelo cabresto tomou o rumo da ribanceira e se perdeu no meio de toda aquela gente do porto Salgado entre os armazéns, as lojas, as negras vendedoras de frutas e verduras e os negros carregadores de água pra beber e tomar banho, nas primeiras horas da manhã. Quando voltasse pra Chaval, daqui a mais um dia, se voltasse, iria dizer que Simplício Dias da Silva, dado o estado em que se encontrava, nem fizera mais questão de receber presentes. E sua mulher, dona Isabel Tomásia, que não sabia ler e nem escrever, apenas recomendou agradecimentos. Aqueles tostões ele não tinha!   

terça-feira, 24 de setembro de 2019

CAPAS & DEDICATÓRIAS: Assis Brasi





Na qualidade de presidente do Conselho Editorial da Fundação Cultural Monsenhor Chaves, recebi a proposta de Assis Brasil para organizar a antologia A Poesia Piauiense no século XX, no ano de 1994, a exemplo da que ele já produzira para o Maranhão e pretendia fazer com relação a outros estados, o que de fato veio a acontecer. Após aprovação do Conselho, seria publicada pela FCMC em parceria com a editora Imago. Em bela festa literária, a excelente antologia foi lançada em 1995 na Casa da Cultura, recém-inaugurada, com a presença do prefeito Wall Ferraz, de dona Eugênia Ferraz, presidente da Fundação, e do escritor Assis Brasil. A obra, além da rigorosa seleta poética, contém um longo ensaio introdutório e notas biográficas e críticas da autoria do seu organizador. Abaixo da dedicatória, o saudoso historiador e poeta Reginaldo Lima, em gesto impulsivo de entusiasmo, como que a endossou, ao escrever, em 14/05/95: “Meu caro Elmar: Parabéns!” E mais não disse e nem precisaria dizer.

domingo, 22 de setembro de 2019

Seleta Piauiense - R. Petit

Fonte: Google


Papagaios de Papel

R. Petit (1894 - 1969)

Quando eu era pequeno, venturoso,
Meus lindos papagaios empinando,
Dizia: — Não há nada mais pomposo
Que um papagaio de papel voando.

Cresci!... Hoje, tristonho, pesaroso
Esses brinquedos de papel, olhando,
Logo descubro o vulto carunchoso
Dos que sobem a tudo se apegando.

Tipos que sobem de alma feita em trapos,
Mostrando ao mundo, despreocupados,
Uma cauda nojenta de farrapos...

Tipos de nulidade tão cruel! 
Que só sabem subir encabrestados
Como esses papagaios de papel.

Fonte: Antologia dos Poetas Piauienses, de Wilson Carvalho Gonçalves   

sábado, 21 de setembro de 2019

O MEMORIAL DE CHICO PEREIRA

Fonte: Blog Picinez/Google


O MEMORIAL DE CHICO PEREIRA

Elmar Carvalho

Na sessão de ontem da APL, exibindo um impresso extraído do Blog do Zan, disse que não desejava  explanar nenhum assunto, mas apenas fazer uma pergunta, dirigida ao presidente da APL, Reginaldo Miranda, e ao presidente do Conselho Estadual de Cultura, professor Paulo Nunes.

Inicialmente, li o seguinte trecho, extraído do aludido blog: “Sábado passado, na residência do deputado Paulo Martins, conversamos eu [Zeferino Alves Neto, o Zan], o médico Domingos José e o gerente do BnB, Gilberto Alves, com a presidente da Fundação Cultural, Sônia Terra, sobre o andamento da concretização da instalação do Memorial [Francisco Pereira da Silva] em Campo Maior, criado pela lei 5.445, de 25 de maio de 2005. Sônia Terra disse que isso está no momento, na dependência das entidades que indicariam os membros que comporiam o Conselho Administrativo. Até o momento, apenas três entidades indicaram seus representantes”.

Isto posto, perguntei ao presidente da APL e ao do Conselho de Cultura se haviam recebido pedido de indicação de representante, tendo ambos respondido que não tinham conhecimento de tal solicitação. O ex-presidente da APL, que passou quatro anos no cargo, também disse não se recordar de tal pedido. Ficou assentado que pedido dessa natureza não tem nenhuma dificuldade em ser deferido.

Algumas observações desejo fazer. A lei já está com cinco anos, e nenhuma providência concreta foi tomada. Mesmo que a solicitação tivesse sido feita, poderia ter sido renovada, e acredito que o Conselho de Cultura e a Academia não iriam ter nenhuma dificuldade em indicar um representante, pois isso não demanda nem tempo, nem dinheiro e nem esforço. Além do mais, salvo melhor juízo, a obra poderia ser tocada sem a necessidade de criação desse Conselho, que segundo a referida lei, tem caráter deliberativo e consultivo, e, por isso mesmo, só seria efetivamente necessário após a criação do Memorial, uma vez que foi previsto para administrá-lo, e não para construí-lo.

Obras muito maiores e mais caras o governo faz sem precisar de conselho nenhum, mas tão somente de sua vontade política e de recurso financeiro. Mas, se a dificuldade é mesmo essa, que se crie logo esse bendito conselho, sem mais delongas. De qualquer sorte, existe um ditado que diz que, quando se quer emperrar alguma coisa, basta que se criem comitês, ou conselhos, o que dá no mesmo.


21 de março de 2010

sexta-feira, 20 de setembro de 2019

A Zona Planetária - Vênus

Fonte: Google


VÊNUS

Elmar Carvalho

Poema épico moderno, inspirado no meretrício Zona Planetária, de Campo Maior, em que procurei mesclar a mitologia greco-romana, a astronomia e a sociologia dos cabarés. Na Zona Planetária cada um dos lupanares ostentava na fachada o nome e a imagem de cada um dos planetas, entre os quais Saturno e seus anéis. Irei, no blog, publicando cada uma das dez unidades desse relativamente longo poema.

Calipígia, a de belas nádegas,
envolta em véus diáfanos
de calor em seu azul,
nas camas nebulosas Cupido concebeu.
As Graças, cheias de graças mil,
formosas, pródigas em amabilidades
aos Risos, entravam no salão,
flechadas por Cupido no coração.
Himeneu às vezes retirava uma
das mulheres da vida do planetário
e às núpcias a conduzia
sob o brado das que ficavam:
Himeneu! Himeneu! Himeneu!
Calipígia, de belas nádegas navegantes,
de bela bunda popozuda e rebundolantemente ondulante,
de ondulantes ancas e colos coleantes
por mares bravios de cios,
com seu séquito de Graças e de Risos
imersa em seu manto azul
estampado de nuvens de espumas,
faz as honras do salão.
Bela deusa do amor,
fugiu do amor do
horrendo Vulcano e de
sua forja de relâmpagos e trovões
por órbitas nunca
dantes devassadas,
e ao amor de Adônis se entregou,
a quem morto muito muito pranteou,
a quem à vida, como anêmona
embora, à vida o retornou.
Sacerdotisa suprema do amor
– de todos os seus ritos e mistérios –
ao amor por inteiro se consagrou.   

quinta-feira, 19 de setembro de 2019

OS CLÁSSICOS E AS GOROROBAS



OS CLÁSSICOS E AS GOROROBAS

Antônio Francisco Sousa – Auditor Fiscal (afcsousa01@hotmail.com)

                Como passava bem perto delas, decidi entrar em uma, na verdade, nas duas filiais de redes de livrarias da cidade, para procurar, especificamente, dois títulos: o primeiro, do qual me aconselharam a leitura por se tratar de uma história contada e escrita a partir de fatos reais, e muito interessante, na opinião de quem me a indicou, cujo enredo seria uma espécie de biografia do neto, escritor, e de sua avozinha, vítima de Alzheimer, denominado Quem, eu?; o outro, um clássico da literatura mundial, Ana Kariênina (ou Anna Karenina, como também já vi escreverem). Em nenhuma delas, nenhum dos livros. Belas livrarias, aquelas! Bem, provavelmente, tais títulos não lhes fizessem mesmo qualquer falta, de vez que suas estantes e vitrinas abarrotadas estavam de livros de autoajuda, de leitura adolescente, dos filósofos e “coachs” da moda, dos tais especialistas em empreendedorismo, neurolinguística, conselheiros econômicos e financeiros, certamente, muito mais procurados e consumidos do que os que buscava.

                Saindo dali, dirigi-me a um dos shoppings da cidade, que sabia possuir livraria pertencente a uma grande rede nacional, com mais um objetivo, além de procurar os livros não encontrados: degustar um espresso quente e encorpado.

Enquanto esperava o café encomendado, também para ganharmos tempo, passei minha lista a um vendedor. O espresso chegou até mim ao mesmo tempo em que o funcionário da loja trazia-me o resultado da busca que fizera: do primeiro título – Quem, eu? - não constava qualquer exemplar no estabelecimento; do clássico de Tolstói, uma variedade de opções, em termos de edições e de preços. Pedi ao gentil vendedor que fizesse outra pesquisa para que eu me decidisse pela melhor alternativa. Ele me aconselhou a continuar tomando meu cafezinho, tranquilamente; nesse ínterim, aproveitaria para atender a outro cliente. Concordei com sua sugestão. Peguei, então, um exemplar de jornal da cidade, que a loja colocava à disposição das pessoas que vão à sua cafeteria, e pensei, lá comigo: como parecem feitos um para o outro, o café na livraria e o jornal. Na coluna de um conhecido cronista da sociedade local, fiquei sabendo que determinado cidadão, figura onipresente nas páginas do articulista, dizia-se escritor, tanto que estava sendo lançado – creio que pelo profissional da imprensa, já que em nenhum outro meio de comunicação tivera tal informação - à concorrência de uma das cadeiras esvaziadas pela morte de seu ocupante, da principal academia de letras do estado. Incontinenti, veio-me à mente sagaz observação, feita, tempo atrás, por um vetusto professor: segundo ele, ali, intramuros, existiam mais academias de letras do que acadêmicos. Não me pareceu fora de contexto, naquele momento, o pensamento do docente, tendo em vista que, de fato, não eram raros, certos “escritores”, “beletristas”, membros, ao mesmo tempo, de várias instituições literárias naquela plaga.

                Levantei-me, paguei o café e fui à procura de meu vendedor. Já lá estava ele, em frente ao terminal de computador, com a relação de edições do livro Ana Kariênina. Dispôs-se a me acompanhar no exame físico dos mesmos, a fim de que pudesse decidir pelo que mais me agradasse. Feito isso, dirigi-me ao caixa.

                Antes de sair do estabelecimento, passei dando uma olhadela na organizada parafernália de títulos e de capas fantásticas, belamente ilustradas ou fotografadas, e pude perceber que a maioria de tais “obras-primas” – corrigindo: best-sellers, vá lá – pertenciam a autores por mim desconhecidos, ou pelos quais jamais me interessara; como nas primeiras livrarias: especialistas - que se (ou lhes julgavam) figurinhas carimbadas - da indústria do coaching, do aconselhamento econômico-financeiro, da modernosa filosofia, participantes dos mais variados programas da televisão, do rádio ou de colunas de jornais, onipresentes em todas elas. Quedei-me, pensando: deve ser por isso, tanta gente fazendo “literatura”, que até quem, possivelmente, não teria vez, muito menos cadeira para ocupar em academias que valorizassem, verdadeiramente, o talento, as boas letras, a literatura como quer significar a expressão, literalmente – e não o fato de serem personalidades da sociedade que se destacam pelo poder econômico ou político que possuem -, se arvora capaz e apto a assumir uma vaga em diversas delas, tendo escrito pouco ou quase nada de, verdadeira e, artisticamente, relevante, interessante.

                A propósito do clássico Ana Kariênina, de Tolstói, e de tantas outras obras-primas do mesmo quilate – quem sabe até o título que não encontrei durante minha caminhada cultural -, não tenho dúvida de que dedicar-se à sua leitura somente não agradaria àqueles que preferem ler as gororobas que a maioria das livrarias é obrigada a expor, desde a porta de entrada, nas melhores e mais visíveis vitrines e prateleiras.   

quarta-feira, 18 de setembro de 2019

Coronel Queixada, governador da Barra do Longá e herdeiro de Simplício Dias



Coronel Queixada, governador da Barra do Longá e herdeiro de Simplício Dias

Pádua Marques
Escritor e jornalista

Simplício Dias da Silva havia tempo estava no leito esperando a morte. Mas suas roupas e alguns pertences já haviam ganhado a rua pela porta dos fundos e dados pra gente ordinária, mendigos, vagabundos, loucos de toda sorte e escravos sem senhor na vila de São João da Parnaíba. Queixada, um desses, acabou ficando com o uniforme e as dragonas douradas, o mesmo uniforme que o coronel em festas de gala anos antes ostentava durante as missas com a família, nas paradas da milícia ou quando recebia políticos, visitantes e cientistas estrangeiros.

Queixada agora andava pra cima e pra baixo com o uniforme do coronel Simplício Dias, que de certa forma conseguiu enganando Elias, depois deste ter mentido pra dona Isabel Tomásia. Queixada era um negro fosco, o cabelo pixaim de tão sujo era cor de cobre, de baixa estatura e muito feio. Tinha os caroços dos olhos amarelos e era chegado a uma aguardente e um cigarro barato. Se gabava pra todo mundo, desde a Coroa até os Tucuns, que era filho de uma escrava de dentro da casa do governador da vila da Parnaíba, quando o coronel ainda tinha alguma moeda na burra e os soldados de Fidié ainda não haviam saqueado as joias e as pratarias da igreja de Nossa Senhora da Graça.

O apelido de Queixada ele ganhou de gente na rua por ter os queixos largos e a cara quadrada. Dona Isabel Tomásia imaginando que o pedido de Elias era uma lembrança, deu o uniforme, mas não as medalhas e outras condecorações. E muito menos o punhal e a pistola. Vai que por qualquer descuido de Elias estas armas acabassem nas mãos de algum malfazejo, trocadas por miudezas e dando motivo pra confusão e até algum crime?! Do jeito que Simplício Dias estava não dava mais pra defender ninguém.

O certo é que o uniforme com as dragonas douradas acabaram nas mãos de Queixada. Como dona Isabel Tomásia não deu as medalhas, ele achou de colocar no presente valioso toda sorte de objetos. Botões dourados ganhos de uniformes de comandantes de navios, medalhas de santos, cacos de vidros e até chaves de algum armazém abandonado lá pros lados do antigo estaleiro. Era tudo o que achasse servia pra encher o peito. E assim ia cumprindo a sina de doido. E que por ter fama de doido recebeu o apelido de Miolo Mole. Mas não se caísse na besteira de falar esse apelido.

Corria atrás com pedra e paus ou o que achasse pela frente. Era o terror de meninos, mulheres da vida, outros vagabundos que passavam o dia inteiro caturando um serviço no porto Salgado. E foi assim que recebeu de um comandante de navio a patente de coronel, coronel Queixada, governador da Barra do Longá. Gostou tanto do posto que agora andava sempre com um cacete curto entre o cinto velho e a calça como se fosse uma espada. Ora, deu que virou! De manhã cedo, mal o movimento dos armazéns, lojas, repartições do governo e embarcações no porto davam início, lá estava o coronel Queixada fazendo inspeções. Era atracar um navio vindo o Maranhão e lá ia ele mandando abrir bagagem e mercadoria, se fazendo de autoridade. Os mais medrosos até que obedeciam. Obedeciam pra não criar confusão. Outros achavam graça, zombavam.

E pelo serviço ia ganhando um vintém aqui e outro ali. Queixada perdeu o juízo quando ainda novo um pedaço de madeira caiu em sua cabeça no estaleiro onde trabalhava no outro lado da Ilha Grande de Santa Isabel. Foi o bastante pra que tão logo se recuperou dos ferimentos fosse apelidado de Miolo Mole. Era de entrar na igreja do Rosário dos Pretos e de altar em altar, de olhos fechados e batendo os beiços ir fazendo o pelo sinal da cruz uma porção de vezes. Depois, sem ver nem pra quê, saía correndo desembestado pelo meio do largo e ganhava a rua entre a igreja da Graça e a rua Grande.

E os vendedores de frutas, negras vendedoras de coco, cocada, temperos pra panela, manga e caju vindos da Ilha de Santa Isabel, gente fazendo compras pras cozinhas de seus senhores, ficavam gritando, Coronel Queixada! Coronel Queixada! Viva o Coronel Queixada! Miolo Mole, fela da puta, filho de uma égua! Miolo Mole! Depois quando passava a doidice instantânea ele ia se proteger dos insultos e das pedradas na sombra dos armazéns. Dona Isabel Tomásia, dado o cuidado com o marido quase morto, pouco se interessava pelo que vinha da rua. Se sabia de algum alvoroço, brigas entre embarcadiços e mulheres da vida, entre os Tucuns e a Coroa, era de ficar calada.

Em casa o coronel Simplício Dias ia de mal a pior. Vinham os vizinhos, gente importante e até antigos desafetos ver de perto como estava o sofrimento lento daquele que dentro de mais alguns dias iria fechar pra sempre as capelas dos olhos. Vinham, ouviam da dona da casa como ele estava e saiam de cabeça baixa. Mas na rua e no agora pouco movimento da outrora vila rica da Parnaíba e nos lugares mais distantes, o que se sabia era que Simplício Dias da Silva já era morto e enterrado dentro da igreja. Havia até quem dissesse que havia morrido e jogado no mar ou estava enterrado entre os cajueiros no distante Testa Branca.

No porto Salgado as conversas entre os comandantes de navios vindos de Tutoia no Maranhão eram de quem iria ser a maior autoridade da vila da Parnaíba depois da morte de Simplício Dias da Silva. E nesse fulano disse isso ou disse aquilo as mercadorias iam se acumulando no porto, as lojas tendo prejuízos, as encomendas rareando. O coronel Queixada ia de porta em porta ouvindo, espalhando conversa e aumentando por sua conta. Um dia encontrou um negro da sua igualha e lá pelas tantas se danaram a brigar por causa do uniforme. Brigavam agora por causa da patente. Quintiliano, o outro negro sem ocupação, disse que Queixada era coronel porque sua mãe era curica da cozinha de Simplício Dias.

Se atracaram numa rua dos Tucuns e Quintiliano rasgou e arrancou a manga do uniforme do coronel Queixada. Botou força e as medalhas todas caíram e se espalharam na areia imunda do Cheira Mijo. Queixada deu de garra na espada de cacete e meteu na cabeça de Quintiliano. Foi sangue pra danar. As mulheres e os meninos gritando e os marujos dando vaias e até apostando ver quem haveria de ganhar aquela queda de corpo. Chamada a milícia, os dois foram presos. O chefe de milícia, Lucas Patriotino Ferreira, homem de dentro da casa de Simplício Dias, mandou dar logo de entrada uma dúzia de bolo de palmatória em cada um, tomou e ateou fogo no uniforme causador da briga.

Qual o motivo desta briga, negro? Negro não, coronel Queixada, governador da Barra do Longá! E quem te deu patente, negro? Onde já se viu negro coronel e ainda mais da Barra do Longá?! Foi comandante de navio do Maranhão quem me deu patente! E desde quando comandante de navio vindo de Tutoia do Maranhão dá patente na vila da Parnaíba? Negro, vê se te cala senão dou cobro de ti!

A dúzia de bolos foi mesmo que dar mingau de milho em boca de menino! Dentro da cela os dois negros ainda com as mãos em fogo se pegaram de novo. Sopapos, gritos, mordidas e tudo o mais. Ainda não havera de acabar aquela arrumação? O jeito foi levar pro tronco e dar uma dúzia de chibatadas em cada um, nu do jeito que veio ao mundo, enquanto todo mundo ficou dando gaitada. 

terça-feira, 17 de setembro de 2019

Sampaio e o pioneirismo do gado simental no Piauí

Fonte: Google


Sampaio e o pioneirismo do gado simental no Piauí

Reginaldo Miranda[1]

O Engenheiro Antônio José de Sampaio(1857 – 1906) é reconhecido como pioneiro da indústria de lacticínios no Brasil, por fundar e inaugurar em 2 de maio de 1897, a sonhada Fábrica de Lacticínios de Campos, com modernos equipamentos trazidos da Europa, onde estudara durante toda a sua graduação.

Três anos antes, em 1894, depois de firmar contrato com o governo federal para explorar as Fazendas Nacionais, todas situadas no Piauí, parte para a Europa em busca dos modernos equipamentos, nos moldes dos que usavam as mais produtivas indústrias da Europa. E os adquire em Hamburgo, na Alemanha, realizando verdadeira odisseia para trazê-los ao Piauí, sobretudo, ao sertão da fazenda Campos, hoje cidade de Campinas, na região de Oeiras, que elegeu como sede de seus empreendimentos.

No entanto, o que ninguém até agora reconheceu foi seu pioneirismo na importação de gado da raça simental para o Brasil. Essas notas visam reparar esse equívoco. A Associação Brasileira de Criadores da Raça Simental – SIMBRASIL, reconhece como primeira importação os animais da raça que chegaram ao Brasil, em 1904, sob iniciativa da Secretaria de Estado da Agricultura de São Paulo. Inclusive, aquela associação foi fundada em 1963, para resgatar os remanescentes daquelas importações e seus cruzamentos selecionados na região Sudeste do Brasil.

Pois, Sampaio precedeu aos paulistas em dez anos fazendo a importação de quatro touros naquela pioneira viagem em que também trouxe os equipamentos de sua fábrica. Cabe, pois, a ele o reconhecimento do pioneirismo na importação do gado simental para o Brasil, trazendo-os da Suíça. Essa raça é originária do vale do rio Simmen, no Cantão de Berna, Suíça, com aptidão para carne e leite.  A Revista da Semana, suplemento ilustrado do Jornal do Brasil, edição n.º 310, de 22 de abril de 1906, fazendo-lhe homenagem fúnebre, assim registra: “Trouxe da Suíssa quatro lindos touros da raça Simmenthaler, melhorando, consideravelmente, o gado nacional”.

Também, consta nos Annaes da Câmara dos Deputados, sessão de 28 de novembro de 1906 o insuspeito registro: “Introduziu o arrendatário nas fazendas quatro touros da afamada raça Sinmenthaler, que deu os melhores resultados, assim como aperfeiçoou em parte a raça cavalar”. Na sessão de 30 do mesmo mês e ano: “Além da fundação da fábrica de lacticínios, estabelecimento modelo, já se iniciou, nas fazendas nacionais, o aperfeiçoamento do gado indígena, pelo cruzamento com tipos da raça sinmenthaler, estrangeira, importada especialmente para este fim e introduzida naquelas remotas paragens com sacrifícios que a câmara bem sabe avaliar”.

Portanto, estão aí registros insuspeitos da importação de quatro touros da ração simental pelo Engenheiro Antônio José de Sampaio, para as fazendas Nacionais do Piauí.

E o que foi feito desse gado? Que resultado trouxe para a nossa pecuária? Sabidamente foi feito o seu cruzamento com vacas da raça curraleira ou pé-duro, produzindo bezerros de excelente qualidade, cujos machos eram utilizados em outras fazendas de seu empreendimento, assim como vendidos para fazendas de terceiros interessados. E as fêmeas aproveitadas no seu próprio criatório, produzindo um gado de maior porte, predominância da cara branca e rendimento diferenciado. Segundo o deputado Joaquim Cruz, em discurso no Parlamento Brasileiro, em 30 de novembro de 1906, quando do óbito de Sampaio, em homenagem fúnebre, foi de grande proveito o cruzamento desses quatro novilhos com as vacas crioulas, produzindo animais mestiços de qualidade superior. Segundo ele, em 1906, um garrote oriundo desse cruzamento era vendido por 200$, sendo então um preço considerável (Annaes da Câmara dos Deputados – 1900 a 1910).

Para finalizar, façamos justiça ao Engenheiro Antônio José de Sampaio, reconhecendo-o como pioneiro na importação de gado simental para o Brasil. E que não se esqueça o Piauí, que foi palco desse pioneiro empreendimento, produzindo um gado mestiço diferenciado que muito melhorou a sua pecuária.



[1] REGINALDO MIRANDA, é membro efetivo da Academia Piauiense de Letras, do Instituto Histórico e Geográfico do Piauí e do Tribunal de Ética e Disciplina da OAB-PI. Presidente da Associação de Advogados Previdenciaristas do Piauí.  

segunda-feira, 16 de setembro de 2019

CAPAS & DEDICATÓRIAS: Luiz Romero Lima





Recebi uma artística dedicatória do professor Luiz Romero Lima, um dos melhores professores de literatura do Piauí, na folha de rosto do seu notável livro “Por um leitor crítico & criativo”. A obra traz as suas reflexões e ruminações de leitor voraz e amante dos livros. O autor discorre com proficiência e argúcia sobre teoria literária, metalinguagem, intertextualidade, influências, imitações e plágios. Apresenta listas sobre os melhores poemas e livros da literatura mundial, brasileira e piauiense. Super indicado para os amantes de uma boa leitura.   

domingo, 15 de setembro de 2019

Seleta Piauiense - Lucídio Freitas



A meu Pai

Lucídio Freitas (1894 – 1921)

Esqueço todo bem que, em minha estrada,
Prodigamente, como um Deus, semeio,
Fazendo meu o sofrimento alheio,
Amparando toda alma abandonada.

Quantas e quantas vezes tenho em meio
Da vida, dentro a noite erma e gelada,
Confortado a velhice desgraçada,
Na mornidão amiga do meu seio!

Para servir aos meus irmãos padeço
E dou-lhes a água e o pão, o teto e o leito
E o beijo que consola e que bendiz...

Mas todo bem que faço logo esqueço
Para guardar apenas no meu peito,
A saudade de um bem que eu nunca fiz...    

sábado, 14 de setembro de 2019

Piauienses no jornalismo brasileiro do século XX

Félix Pacheco. Fonte: Wikipédia/Google


Piauienses no jornalismo brasileiro do século XX

Daniel C. B. Ciarlini
Escritor

A história do jornalismo no Brasil não pode prescindir de avaliar o devido lugar e importância de sete piauienses que, em diferentes períodos históricos do século XX, escreveram seus nomes no periodismo nacional. Cada um em uma esfera de interesse; três teresinenses e quatro parnaibanos: Félix Pacheco, Mário Faustino e Carlos Castelo Branco; e Berilo Neves, Martins Castelo, Assis Brasil e Renato Castelo Branco.

Félix Pacheco, tendo seguido a carreira política, foi um dos empresários que tinha a imprensa como tribuna e promoção. Apesar de ter migrado para o Rio de Janeiro no final do século XIX, foi na década de 1920 que se tornou chefe de redação, dirigente e um dos proprietários do Jornal do Comércio – folha das mais influentes e importantes do Brasil. No campo literário, traduziu e estudou Baudelaire, foi poeta de vertente simbolista e o primeiro piauiense a alcançar a imortalidade simbólica na Academia Brasileira de Letras, onde ocupou a cadeira de número dois.

Berilo Neves, menos prático, fez do periodismo espaço de atuação literária, tornando-se cronista e contista dos mais lidos do país, e um dos autores fundantes, no Brasil, da ficção científica, que em sua acepção moderna legou nomes como Jerônimo Monteiro, Menotti del Picchia e Monteiro Lobato. Até a metade do século XX, mantinha-se seguramente como o escritor piauiense mais fecundo da imprensa brasileira.

Embora a carreira nas letras tenha iniciado em 1921, quando participou da redação do jornal A Boa Semente, de Parnaíba, foi por volta de outubro de 1924 que Berilo estreou na imprensa carioca, viabilizando sua assinatura nas mais importantes revistas ilustradas da época, como Careta, Revista da Semana e O Malho, periódicos redigidos por conhecidos escritores da literatura nacional.

Martins Castelo, por sua vez, além de poeta foi cronista radiofônico de larga audiência e jornalista de atuação internacional, compondo o seleto time de redatores de algumas folhas do meio carioca, a citar Vamos Ler!, Carioca, Diário Carioca, A Batalha, Light, Beira- -Mar e Noite Ilustrada. Foi ainda tradutor, compositor e publicou na imprensa contos sob a rubrica de seu principal pseudônimo, Mário Castellar.

Em sequência, Mário Faustino, poeta que nos anos de 1950 levaria a poesia piauiense ao periodismo das principais cidades do Brasil, assinou durante alguns anos a coluna “Poesia-Experiência”, no Suplemento Dominical do Jornal do Brasil, dirigido por Reynaldo Jardim – caderno de grande valor à crítica, principalmente por lançar diagnóstico da vida literária brasileira entre os anos de 1956 e 1961. Nesse mesmo periódico, Francisco de Assis Almeida Brasil sairia do anonimato com a coluna “Ficção”, tornando-se em pouco tempo romancista premiado.

Renato Castelo Branco, outro romancista piauiense de grande valor e prêmio, se tornou empresário no setor da propaganda, ocupando o posto de presidente da agência publicitária J. Walter Thompson. Sua atuação rendeu referências em importantes jornais como Diário Carioca, Jornal do Comércio, Diário da Noite, O Jornal, Jornal do Brasil etc. Além disso, era respeitado e bem quisto pela intelligentsia brasileira, que não economizava elogios ao seu nome. Gilberto Freire, por exemplo, o definia como “pesquisador honesto e lúcido”, quando do lançamento do ensaio Piauí: a terra, o homem, o meio (1970). Como poeta, gênero cultivado desde a juventude, Renato teve alguns de seus poemas traduzidos para o italiano e reunidos na coletânea Poesia del Brasile d’oggi, organizada por Renzo Mazzone e publicada na Itália em 1968.

Por último, Carlos Castelo Branco, filho do escritor Cristino Castelo Branco. “Castelinho”, como era conhecido, se tornou o jornalista político mais importante de sua época, tendo acompanhado todo o período de ditadura no Brasil. Seus posicionamentos em prol da liberdade e da democracia valeram a morte de um filho, Rodrigo Lordello Castelo Branco, em 2 de maio de 1976, suposta vítima de um acidente automobilístico em Brasília. Como informa o jornalista Carlos Marchi, que conviveu e estudou a história desse piauiense, “sua persistente pregação democrática constrangia a ditadura e irritava o seu pior lado, a linha dura”.

Antes de jornalista combativo, na juventude Carlos enveredara pelas linhas literárias, produzindo contos, alguns publicados no ano de 1948, na Revista Branca, fundada pelo escritor carioca Saldanha Coelho. Sempre atuante, angariou o respeito e a admiração de nomes do meio político e cultural, dentre eles o ex-presidente João Goulart (seu amigo) e o poeta mineiro Carlos Drummond de Andrade. No auge dos 61 anos de idade, em 4 de novembro de 1982, foi eleito para a Academia Brasileira de Letras, tomando posse, no ano seguinte, da cadeira de número 34. Foi o segundo piauiense nessa instância de consagração.

Fonte: Correio do Norte