terça-feira, 16 de fevereiro de 2010

DIÁRIO INCONTÍNUO


16 de fevereiro de 2010

Quando estive na lanchonete do senhor José dos Santos para tomar o seu afamado caldo, vi do lado de fora um homem todo sujo de goma, principalmente no cabelo e no rosto. Logo vi que não se tratava de um folião extemporâneo, mas de um alcoólatra. Quis saber como se chamava, mas ninguém o conhecia pelo nome. O Canindé informou-me que ele era filho do Sandoval, que eu conheci como guardador de carros dos universitários, no Campus Ministro Reis Velloso. O Sandoval era um homem bom e tinha a estima dos acadêmicos e dos professores. Já é falecido. O poeta Alcenor Candeira Filho, que exerce o magistério no Campus, dedicou-lhe um poema, em que lhe relata as virtudes e a ocupação. Dizíamos, brincando, que o Sandoval fora o seu “muso”. Agora, com tristeza, vejo o seu filho como mendigo e alcoólatra. Quando lhe perguntei o nome, disse tê-lo esquecido, e disse o nome de seu pai. Era como se quisesse esquecer de si próprio, em sua solidão e tristeza. Segundo o Canindé ele trabalhara num Condomínio da rua Pedro II, mas a dipsomania terminava por lhe fazer faltar ao trabalho, razão pela qual foi demitido. Com a demissão, apegou-se mais ainda ao vício. Quando fui tirar sua fotografia, para ilustrar o blog em que este diário é publicado, inicialmente, fingiu esconder o rosto, numa brincadeira ou na vontade inconsciente de se manter incógnito, sem ser visto e sem ser lembrado, numa espécie de exílio de si mesmo. Depois, se deitou na calçada, e levantou os braços e as pernas, como se fosse uma criança em seu berço, talvez no desejo recôndito de voltar a ser bebê, quando certamente recebeu cuidados e foi amado por seus pais. Ao final, terminou dizendo chamar-se João. Um João só, um João a mais na multidão e na solidão. Aproveito para pedir perdão por tantas involuntárias rimas em ão.

2 comentários:

  1. Recentemente fiquei sabendo de um dilema com o qual as águias são fadadas a se deparar. Na metade de sua vida, suas unhas estão grandes demais, o seu bico está enrolado e suas asas muito pesadas e, por conta disso, ou se conformam e morrem ou procuram uma alta montanha, onde passam 150 dias se "renovando". Batem o seu velho bico vigorosamente contra uma rocha até ficarem sem ele, esperam o crescimento de um novo bico e com ele arrancam suas unhas e suas penas. Uma vez, revitalizadas, retornam para o seu lugar de origem prontas para mais 35 anos de reinado.
    Ao refletir sobre o caso de seu João, filho de senhor Sandoval, concluo que a nossa 'alma' necessita de uma troca de "bico" diária.

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  2. Soube que as águias agem assim. Esperemos em Deus que o João se transforme nessa águia, e retome o curso normal de sua vida, e volte a ser útil a si e aos outros, com toda a dignidade inerente ao ser humano.

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