quinta-feira, 25 de fevereiro de 2010

O PENICO DE HUMBERTO DE CAMPOS (*)


Antônio de Pádua Ribeiro dos Santos

GARBOSAMENTE construído em Petrópolis, a setenta quilômetros da cidade do Rio de Janeiro, o Museu Imperial, popularmente conhecido como “Palácio Imperial” – verdadeiro exemplo de grandeza, por algum tempo residência de verão de D. Pedro II e de D. Teresa Cristina – guarda 250 mil documentos originais e uma biblioteca com 50 mil volumes.
Os visitantes que ali comparecem, e são muitos, de todas as raças e de todos os lugares, pois se trata do museu de maior visitação do Brasil, podem constatar que, apesar da riqueza das peças ali exposta e da suntuosidade da construção no mais perfeito estilo neoclássico, falta, porque sempre faltou, uma dependência por demais útil e importante: um banheiro.
Os que ali existem, destinados a servir aquele império, somente são encontrados em áreas externas, voltados aos visitantes. Na parte interna do palácio impera a inexistência. E isto porque os membros da Família Imperial, como todos sabem e as evidências demonstram, não se utilizavam de tais dependências. Não usavam um vaso sanitário como os que hoje são encontrados em banheiros e lavabos. E se não usavam tais aparelhos de imperiosa necessidade, usavam, forçosamente, o penico.
O famoso penico, também conhecido como urinol, louça, bacio, capitão, cabungo, mijadeiro ou bispote, que tem também um nome estranho que nos é informado pela Wikipédia – o interessante Bourdaloue: “especificamente para o uso das damas, com formato retangular ou oval alongado, às vezes com a parte dianteira alta, possibilitando que a mulher urinasse de pé ou agachada sem grande risco de errar o alvo. O nome bastante esquisito teria vindo do famoso padre francês Louis Bourdaloue (1632-1704), o qual fazia sermões tão longos que as damas da aristocracia que o ouviam colocavam tais vasos discretamente sob suas roupas para que pudessem urinar sem ter que sair do lugar.”
Com relação ao nosso amado memorialista Humberto de Campos, pai do memorável cajueiro do nosso município e também de grande parte da história de Parnaíba, o famoso penico aparece de maneira mais jocosa e, porque não dizer, de forma mais construtiva e exemplificativa.
O encontramos “em “Memórias”, sua principal obra, mais precisamente no capítulo 50, sob o título “Homero e O “Testamento do Macaco””.
Descreve ali o renomado escritor, com a inconfundível força de sua pena, a destinação dos trocados que furtara da gaveta de E. Veras & Filhos, mercearia onde trabalhou, quando menino curioso, na nossa cidade de Parnaíba. Levava o dinheiro para um seu amigo de nome Cazuza Porto e este “recebia a cédula, ou os níqueis, e juntava-os ao maço já recebido, e que ele depositava na prateleira dos artigos de louça, dentro, se bem me lembro, de um urinol grande, branco, e novo.” E conclui o período dizendo: “As minhas economias desonestas possuíam, como se vê, o cofre que mereciam.”
E para que se faça justiça, necessário se faz lembrar o que em Memórias já está dito: que este numerário teve uma parte furtada de dentro do seu cofre singular, o urinol ou penico; E a outra, como já era de se esperar, serviu para que o importante homem de letras comprasse da firma Dourado, Zenóbio & Cia., pequena empresa de importação das livrarias do Rio de Janeiro e de São Luís, então estabelecida em Parnaíba, algumas obras que muito lhe serviram, ajudando-o, sem dúvida, a tornar-se um dos maiores escritores do Brasil, tendo descrito, como nunca outro sequer conseguiu aproximar-se de descrevê-los tão perfeitamente, importantes fatos sobre a saudosa existência de ruas, lugares, costumes e pessoas de nossa amada cidade.
E dizer, por fim, principalmente àqueles que, por este miúdo deslize, pretendem considera-lo portador de um mau caráter, mais duas coisas: A primeira, que não havia, por parte do futuro escritor – menino de gênio inquieto e destinado a crescer no mundo das letras, órfão de pai e filho de mãe pobre e desamparada - outra maneira de adquirir bons livros, objetos raros e caros na época, senão aquele que utilizou para poder assim atender uma imperiosa necessidade de sua personalidade talhada para as alturas; a segunda, já aqui tentando advogar munido de uma procuração outorgada pelo sentimento de profunda admiração, comentar que a conduta pode ter sido ilícita, culpável, porém atípica, pois que amparada pelo princípio da insignificância penal.


*Esta crônica que procura absolver o imortal Humberto de Campos no que diz respeito ao pequeno furto que praticara, quando adolescente, e que espontaneamente confessara, é dedicada ao artista plástico Fernando Antônio Melo de Castro (Charge anexa), pessoa que muito gracejou, quando de nossa viagem ao Rio de Janeiro para aquisição do acervo do escritor, porque acreditava não haver um famoso penico na história do autor das “Memórias” mais famosas do Brasil.
(Pádua Santos)

5 comentários:

  1. A crônica, escrita com muito humor, ensina-nos ainda bastante cultura! Estes são traços característicos da expressão de Pádua Santos. Meus parabéns!
    Um beijo de sua filha e fã n° 1!

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  2. Tive o prazer de visitar este museu,tomado de emoção percorri junto ao guia todas as alas do palácio, passamos o dia por ali admirados com a beleza e a grandeza do lugar. Tudo vi e conheci, mas não vi penico ou banheiro.

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  3. Por este homem tenho especial admiração,em Parnaiba,sempre visito seu recanto, abraço seu cajueiro e choro junto com ele. O poeta continua sua obra nos planos que hoje habita. Suas Crônicas belíssimas nos trazem grandes revelações.Inspirado pela luz do Evangelho de Jesus, continua dando sua contribuição para o progresso moral da humanidade. Nas suas obras, usa o pseudônimo de Irmão X e todos os direitos autorais saõ destinados ao auxílio dos mais carentes.

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  4. Parabéns pelo artigo! Muito bom, não é fácil escrever sobre o objeto em apreço. abraço.
    PA

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  5. Muito interessante e curioso. Parabens Antônio de Pádua!

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