Cunha e Silva Filho (*)
Muita gente ainda torce o nariz para publicações oficiais não sabendo que, assim agindo, comete um erro palmar. Se o Estado custeia, no plano cultural, revistas ou mesmo livros, não me parece haver mal algum nessa iniciativa. Tampouco vejo como uma ação paternalista de um órgão público se este escolhe pessoas certas e capazes para cuidarem de uma publicação, a exemplo da já consagrada revista Presença há anos editada pelo Conselho Estadual de Cultura do Piauí. Dela guardo um grande número de edições que preservo como uma coleção fundamental, um inegável patrimônio de importantes estudos por ela enfeixados ao longo de toda a sua produção. A revista tornou-se, por isso, uma inestimável fonte de pesquisa sobre a história cultural piauiense nos seus vários setores de pesquisa, não só erudita mas de natureza popular.
Desde a sua estreia já dava sinais de que chegaria para ficar, ao contrário de tantas revistas culturais brasileiras que geralmente tiveram existência efêmera. Presença tem resistido ao tempo e alcançado o seu mais recente número, a sua 43ª edição, além de dar demonstração insofismável de seu efervescente espírito catalisador e de ser expressivo instrumento de divulgação não só da história cultural piauiense mas também por nunca esquecer o fato de que o regional faz parte do nacional e, nessa diversidade, consegue integrar-se harmoniosamente como unidade especificamente brasileira.A revista constitui um verdadeiro fórum de discussões de temática piauiense no mais elevado padrão ético-cultural-literário. Por esse motivo, ela se diferencia de outras congêneres e daí também sua duração.
Grande parte do extraordinário sucesso da Presença, cujos lançamentos de edições já se tornaram um evento em Teresina, mobilizando imprensa e leitores, deve-se ao trabalho incansável e fecundo do presidente do Conselho Estadual do Piauí, o professor e escritor M. Paulo Nunes. Creio que a pessoa desse escritor se confunde mesmo com parte significativa da feliz história dessa revista. Do editorial à revisão, a par da constante e operosa contribuição dele próprio à revista, M Paulo Nunes já deixou nas suas páginas uma marca inconfundível e duradoura. Presença, essencialmente, é uma publicação literária na mais rigorosa acepção do termo.
Dessa maneira, se explica sem muita dificuldade o quanto a revista deve ao esforço e ao critério do presidente do Conselho Estadual de Cultura, quer na escolha de sua equipe, quer na crescente qualidade de um número para outro, quer na supervisão de outros itens envolvidos na publicação: impressão, capa, cores, disposição gráfica, revisão, ilustrações e suporte jornalístico, tudo realizado com dedicação, esmero e beleza.
Li, de ponta a ponta, o nº 43, que está estupendo. Abrangente, como de costume, na escolha das matérias selecionadas, neste número apresenta dois temas centrais, o primeiro, uma homenagem ao centenário da morte de Euclides da Cunha, incluindo contribuições sobre a vida e a obra do grande escritor fluminense, a cargo da Redação da revista, uma visada geral do valor literário, jornalístico, histórico, sociológico e científico de Os sertões, em breve ensaio assinado pelo ficcionista Oton Lustosa, num desdobramento de sua participação em mesa redonda realizada, em agosto do ano passado, pela Academia Piauiense de Letras durante uma exposição da vida e obra do homenageado e um estudo vigoroso e atualizado do historiador Dagoberto Carvalho Jr. de título “Euclides da Cunha: Inflexões sociológicas do realismo literário brasileiro.” Neste estudo, só senti a falta de uma referência à obra de Clóvis Moura, Introdução ao pensamento de Euclides da Cunha (Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1964).
O segundo tema refere-se a duas matérias que valorizam a cidade de Amarante, sobretudo seu patrimônio arquitetônico e cultural. A primeira, “Cultura, Memória e Identidade da Cidade de Amarante”, feita a quatro mãos, tem um sentido de reivindicação para que essa cidade seja incluída entre outras que foram contempladas com o programa PAC instituído pelo governo federal com o objetivo de desenvolver ações de revitalização, recuperação e preservação do patrimônio arquitetônico-paisagístico de cidades históricas brasileiras. Amarante, incompreensivelmente, ficou de fora. O segundo artigo, assinado por Natacha Maranhão, tem cunho mais jornalístico e, portanto, fala de Amarante, sob um foco mais pessoal, mostra a cidade nos seus aspectos econômico, histórico, literário e sociológico, mencionando vultos intelectuais mais conhecidos da cidade e ainda traz um fac-símile de uma carta do presidente Juscelino Kubitscheck ao prefeito de Amarante Simão de Moura Fé, com data de 1961.
O número da revista ainda insere um comovente poema em quadras, em homenagem a Teresina, “Cidade Verde” da autoria de Hardi Filho, belo poema no qual as qualidades sonoras e rítmicas do poeta são novamente confirmadas. Não conheço poema melhor de exaltação a Teresina., verdadeeiro hino de amor à capital piauiense.
A revista se completa com uma resenha enxuta, de Enéas Athanázio sobre recém-publicado livro de crônicas de Jorge Amado, Hora da Guerra;um breve estudo-técnico sobre a arte rupestre; um conto de um autor que não conhecia, Pedro da Silva Ribeiro; um breve, claro e elucidativo artigo histórico, acompanhado de fac-símiles de documentos, de Jesualdo Cavalcanti Barros, de título “Fundação da Vila de São João da Parnaíba”; um texto de alto valor para as artes plásticas piauienses que aborda, em resumo, alguns ângulos da vida e obra do artista Genes Celeste Soares, falecido prematuramente e, por final, um cartum de Jota A no qual o talento do artista, entre a ironia e a destreza do traço, vergasta os inimigos das florestas brasileiras – tema sempre bem-vindo enquanto houver irresponsáveis e criminosos no maltratado meio ambiente brasileiro.
(*) Cunha e Silva Filho é professor universitário, e mestre e doutor em Literatura Brasileira.
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