UMA MULHER DO OUTRO MUNDO
ELMAR CARVALHO
Sou representante comercial. Nessa qualidade, tenho percorrido o Piauí todo, de Luís Correia a Cristalândia. Certa feita, estava em Corrente, quando resolvi voltar a Teresina. Era uma sexta-feira, quase dezessete horas. Uma conhecida minha, colega de profissão, pediu-me carona. Achei bom ter companhia, pois amenizaria o tédio da longa viagem, e também porque, em caso de sono, ela poderia dirigir um pouco. Nesse tempo, a estrada, no trecho entre Bom Jesus do Gurguéia e Canto do Buriti estava bem ruim, com a presença de buracos no asfalto. Era uma bela noite de plenilúnio, e o luar descortinava as belas chapadas do cerrado. De repente, quando eu menos poderia imaginar, em plena solidão, em local onde só havia mato, vi uma bela mulher à beira do asfalto, como se estivesse esperando carona. Cabelos longos, louros, impecavelmente penteados, e um sofisticado vestido longo, como se fosse destinado a alguma festa. À luz do luar, aquela mulher loura e alva parecia ainda mais encantadora, quase como se fosse uma criatura celestial. Ainda pensei em parar, até porque tive que reduzir a velocidade para cerca de trinta quilômetros por hora, por causa dos buracos, que naquele ponto eram acentuados e profundos. Por essa razão, pude ver bem a mulher. Com efeito, era uma loura espetacular. Em duas palavras: longilínea e curvilínea, como uma deusa de Hollywood ou das passarelas. Ou do Olimpo, porém com menos carne e adiposidade. Não olhou propriamente o carro. Não me pareceu preocupada sobre se o veículo pararia ou não. Olhava em frente, como se mirasse o infinito ou algo inatingível. Parecia estar naquele ponto a cumprir um ritual, em que este fosse a finalidade em si mesma. Quando estava quase emparelhado com essa mulher, senti um forte calafrio, que me arrepiou a pele, e resolvi não parar. Olhei para minha companheira de viagem e vi que estava acordada, e que olhava em direção ao vulto feminino. Não trocamos palavra de imediato. Procurei imprimir ao carro o máximo de velocidade que as condições da estrada permitiam. Já de madrugada, quando passávamos pela cidadezinha de Eliseu Martins, resolvi perguntar-lhe se ela vira a mulher na beira da estrada. Com a pele arrepiada, a ouvi responder que aquela mulher não era deste mundo. Acrescentou que também tivera arrepios e sentira muito medo. Na rodoviária da cidade de Canto do Buriti, resolvi fazer uma parada, para desenfadar e tomar um pouco de café. No balcão da lanchonete, havia umas pessoas. Com a finalidade de exorcizar o medo que ainda sentia, resolvi narrar o episódio da bela mulher solitária, a pedir carona no meio do nada, ou melhor, em plena solidão do cerrado, num trecho em que durante vários quilômetros só havia floresta, sem nenhum indício da presença humana, excetuando-se a estrada. O dono da lanchonete, sem rodeios, falou que várias pessoas já disseram ter visto essa imagem, e que alguns motoristas, ou por bondade ou por segundas intensões, já lhe haviam dado carona, mas que a mulher, após um certo percurso, como por artes mágicas, simplesmente sumia do veículo, sem deixar o menor vestígio de sua presença. Acrescentou que dela emanava um forte e agradável perfume. Aduziu que um caminhoneiro, afoito e apresentado, tentou tocar as coxas da mulher, mas nada apalpou, exceto o banco do carro. Esse motorista, com o susto, quase vira o caminhão; ainda assombrado, quando teve coragem de olhar para o lado direito, não mais viu a mulher. Perguntei ao comerciante se ninguém sabia quem tinha sido, em vida, aquele belo fantasma de mulher. Meu interlocutor respondeu que se comentava que ela se casara, em Brasília, com o filho de um rico fazendeiro de São Raimundo Nonato, da região de Serra da Capivara, e que morrera de desastre automobilístico, na viagem de lua de mel, exatamente no trecho onde eu a vira, quando ela e o marido iam visitar o pai deste. Com a pele eriçada, paguei a despesa e segui viagem. Devo dizer que aquela linda imagem de mulher ainda me perseguiu por alguns anos, em minha lembrança e em meus sonhos. Contudo, nunca mais passei por aquele trecho de estrada, à noite.
ELMAR CARVALHO
Sou representante comercial. Nessa qualidade, tenho percorrido o Piauí todo, de Luís Correia a Cristalândia. Certa feita, estava em Corrente, quando resolvi voltar a Teresina. Era uma sexta-feira, quase dezessete horas. Uma conhecida minha, colega de profissão, pediu-me carona. Achei bom ter companhia, pois amenizaria o tédio da longa viagem, e também porque, em caso de sono, ela poderia dirigir um pouco. Nesse tempo, a estrada, no trecho entre Bom Jesus do Gurguéia e Canto do Buriti estava bem ruim, com a presença de buracos no asfalto. Era uma bela noite de plenilúnio, e o luar descortinava as belas chapadas do cerrado. De repente, quando eu menos poderia imaginar, em plena solidão, em local onde só havia mato, vi uma bela mulher à beira do asfalto, como se estivesse esperando carona. Cabelos longos, louros, impecavelmente penteados, e um sofisticado vestido longo, como se fosse destinado a alguma festa. À luz do luar, aquela mulher loura e alva parecia ainda mais encantadora, quase como se fosse uma criatura celestial. Ainda pensei em parar, até porque tive que reduzir a velocidade para cerca de trinta quilômetros por hora, por causa dos buracos, que naquele ponto eram acentuados e profundos. Por essa razão, pude ver bem a mulher. Com efeito, era uma loura espetacular. Em duas palavras: longilínea e curvilínea, como uma deusa de Hollywood ou das passarelas. Ou do Olimpo, porém com menos carne e adiposidade. Não olhou propriamente o carro. Não me pareceu preocupada sobre se o veículo pararia ou não. Olhava em frente, como se mirasse o infinito ou algo inatingível. Parecia estar naquele ponto a cumprir um ritual, em que este fosse a finalidade em si mesma. Quando estava quase emparelhado com essa mulher, senti um forte calafrio, que me arrepiou a pele, e resolvi não parar. Olhei para minha companheira de viagem e vi que estava acordada, e que olhava em direção ao vulto feminino. Não trocamos palavra de imediato. Procurei imprimir ao carro o máximo de velocidade que as condições da estrada permitiam. Já de madrugada, quando passávamos pela cidadezinha de Eliseu Martins, resolvi perguntar-lhe se ela vira a mulher na beira da estrada. Com a pele arrepiada, a ouvi responder que aquela mulher não era deste mundo. Acrescentou que também tivera arrepios e sentira muito medo. Na rodoviária da cidade de Canto do Buriti, resolvi fazer uma parada, para desenfadar e tomar um pouco de café. No balcão da lanchonete, havia umas pessoas. Com a finalidade de exorcizar o medo que ainda sentia, resolvi narrar o episódio da bela mulher solitária, a pedir carona no meio do nada, ou melhor, em plena solidão do cerrado, num trecho em que durante vários quilômetros só havia floresta, sem nenhum indício da presença humana, excetuando-se a estrada. O dono da lanchonete, sem rodeios, falou que várias pessoas já disseram ter visto essa imagem, e que alguns motoristas, ou por bondade ou por segundas intensões, já lhe haviam dado carona, mas que a mulher, após um certo percurso, como por artes mágicas, simplesmente sumia do veículo, sem deixar o menor vestígio de sua presença. Acrescentou que dela emanava um forte e agradável perfume. Aduziu que um caminhoneiro, afoito e apresentado, tentou tocar as coxas da mulher, mas nada apalpou, exceto o banco do carro. Esse motorista, com o susto, quase vira o caminhão; ainda assombrado, quando teve coragem de olhar para o lado direito, não mais viu a mulher. Perguntei ao comerciante se ninguém sabia quem tinha sido, em vida, aquele belo fantasma de mulher. Meu interlocutor respondeu que se comentava que ela se casara, em Brasília, com o filho de um rico fazendeiro de São Raimundo Nonato, da região de Serra da Capivara, e que morrera de desastre automobilístico, na viagem de lua de mel, exatamente no trecho onde eu a vira, quando ela e o marido iam visitar o pai deste. Com a pele eriçada, paguei a despesa e segui viagem. Devo dizer que aquela linda imagem de mulher ainda me perseguiu por alguns anos, em minha lembrança e em meus sonhos. Contudo, nunca mais passei por aquele trecho de estrada, à noite.
Caro bardo,
ResponderExcluirEu fiquei curioso em saber se este fato se classifica como onírico ou como "outro". É um belo causo!