O COURO DO LOBISOMEM
Elmar Carvalho
Na cidadezinha de Brocotó, na década de 1960, começaram a surgir os rumores de que um lobisomem percorria algumas ruas da cidade. Falavam que já fora visto ou escutado no beco do Fogo ou na rua Grande. Quando passava, se ouvia o som de chocalho e um uivo, semelhante ao de um lobo. Asseveravam que seu pelo era escuro e que andava sobre duas patas, mas levemente curvado para frente. Esses boatos diziam que fora visto perto da meia-noite ou alta madrugada. Geralmente, segundo os comentários, a fera só circulava mais na quarta ou na quinta-feira. Entretanto, só duas pessoas diziam ter avistado a assombração, de longe e no escuro, de sorte que não lhe viram nenhum detalhe, exceto que tinha pelo escuro.
Naqueles idos a luz em Brocotó era fornecida por velha usina termoelétrica, comprada de segunda mão, de outro município, cujo combustível era lenha. Funcionava de sete às dez horas da noite. Quando faltavam quinze minutos para o encerramento da luz, a usina soltava um longo apito, com o vapor da caldeira, e a energia era interrompida brevemente, por três vezes consecutivas. As pessoas diziam que a onça iria ser solta e tratavam de voltar para casa. Os boatos ficaram mais acentuados, e vários moradores do beco do Fogo juravam ouvir o som de chocalho e o uivo, por volta de zero hora ou de três para quatro horas da madrugada, como se fossem os horários em que o lobisomem saía para caçar e o de seu retorno, antes do nascer do sol, quando iria para o espojeiro, e ficaria a rolar no chão até voltar a ter a sua forma humana. As pessoas estavam assombradas, e já ninguém saía de sua casa depois de a luz elétrica apagar. Chico Paulo, ao ouvir uma dessas versões, que dava a hora, o itinerário e o dia da semana em que o bicho fazia as suas incursões diabólicas, disse que iria tirar essa boataria a limpo, e iria esperá-lo. Todos acreditaram porque ele era um homem de palavra e considerado corajoso, ao ponto da quase temeridade.
Escondeu-se na esquina de uma das ruas perpendiculares ao beco do Fogo, no vão de uma porta. Quando ouvisse o chocalhar da fera, iria se posicionar, e o laçaria. Quando o tivesse dominado, desfecharia uma forte pancada no cabelouro. Assim planejou e assim fez. Não teve nenhuma dificuldade para laçar a besta, porquanto andava ereta, quase como se fosse um ser humano. Admirou-se de seu tamanho, pois sua compleição era a de um homem pequeno e franzino. Também ficou pasmado com sua fragilidade e submissão. Quando se preparava para lhe aplicar o golpe mortal, ouviu uma voz feminina pedir clemência. Logo descobriu que se tratava da mulher de um comerciante da cidade. Ela terminou por lhe confessar que o couro que usava e o chocalho eram um artifício para não ser reconhecida, quando ia encontrar-se com seu amante, um jovem e fogoso estudante, que morava sozinho num quarto de aluguel. O motivo do dia do encontro ser na quarta ou na quinta-feira, é que esses são os dias em que seu marido ia fazer compras na capital, pois são dias de pouco movimento comercial em Brocotó. Pediu pelo amor de Deus que Chico não lhe revelasse o segredo; que, em troca de seu silêncio, se entregaria a ele.
Chico Paulo, embora fosse um caboclo forte e destemido, não era luxurioso, e ao prazer do sexo preferia contar sua proeza, com as fanfarronices de praxe, e inclusive a prova inquestionável, que seria a exibição do couro do lobisomem. Dizem que nunca alguém viu rastro de alma e nem couro de lobisomem. Mas o Chico mostraria não só o pau, mas também a cobra; ou seja, o chocalho e o couro do bicho. Poucos dias depois, o marido traído mudou-se para a cidade grande. Ali, seus chifres não seriam vistos e ele não seria alvo de deboche e zombaria, na qualidade de marido de lobisomem. A mulher foi com ele, pois sua filosofia pragmática era de que, puta por puta, preferia ficar com aquela a que já estava acostumado. E dizem as más línguas que foram felizes para sempre. Apenas nunca mais apareceu outro lobisomem na pacata e acanhada Brocotó.
Elmar Carvlaho:
ResponderExcluirMuito boa esta versão que conta da lendária figura do lobisomem, figura que encanta a nossa imaginação e ao memso tempo a amedronta. Já disse uma vez que as pessoas gostam de sentir medo, desde que se resguardem na forma de livro, de cinema ou teatro, ou simplemente de uma estória contada, em noite de luar, por um desses contadores, gratuitos ou pagos, que havia (não sei ainda se os há) no interior do país.
Como toda figura folclórica, o fato de ser, a toda a horam desmistificada, não a faz menos aliciante aos aficcinados de assombrações e de estórias de lêmures.
Nossa imaginação precisa, sim, desesescapes da realidade tão chã e tão insossa.
Esta eversão que você sabe tão bem narrar, aproveitando-se de uma ponta de leve ironia diante dasações desta comédia hilariante que é a vida social e suas dissimulações e surpresas.
São versões que n uçnca nos cansam e quem por isso, são de apelo universal.
Do amigo
Cunha e Silva Filho