quinta-feira, 23 de setembro de 2010
DALILÍADA
Capa, da autoria de Netto
A partir de hoje, todas as quinta-feiras, será publicada unidade do poema épico moderno Dalilíada, baseado na vida e na obra do pintor surrealista Salvador Dalí. Segue abaixo prefácio dessa obra obra poética, da autoria do professor doutor Cunha e Silva Filho, amarantino, há várias décadas radicado no Rio de Janeiro. O texto original se faz acompanhar de uma versão para o espanhol, da lavra da professora e escritora Clea Rezende Neves de Melo. O mestre e mago das artes plásticas João de Deus NETTO fez uma bela capa para a obra que infelizmente não pôde ainda ser editada.
DALILÍADA: UM POEMA E SUA HISTÓRIA
Cunha e Silva Filho (*)
“Na águas salobras da História ainda não se perdeu o sabor do mito e da poesia”.
Alfredo Bosi, O ser e o tempo da poesia
Na obra de um autor, seja ele poeta, ficcionista, dramaturgo, ou de outra natureza literária ou artística em geral, há sempre uma certa curiosidade, ou mesmo um desejo insatisfeito por parte do crítico de procurar penetrar nos mistérios imperscrutáveis que a criação literária impõe por vezes à exegese. Não por ocaso um respeitado crítico português, João Gaspar Simões, escreveu há muito tempo uma valiosa obra com esse título belo e sugestivo: O mistério da poesia.
No conhecido poema “Áporo”, que faz parte do livro A rosa do povo (1945), do consagrado poeta brasileiro Carlos Drummond de Andrade(1902-1987), exatamente na terceira estrofe, o eu lírico, entre parênteses, em forma de exclamação, afirma que o “labirinto”, metáfora utilizada para referir-se aos intrincados caminhos que levam o poeta à construção final de seu poema, cerca-se do binômio razão e mistério. (1) Estes dois componentes, em si antagônicos, na realidade se imbricam e constroem a sua tessitura literária.
Manuel Bandeira (1886-1968), outro notável poeta brasileiro, reserva para o ato da criação de alguns de seus poemas um certo halo misterioso, brumoso. No seu utilíssimo ensaio do que eu chamaria memórias de sua formação e criação literária, o seu famoso Itinerário de Pasárgada, Bandeira chega a falar de alumbramentos, de poemas passados ao papel como se fossem guiados por uma fonte mediúnica. (2) Ou seja, a criação poética estaria, dessa forma, situada entre dois extremos, a razão e o mistério, tomando os dois vocábulos no sentido em que aparecem no poema drummondiano “Áporo”. O ato da poiesis faz-se poema na sua fisicidade tipográfica na medida em que o artista reúne tanto a sua competência lingüística quanto um componente imponderável que, plasmando experiência retórica, memória, sentimento, transforma isso tudo em peça poética, coadjuvado - e aqui se encrava o mistério! – por processos criativos que se situam acima da racionalidade e invadem os arcanos míticos dessa maravilha do espírito humano, que é a criação poética.
É bem provável que todos os poetas de superior qualidade artística passem por tais experiências quando se deparam com o ato da escrita.
Essa mesma experiência propiciada pelo ato da criação literária, envolvendo razão e mistério,competência e naturalidade inventiva, me parece ter vivenciado o poeta Elmar Carvalho, nascido no Piauí, quando se dispôs a passar ao domínio da escrita o belo e complexo poema “Dalilíada.” Muitas vezes, um ou dois poemas são suficientes para se aquilatar a dimensão superior de um poeta.
“Dalilíada” faz parte do conjunto de poemas reunidos no livro Rosa dos ventos gerais”, (3) e aparece na seção “Cancioneiros dos Ventos Gerais”, a última de quatro que compõem o livro. As outras três são: “Cancioneiro do Ar”, “Cancioneiro do Fogo”e “Cancioneiro da Terra e da Água”.
Por ser, por feliz coincidência, amigo e leitor crítico da poesia de Elmar, disponho da vantagem de trocas de profícuas conversas telefônicas ou mesmo por correspondência com ele sobre questões literárias e sobretudo – porque isso sempre me interessou profundamente -, acerca de temas da criação literária. Dessa forma, vim a saber como Elmar chegou ao poema “Dalilíada”. Agora me lembro de uma situação semelhante que ocorria entre Amado Alonso e o poeta Pablo Neruda, na qual este último era insistentemente interpelado pelo primeiro sobre questões de interpretação de passagens mais complicadas da poesia de Neruda e que desafiavam a argúcia daquele crítico, conforme sobre o caso comentou recentemente o ensaísta e professor piauiense M. Paulo Nunes (4) em artigo publicado no jornal Diário do Povo.
Revelou-me Elmar Carvalho ter já há algum tempo um interesse especial pela pintura de Salvador Dali. E mais, perto de sua residência, em Teresina, conheceu um pintor entusiasta daquele artista catalão. O pintor possuía um álbum ou dois com obras de Dali. Elmar, então, fora à casa do pintor, conhecido como Sica, e, se não me engano, pediu-lhe emprestado o álbum ou os álbuns, que passou a examinar com muito interesse e curiosidade.
Parece-me também que Elmar Carvalho tinha já sentido um desejo de trabalhar um poema nos moldes surrealistas, manifestação poética de que também já havia experimentado em poemas anteriores, todos incluídos no citado Rosa dos ventos gerais: “No reino do surreal”(p.52); “Realidade fantástica” (p.76); “Em transe” (p.70; “(Ir) real”(p.79).
Mais de um crítico, inclusive o autor desta introdução, já aludiu à disposição de Elmar para a pesquisa e o experimentalismo no domínio da poesia. que se explica em parte pela cronologia de sua participação como jovem poeta da geração dos anos 70, denominada geração mimeógrafo, e em parte pela sua real inclinação reavaliadora da práxis poética. Em 1990, quando o conheci em Amarante, município do Piauí, me dei conta do valor e seriedade de seus processos de produção poética, reconhecendo nele e em outros poetas de sua geração, um viés subversivo e inovador de fazer poesia. (5)
“Dalilíada”, por conseguinte, é o resultado dessa vocação poética para um salto de qualidade que não concede, uma única vez sequer, - postura intelectual que o engrandece - , lugar às facilidades anacrônicas e a experimentalismos inconsistentes. “Dalilíada poderia ser uma concessão à aventura irresponsável no terreno poético? Não, nunca. Tanto assim é verdade que o poema, longo poema de 40 estrofes, em nosso juízo, parece ser, me arrisco a dizer, na sua espécie, uma peça ímpar, na lírica brasileira, a se aproveitar da simbiose entre arte da palavra, arte particularmente significante em se tratando de poesia, e arte pictórica.
Uma palavra sobre o título O vocábulo “Dalilíada” é formado da aglutinação de Dali, último sobrenome do pintor, pelo qual freqüentemente é chamado, com a exclusão até do sobrenome Salvador, com o famoso nome da epopéia grega de Homero, a Ilíada, que, segundo esclarece Hênio Tavares, corresponde à “forma portuguesa do grego ‘Iliás’, vindo do latim ‘Ilíada’, significando ‘a respeito de Ilion’, que era o nome de uma cidade da Ásia Menor.” (6) Esta circunstância me permite facilmente estabelecer uma explicação no que respeita ao título do poema de Elmar, i.e., o poema procura, antes de tudo, render um tributo ao conhecido pintor e escultor Salvador Dali.
Esta explicação, entretanto, por si só, demonstra um traço estilístico da poesia de Elmar, uma saudável inclinação às mudanças e experiências formais, já testadas em composições poéticas anteriores, conforme por mais de uma vez já ressaltei em estudos sobre o poeta. (7)
Ao dar, porém, o título “Dalilíada” ao poema, o autor, entre parênteses, define o gênero que escolheu, ou seja, um “poema épico”, como ele próprio o classifica. (8) A princípio, me pareceu inadequada a classificação por ele atribuída ao poema, se for levada em conta a forma canônica do gênero literário em causa. Todavia, se considerarmos a grandeza das imagens e das idéias convergindo para a exaltação do objetivo temático da peça poética - a figura enigmática e ao mesmo tempo múltipla do protagonista do poema, Dali e a sua obra - , compreenderemos que a aventura de uma individualidade pode também representar uma dimensão nacional e mesmo universal e cósmica, desde que para tanto ela consiga plasmar elementos díspares da realidade, não só concreta mas tomada na sua abstração e nos seus arcanos insondáveis. (9)
O esquema estrófico Mencionei linhas atrás que “Dalilíada” compõe-se de 40 estrofes assimétricas de versos livres, indicadas por números romanos, variando de 3 versos a 15 versos, assim distribuídos: 1 estrofe de 15 versos, a 1ª; 1 estrofe de 10 versos, a 2; 6 estrofes de 3 versos, a 3 ª; 11ª, 12ª,28ª e 36ª; 7 estrofes de 4 versos, a 6ª, 7ª, 13ª, 18ª, 19ª, 37ª e 38ª; 11 estrofes de 5 versos, a 4ª, 9ª, 10ª, 22ª, 23ª, 24ª, 25ª, 26ª, 27ª, 30ª e 32ª; 6 estrofes de 6 versos, a 5ª, 14ª, 17ª e 20ª;2 estrofes de 7 versos, a 8ª e a última, a 40ª; 1 estrofe de 8 versos, 2 estrofes de 9 versos, a 15ª e a 29ª; 2 estrofes de 12 versos, a 33ª e a 39ª.
O poema e sua espacialidade Uma das peculiaridades marcantes da poesia de Elmar Carvalho são os recursos buscados na configuração do espaço branco da página, expediente grafemático por ele empregado em muitos outros poemas que, desde cedo, dele fizeram um poeta atualizado, com o pé na modernidade e outro na grande tradição poética. Ainda hoje paga tributo ao Concretismo brasileiro em virtude desse apego à desintegração do vocábulo, à prática por vezes antidiscursiva e ao uso amplo da espacialidade como elementos significantes e significativos do discurso poético. De resto, tal procedimento contamina praticamente toda a poesia brasileira contemporânea, conforme se pode ver nos seus mais variados poetas. Na realidade, a tendência de utilizar-se de figurações, desenhos e aproveitamento do espaço branco da página para fins estéticos de comunicação do poético remonta à Antigüidade greco-latina, e me parece sem dúvida ter chegado para ficar.
“Dalilíada”, menos do que em outros poemas de Elmar, recorre, em dois momentos, a esse recurso de experimentação espacial, o qual podemos encontrar na estrofe introdutória e na sua penúltima estrofe. Essas duas estrofes, significativamente, em ludismo plástico-visual, realizam um jogo de “palavra-puxa-palavra” no qual o epicentro destaca, numa e noutra daquelas estrofes, a importância dos nomes de Dali e Gala, a amada do pintor. É interessante aqui constatar-se o poder de inventividade conseguido pelo poeta ao trabalhar esses dois nomes, quer no plano interno do poema, quer no da sua significação exógena.
No primeiro caso, vemos o nome de Dali: “Dali”, “Daqui”, "Dacolá”, “Daquém”, “Dalém”, versos 5 e 6. A distância que o poema espacialmente mantém na página ressoa iconicamente como a projetar a figura polêmica do pintor em várias direções e simultaneamente em todos os lugares intra e extratextualmente.
No segundo caso, temos o nome de Gala, que, no espaço da página, irrompe, em exclamação, em vocábulos derivados; “Galamante”, “Galamada”, Galáxia,” “Galáctica, “Galharda”, “Galatéia”, “Gala”(repetida três vezes, “Galante”, “Galardão”, “galáxias”. Na formulação lúdico-experimental de vocábulos dois se formam por aglutinação: “Galamante” e “Galamada” e, neste caso, com valor de adjetivo. São formações lexicais, observe-se, construídas pela intuição do próprio poeta. Os demais vocábulos fazem parte do léxico português, cuja funcionalidade antes reside na mera coincidência mórfica com o nome da amada de Dali, Gala. Saliente-se, por outro lado, que, no caso, esses outros vocábulos reforçam a apóstrofe dirigida à pessoa de Gala, em forma de amplificação laudatória das virtudes e qualidades dela, culminando no melódico verso final da estrofe: “... em teu gesto delicado de mulher”. (10)
Atente-se, finalmente, que o vocábulo “Galatéia”, tão imbuído de acepções mítico-helênicas, ainda reaparece no 7º verso desmembrado em Gala + teia, o que completa a constelação de semas gravitando em torno da beleza e delicadeza da musa de Dali.
A explosão vocálica como força centrípeta do binômio: vida e obra de Dali Uma vez chamei Elmar Carvalho de um “malabarista do verso, (11) porquanto seu verso em geral resulta de um trabalho sério de pesquisa da linguagem. Nada nele denuncia gratuidade ou apenas afetação de procedimentos por ele seguidos na composição de sua obra poética. Seus recursos rítmicos, melódicos e de retórica lhe traem o empenho de construtor de imagens e idéias com o sinete da originalidade, ainda que, como não podia deixar de ser, se aproveitando das lições de grandes mestres da tradição poética do Ocidente, brasileiros ou estrangeiros, não importa. Parece-me que esta atitude intelectual é que forjará, de forma permanente, os autênticos inovadores da poesia de qualquer época.
No poema “Dalilíada” essa dimensão renovadora se acha patente a todo passo e nele quase chega a ser uma obsessão o apego às preocupações metapoéticas.
No poema como este que venho comentando, cuja pretensão de efetivar uma fusão entre o signo lingüístico e a linguagem plástica é mais que evidente, não é preciso grande esforço do leitor para compreender as dificuldades enfrentadas pelo poeta durante o processo de elaboração do poema e sua conseqüente realização escrita.
Sabemos que desde, pelo menos, os parnasianos, existiu o interesse entre os poetas de concretizar uma poesia onde a linguagem do verso pudesse se harmonizar à imagem plástica, donde resultasse uma poesia aproximada às formas sólidas e marmóreas, de efeito táctil. Nesse ponto, assumiram relevância especial o valor e a função desempenhados pelas vogais e consoantes, às quais se atribuiriam “sons, cores e sentimentos”. (12)
Da mesma sorte, no Simbolismo houve constantemente uma aproximação entre este estilo literário e a música, consoante nos lembra a advertência verlaineana: “De la musique avant tout chose...” Igualmente, ficaram famosas as “correspondences” que aparecem no soneto “Voyalles”, de Rimbaud, destinando a cada vogal uma cor correspondente: A noir, E blanc, I rouge, U vert, O bleu”. (13)
No mesmo sentido de correspondência entre os sons das palavras e os elementos naturais, poder-se-ia incluir o esforço despendido no soneto de Baudelaire, “Correspondences”, no qual “Les parfums, les couleurs et les sons se répetent”. (14) Na mesma esteira dessas correspondências existentes no soneto acima-mencionado de Baudelaire, tivemos o que se chama “instrumentação-verbal”, quer dizer, haveria correspondências sinestésicas entre as vogais e as cores, entre os instrumentos, os sons e certas sensações Essa “instrumentação-verbal” representaria, segundo George Lote, uma correspondência entre as vogais a, e, i, o, u, e, respectivamente, um órgão musical, uma cor e um sentimento. (15)
Ao longo de “Dalilíada” evidenciou-se um dado fônico-visual-semântico nos versos constitutivos do poema que instauram uma tensão entre a sua significação como objeto verbal e sua realidade histórico-social. Esse dado seria simbolizado pela altíssima ocorrência da vogal extrema anterior fechada “i”, observável estrategicamente a partir do locus interno do poema, i.e., em vocábulos que começam significativamente pelo próprio nome de Dali, onde a vogal tônica recai no próprio “i” final. Estou a me lembrar aqui, mutatis mutandis, da grande incidência de vocábulos referentes à cor branca na poesia do simbolista brasileiro Cruz Sousa (1861-1898).
Só para exemplificar, vejamos, na primeira estrofe do poema, a elevada taxa de incidência dessa vogal anterior, extrema, fechada nos vocábulos onde ela comparece (a vogal, ou o fonema aproximado, está em negrito):
1º verso: bigode, surreal
2º verso: chifre, aguilhão
3º verso: Dali, toureiro
4º verso: toureia, consigo
5º verso: Dali, Daqui
6º verso: Daquém, dalém
7º verso: de, arte
8º verso: de, arte
9º verso: de, ante, maviosa
10º º verso: onde, arde, tarde
11º verso: noite, dia, surreal
12º feita, de, e
13º de,cores, (b)errantes
14º verso: e, de, pusilânime
15º verso: Cores, cambiantes
Como vemos, só nesta estrofe, a referida vogal e bem assim a semivogal que dela se aproxima foneticamente em ditongos decrescentes e nas formas verbais terminadas em som nasal, estão presentes 41 vezes! Note-se ainda que levei em conta igualmente as vogais reduzidas assinaladas na escrita com a letra “e”, mas, na pronúncia nordestina piauiense (o autor do poema, como sabemos, é piauiense), é equivalente a um “i” reduzido inicial, medial ou final.
Em todo o poema essa ocorrência me permite concluir pelo valor de natureza cratílica assumido pela vogal “i” associada ao tema desenvolvido no poema, cujo epicentro de atração, no plano de sua semântico, se apóia na figura de Dali e de sua obra.
O intertexto em “Dalilíada” No poema o intertexto reveste dois aspectos, quer dizer, como prática alusiva através da apropriação de uma vanguarda datada, sem embargo de seus reflexos ainda sentidos na poesia contemporânea e como recurso de intertextualidade exóliterária (16), ao procurar um fazer poético recorrendo a elementos fora da área propriamente poética, ou seja, na biografia e na pintura de Salvador Dali.
O crítico inglês, (17) I. A. Richards (1893-1979) uma vez afirmou que um traço no futuro da poesia seria o amplo recurso das alusões, o que, na realidade, já está acontecendo em nossos dias, Cada vez mais, estamos lendo uma poesia na qual existe mesmo uma certa dificuldade de se poder delimitar as fronteiras fugidias do componente alusivo e da contribuição pessoal, gerando, dessa forma, uma espécie de aparente crise de originalidade.
Em “Dalilíada” pode-se reconhece, em grau elevado, um desfilar de referências provindas de fontes histórico-literário-culturais, afora a apropriação de recursos formais imagísticos e de procedimentos tomados à poesia surrealista. Por sinal, na estrofe inicial do poema, 12º verso, há até mesmo a nomeação do próprio vocábulo “surreal”. (18)
Nos versos do poema se entrecruzam referências intertextuais variadas, remetendo à figura de Picasso, à mitologia greco-latina, a ecos drummondianos, a ecos bandeirianos, ao sintomático nome do surrealista Paul Éluard, ao pintor renascentista Rafael, ao Cristianismo, e sobretudo à própria textualidade do poema, esta, sim, contaminada, em toda a sua inteireza, pela realidade magnetizada e fantástica provocada pela obra ímpar de Dali.
Considerações finais Os comentários aqui aflorados se direcionam mais a apontar algumas vias analíticas de interpretação suscitadas pela leitura desse vigoroso e bem articulado poema, talvez, como assinalamos antes, um trabalho pioneiro na lírica brasileira.
Elmar Carvalho, admirador antigo de Dali, um dia resolve, em mais um exercício de malabarismo poético, após cuidadosa pesquisa e amadurecimento sobre a visão que lhe passou Dali no campo da pintura, empreender, guiado pela intuição e debruçado sobre um ou dois álbuns com quadros do pintor catalão, escrever essa “epopéia moderna” como resposta à inspiração, em parte brotada do inconsciente surrealista mimético (de repente, delineou-se-lhe na cabeça o poema quase pronto, me confessou o autor), em parte ditada pela competência literária de prestar este merecido tributo à memória do grande e polêmico artista, que foi Salvador Dali.
NOTAS:
1 Ao escrever esta breve introdução, preliminarmente, serviu-me de inspiração a engenhosa análise sobre a poesia de Carlos Drummond de Andrade feita por Rosemary Arroyo, em estudo acerca da prática da tradução literária no domínio do inglês, no caso específico, a poesia. Ver ARROYO, Rosemary. Oficina de tradução: a teoria na prática. 4. ed. São Paulo: Ática. Coleção Princípios, 2002.
2 BANDEIRA, Manuel. O itinerário de Pasárgada. In: ____. Poesia completa e prosa. Vol. único. Rio de Janeiro: Nova Aguilar, 1986, p. 32-102.
3 CARVALHO, Elmar. Rosa dos ventos gerais. 2ed. Rev. Aumentada e melhorada, com fortuna crítica. Teresina: SEGRAJUS, 2002, P. 173-181.
4 Ver NUNES, M. Paulo.A lição poética de Neruda. Diário do Povo. Teresina,Pi., 29/07/2004.
5 Ver o meu artigo “A consciência poética atualizada”, publicado primeiro no jornal Diário do Povo. Teresina, Pi., 13/01/95, em seguida, incluído como posfácio para a primeira edição de A rosa dos ventos gerais. Teresina: Editora Gráfica, 1996 e, finalmente, incluído também em Rosa dos ventos gerais. 2. ed., op. Cit.
6 TAVARES, Hênio. Teoria literária. 8. ed. Belo Horizonte: Editora Itatiaia Ltda., 1984. p. 241.
7 Ver um outro estudo de minha autoria, “Elmar Carvalho: um malabarista do verso”, originalmente publicado no Caderno de Teresina, Ano X, nº 23, agosto de 1996, e, posteriormente, também incluído na 2ª ed. de Rosa dos ventos gerais, na qual ainda está incluído, como introdução, meu ensaio sobre o poeta , “Encontro, poesia e vida.”
8 CARVALHO,Elmar. Rosa dos ventos gerais. 2. ed. Op. cit., p. 173.
9 MENDONÇA TELES, Gilberto. Vanguarda européia e modernismo brasileiro. 2. ed. Petrópolis, RJ.: Vozes, 1973, p. 122-125, e p. 126-160.
10 CARVALHO, Elmar. Op. cit., p. 181.
11 Cf. minha nota 7 supra.
12 WEY, Válter. Língua portuguesa. 3ª série, curso colegial. São Paulo; Editora do Brasil, 1963, p. 158.
13 MOISÉS, Massaud. O simbolismo (1893-1902). Vol. IV. São Paulo: Cultrix, 1966, p.41.
14 Idem, p. 37.
15 Ibidem, p. 39-40.
16 AGUIAR E SILVA, Vítor Manuel de. Teoria da literatura. 6.ed. ver., vol. I. Coimbra: Livraria Acadêmica, p. 1984, p. 629.
17 RIACHARDS, I.A. Princípios de crítica literária. Porto Alegre: Globo, 1967, p. 181-185.
18 Carvalho, Elmar. Op. cit., p. 173.
Rio de Janeiro, 29 de agosto de 2004
(*) Cunha e Silva Filho é mestre e doutor em Literatura Brasileira, professor universitário no Rio de Janeiro e tem vários livros e artigos publicados.
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