terça-feira, 30 de novembro de 2010

DIÁRIO INCONTÍNUO


30 de novembro

HUMILDADE DE UM LEPROSO

Elmar Carvalho

Durante alguns meses do ano de 1976, trabalhei no setor de encomendas internacionais (ou colis postaux) dos Correios, que funcionava num dos andares do prédio da Delegacia do Ministério da Fazenda, em Teresina. O encarregado de fiscalizar as mercadorias era o auditor-fiscal da Receita Federal José Parentes de Sampaio, com quem terminei fazendo amizade, apesar de ser bem mais velho que eu, então um garoto de 20 anos de vida. Nessa época, eu fazia o último ano do antigo científico, hoje segundo grau. Tentava me firmar como poeta, e a poesia estuava em mim com muita força e intensidade. Mostrava os poemas manuscritos, recém saídos do bico da esferográfica, ao Zé Parentes ou os recitava em voz alta e com gestos largos de muito entusiasmo. Era ele um cidadão refinado. Gostava de música erudita, de jazz e das grandes bandas americanas. Era uma cultura enciclopédica. Sabia um pouco de tudo e sabia muito de muitas coisas. Gostava de conversar com ele, quando o serviço me permitia. Ele gostava de resolver palavras cruzadas, e disso e de suas leituras adquiria muito de sua erudição. Sem ser um pernóstico, tinha um vocabulário riquíssimo, e um dia deixou-me perplexo com um advérbio que me atribuiu e que eu desconhecia na época; disse que eu era supinamente inteligente. Fiquei na dúvida se era um elogio ou se uma gozação, e por isso olhei para ele com um ar que pretendia fosse irônico. Ele sentiu a minha ignorância e traduzia o vocábulo para um português vulgar.

Vez ou outra, ele era visitado pelos seus colegas do Ministério da Fazenda, que eram seus amigos. Por lá passavam o ex-deputado Milton Aguiar, Chico Eduardo, pai do magistrado Carvalho Neto, Alberone Lemos e o professor Barreto, o velho Barretão de guerra, sempre alegre, de alegria esfuziante, com a sua voz de potente trombone, invariavelmente a enriquecer suas frases com a sua interjeição predileta: caramba! Alberone andava sempre elegante, a ostentar boas roupas, um belo cinto e uma fina gravata, que jamais relaxava. Gozava de prestígio no conceito das pessoas por ter o título de correspondente de importante jornal do sul do país. Era pai do Alberone Filho, grande jornalista, de redação ágil e cultor das belas letras. Falecido precocemente, deixou um romance inédito. Se não estou enganado, o Kenard Kruel, que lhe tinha admiração, andou tentando editar essa obra. Certa feita, no auge de minha empolgação juvenil, recitei para o Barretão um poema que acabara de fazer, e que terminei extraviando em minhas andanças e descuidos da mocidade. Em certo trecho, em flagrante exagero, eu dizia nesses versos que “quisera ter a humildade de um leproso”. Quando eu pronunciei essa frase, o Barreto caiu por terra, como se fosse um muçulmano, a bradar com sua voz estentórica, enquanto beijava, repetidas vezes, o tapete que cobria o piso da sala: “Grande, grande humildade! Caramba!” No começo do ano seguinte, retornei a Parnaíba, para cursar Administração de Empresas. Poucos anos depois, para minha tristeza, soube da morte de Zé Parentes, ainda relativamente novo, para os dias atuais. Ao que me parece, foi uma cultura que poderia ter se multiplicado através da escrita e da cátedra, mas que ficou contida em si mesma e nas raras ocasiões em que se manifestava através de saborosas conversas.



Simão Pedro disse...

Lendo o texto, fiquei refletindo na expressão "Humildade de um leproso", esse mal terrivel que até hoje resiste, já foi mais temido em épocas passadas. Na judéia, ao tempo de Jesus, eles viviam numa região conhecida como vale dos imundos,morriam ali abandonados pela sociedade e pela própria familia,e eram dados como mortos. Jesus, quando os curava, lhes recomendava se apresentarem às autoridades para que tivessem seus nomes reinscritos no livro dos vivos,e sempre os aconselhava para que não tornassem a pecar. Depois da partida do Mestre, uma mulher se tornou a grande líder deste vale, abandonada pelos discípulos, vai cuidar destas criaturas nesse vale de dores. Convivendo com eles,levando o pão espiritual que lhes faltava, tratando suas feridas, consolando e confortando os irmãos de infortunio,termina por adquirir o terrível mal. Ao ver sua pele antes limpa e macia ser tomada por manchas violáceas, seu corpo sendo invadido por chagas purulentas, se regozija e agradece a Deus por estar contaminada.Finalmente recebe a lição que lhe faltava. Ela que teve a seus pés ricos e poderosos, a corte de César, de Herodes e o própio Sinédrio,ela que foi a mais poderosa e rica mulher de toda a Judéia, nunca conheceu o verdadeiro amor. Estava ali agora, doente, pobre e abandonada, mas com o coração feliz pois finalmente encontrara o verdadeiro amor na dedicação e no amor ao próximo.Essa mulher que nos dá essa grande lição de humildade, foi também a maior coversão do evangelho, se chamava simplesmente Maria de Magdala.
Que tenhamos também um dia, a humildade dos leprosos.

5 comentários:

  1. Lendo o texto, fiquei refletindo na expressão "Humildade de um leproso", esse mal terrivel que até hoje resiste, já foi mais temido em épocas passadas. Na judéia, ao tempo de Jesus, eles viviam numa região conhecida como vale dos imundos,morriam ali abandonados pela sociedade e pela própria familia,e eram dados como mortos. Jesus, quando os curava, lhes recomendava se apresentarem às autoridades para que tivessem seus nomes reinscritos no livro dos vivos,e sempre os aconselhava para que não tornassem a pecar. Depois da partida do Mestre, uma mulher se tornou a grande líder deste vale, abandonada pelos discípulos, vai cuidar destas criaturas nesse vale de dores. Convivendo com eles,levando o pão espiritual que lhes faltava, tratando suas feridas, consolando e confortando os irmãos de infortunio,termina por adquirir o terrível mal. Ao ver sua pele antes limpa e macia ser tomada por manchas violáceas, seu corpo sendo invadido por chagas purulentas, se regozija e agradece a Deus por estar contaminada.Finalmente recebe a lição que lhe faltava. Ela que teve a seus pés ricos e poderosos, a corte de César, de Herodes e o própio Sinédrio,ela que foi a mais poderosa e rica mulher de toda a Judéia, nunca conheceu o verdadeiro amor. Estava ali agora, doente, pobre e abandonada, mas com o coração feliz pois finalmente encontrara o verdadeiro amor na dedicação e no amor ao próximo.Essa mulher que nos dá essa grande lição de humildade, foi também a maior coversão do evangelho, se chamava simplesmente Maria de Magdala.
    Que tenhamos também um dia, a humildade dos leprosos.

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  2. Caro amigo, seu comentário tras a tona a figura de um Tio muito querido. Tio Alberone, morador da Rua Machado de Assis, hoje Coelho Rodrigues,era uma figura admirável, elegante e educado, homem culto e inteligente,era portador também de grande vaidade. Muita coisa aprendi com ele, passava minhas férias na sua casa desde o inicio da década de 70. Casado com Dona Irene Andrade, irmã mais velha do Turuka, dedicou-se com muito orgulho a profissão de Jornalista e funcionário da Receita Federal.Tenho boas lenbranças dele e admirava muito suas boas maneiras.

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  3. Caro Simão Pedro,
    Vc voltou com força total ao blog e fez dois elucidativos comentários, que enriquecem sobremaneira o meu texto. O seu tio Alberone, que só conheci superficialmente, do modo como narrei, é ligado a Campo Maior, pelo casamento com a sua tia, conforme vc contou, e o Zé Parentes era nosso conterrâneo.

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  4. Poeta Elmar Carvalho, eu tambem sou de Campo Maior nascido e criado na Praça da Bandeira em frente ao antigo SANDU, sou filho do Tonico Aragão não sei se voce conhece, mais quando voce fala do Farmaceitico Jose Parente de Sampaio que era tambem Campomaiorense nascido na Av Vicente pacheco na casa do seu avo Coronel Benicio R de Sampaio, eu fui criado chamando de tio Zezé que era um tratamento muito carinhoso aminha mãe Nilsa de Miranda Sampaio foi criada pelo avo dele o Coronel Benicio eu o conheci muito de perto e concordo plenamente com tudo que o poeta falou dele pois ele merecia muito mais.Ab João Antonio Aragão

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  5. Caro amigo,eu não estive ausente, apenas estava em silêncio,quando um comentário me toca eu simplesmente não resisto.

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