quinta-feira, 16 de fevereiro de 2012

DIÁRIO INCONTÍNUO


16 de fevereiro

CARNAVAL NA COLÔNIA DO CARPINA

Elmar Carvalho

Nestes dias que antecedem o carnaval, mormente por causa do desfile dos corsos, ou carros alegóricos momescos, que fizeram Teresina entrar para o Guinness Book, como a terra em que se realiza a maior folia dessa modalidade carnavalesca, lembrei-me da pessoa que se chamou Edmílson Neves de Moraes. Não foi ele um herói, nem político, nem artista. Quiçá poderia ter sido um herói e artista, a seu modo; herói do cotidiano, da luta pela vida, pelo sustento da família, e artista do bem e do bom-viver, sem arestas, sem egoísmo e sem ganância. Foi um boêmio, no bom sentido da palavra. Nunca fez mal a ninguém, exceto, talvez, a si mesmo. Não o conheci pessoalmente, mas apenas pelo que me contaram Fátima, minha mulher, e o Diá (Francisco Rodrigues), meu cunhado.

Era um tipo divertido, sempre bem-humorado. Gostava de “aprontar” uma presepada com os amigos, apenas por pura diversão. Quando tinha dinheiro, não media distância para patrocinar uma boa farra. Pagava sempre a maior parte da despesa ou mesmo tudo. Serviu na sede da Capitania dos Portos do Piauí, em Parnaíba, quando trabalhou com o Diá. Quando sóbrio, era calado, um tanto monossilábico, o que talvez fosse indicativo de certa e disfarçada timidez. Entretanto, quando tocado pelos vapores etílicos, falava pelos cotovelos, transmudando-se em verdadeiro papagaio. Nessas ocasiões, desfiava vasto repertório de piadas, tanto as que decorava, como as que inventava, ou ainda as do anedotário de que ele era protagonista.

Após morar em Parnaíba durante muitos anos, mudou-se para Natal, onde se aposentou no posto de sub-tenente da Marinha, e onde veio a falecer. Era casado com dona Darci, natural do Pará. Ao longo de sua vida, soube construir boas amizades, que lhe tinham estima e consideração. Na sua faceta boêmia, gostava de dançar, e era considerado um mestre da dança, um verdadeiro e legítimo dançarino, creio que polivalente, tanto pé-de-valsa, como pé-de-forró e de qualquer dança. À falta de outra música, talvez patrioticamente até dançasse ao som de um hino ou de uma marcha marcial.

Consta, em sua hagiologia, que São Francisco de Assis teria beijado um leproso. Talvez esse fato seja símbolo de humildade ou de fraternidade ou de ambos os sentimentos ao mesmo tempo. O sargento Edmílson, quando tocado pelo álcool, tornava-se arrebatado em sua humanidade. As forças líricas e profundas da vida e da dimensão humana se apossavam dele, com tamanha intensidade, que lhe levavam a ir dançar, tanto no carnaval como em alguns finais de semana, no leprosário da Colônia do Carpina, na época um local ermo, estigmatizado, considerado distante do centro de Parnaíba. Aflorava-lhe na dança a fraternidade, a humildade, e mais do isso o seu desejo de comunhão humana, de se misturar com os excluídos, os desvalidos, os estigmatizados e miseráveis.

Quando retornava para casa, a sua mulher, dona Darci, após ele lhe contar a proeza, tida então como altamente temerária, se não mesmo uma arrematada loucura, mandava que ele tomasse um banho de álcool. Na época em que as músicas de carnaval eram realmente músicas, em que, além das harmoniosas melodias, as letras eram verdadeiros poemas, bem elaborados, de denso conteúdo, em que não raras vezes transparecia um matiz elegíaco, como bem observou o excelso poeta Manuel Bandeira, no poema Na boca: “Sempre tristíssimas estas cantigas de carnaval”. Provavelmente repontasse na alma sensível do sargento Edmílson uns laivos de melancolia, ao ouvir essas belas e por vezes tristes marchinhas dos carnavais de outrora. Uns tomavam o éter dos lança-perfumes, o sargento Edmílson tomava etílica alegria...

Nenhum comentário:

Postar um comentário