29 de fevereiro
ALFREDO FAIT OU O “ESPANHOL” QUE VEIO DA ITÁLIA
Elmar Carvalho
Nas diversas vezes em que fui a Parnaíba, em anos anteriores e em meu período de férias de janeiro/2012, sempre via numa das garagens do condomínio uma velha bicicleta. A informação que eu tinha era de que ela pertencia a um espanhol, que possuía um apartamento no terceiro andar. Nunca coincidiu encontrá-lo, mesmo porque muitas vezes ele estava viajando para outro estado do território nacional ou para algum país estrangeiro. Numa das vezes, minha mulher entrou em contato com ele, para pedir-lhe permissão para usar uma de suas garagens. O pleito foi deferido de boa-vontade, sem nenhum tipo de dificuldade ou empecilho.
Na folga prolongada do carnaval, precisei tratar de um assunto com o síndico. Foi, então, que conheci o “espanhol”, que também esperava o Reginaldo Mendes. Minha mulher, que já o conhecia, encarregou-se de fazer as apresentações. Enquanto ela foi mostrar ao síndico o problema que nos afligia, fiquei a conversar com Alfredo Fait. Era um tipo ariano, alvo e de olhos azuis. Entretanto, para minha surpresa, quando lhe perguntei pela Espanha, disse ser italiano, de uma pequena cidade situada perto da bela e legendária Veneza, do “gondoleiro do amor” dos sublimes versos do nosso Castro Alves.
Através da conversa, fiquei sabendo ser ele psicólogo e antropólogo. Quando me disse ser italiano, informei-lhe que, por grande coincidência, no final do ano passado e no início deste, estivera lendo Ungaretti e relendo os poetas Carducci, Salvatore Quasimodo e Eugenio Montale. Acrescentei que pretendia ler mais versos do conde Leopardi. Alfredo Fait disse ser este, excetuando-se o poeta dantesco, o maior dos vates da Itália. Para completar essas coincidências, falei-lhe que no momento estava lendo o romance O Cemitério de Praga, de Umberto Eco, mas que não o estava achando tão bom quanto O Nome da Rosa, que achei de alto nível, assim como igualmente o filme nele baseado.
Alfredo concordou com minha opinião, e disse ser um cinéfilo. Nesse ponto, de forma natural, sem nenhum ranço de exibicionismo, convidou-me a conhecer a sua coleção de DVDs, além de livros e obras de arte. Combinei que na segunda-feira, às nove horas, iria visitar o seu apartamento, que na verdade são dois, já que ele se viu obrigado a comprar um outro, pegado ao primeiro, para poder acomodar esses vários objetos culturais. Autografei-lhe alguns livros de minha autoria, especialmente Rosa dos Ventos Gerais e Lira dos Cinqüentanos (ressalto que deste último o bom e velho trema ainda não foi defenestrado, principalmente do título).
Quando falamos em cinema, de que gosto muito, desde a minha infância, expliquei-lhe que o açucarado Dio Come te Amo, marcou época no Brasil, e arrancou lágrimas e soluços de muitas moças brasileiras, que se encantaram e se comoveram com essa película. Disse-me ele que essa fita já não é lembrada na Itália, onde não teve o valor que lhe foi atribuído no Brasil, talvez mais pela bela voz de Gigliola Cinquetti, igualmente bela, então quase uma esbelta ninfeta.
Acho que a música, sem dúvida, concorreu para o sucesso da romântica fita, que, de resto, contava uma história um tanto vulgar. Não tive como não falar nos macarrônicos “faroestes”, aduzindo que Giuliano Gemma foi um dos ídolos cinematográficos de minha geração. Ao nome deste ator, Alfredo acrescentou o de Franco Nero. Frente à violência dos filmes de ação de hoje, esses caubóis mais parecem ingênuos e quase inofensivos mocinhos, em seus cavalos, com os seus chapéus e com os seus revólveres de poucos balas.
Na segunda-feira de carnaval, na hora marcada, em companhia de Fátima, fui visitar o ex-espanhol. Pude ver o seu notável acervo de DVDs cinematográficos. Pude olhar alguns velhos cartazes de filmes, que foram marcos na história da sétima arte. Mostrou-me sua enorme coleção de CDs de música erudita. Falei-lhe de minhas preferências nessa seara musical. Entre seus livros, em vários idiomas, havia muitos álbuns, com excelentes ensaios e reproduções de obras de arte. Pude, também, apreciar seus quadros e esculturas, distribuídos nos dois imóveis, que serão conjugados, futuramente.
Além de tudo isso, vi uma considerável coleção de insetos, colocados em mostruários de vidro, que ele adquiriu em suas viagens internacionais. Entre esses insetos e animais, havia um vampiro, de uma espécie que nunca eu havia visto, nem na televisão, nem em livros e revistas. Não tive como deixar de fazer referência ao elegante e sanguinário Conde Drácula, mas o interpretado por Christopher Lee, em seu velho e sombrio castelo, em cuja película apareciam as névoas e os lobos, com seus enregelantes uivos, tudo sem a violência exagerada e sem o excesso de efeitos especiais dos vampirescos filmes de hoje.
Comentou que começara a ler alguns de meus poemas. Especificamente, referiu-se aos de matriz surrealista, mormente ao Dalilíada, inspirado na vida e na obra de Salvador Dalí, que, à falta de melhor classificação, chamo de épico moderno. Disse-me que irá escrever um trabalho sobre esses versos, não dando nenhuma pista sobre como será essa abordagem. Creio que tanto poderá ter um enfoque eminentemente literário, como poderá seguir um viés psicológico, mormente em relação aos poemas surrealistas; poderá, ainda, haver um enquadramento antropológico e sociológico, no tocante aos versos sociais, de denúncia.
No final da visita, emprestou-me uma obra sobre o surrealismo e o dadaísmo, que folheei lentamente, à noite, até mais de uma hora da madrugada. Devolvi-o no dia seguinte, oportunidade em que revi várias obras de seu rico acervo e me deleitei com outras que não vira no dia anterior. Reafirmou o seu compromisso de escrever o texto (talvez artigo ou pequeno ensaio) sobre minha poesia. Quando o fizer, pretendo publicá-lo na internet. Contudo, não o cobrarei e nem o apressarei. Segundo a Bíblia, há tempo para tudo. Assim, há que haver o tempo de esperar. Inclusive as messes e as dádivas.
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