19 de julho Diário Incontínuo
A MORTE E OS ANIMAIS
Elmar Carvalho
Quando a urna mortuária do cardeal Dom Eugênio Sales
foi exposta na Catedral Metropolitana do Rio de Janeiro, uma pomba,
completamente branca e perfeita, pousou sobre ela, em meio a várias
pessoas, e ali permaneceu por mais de quarenta minutos. O fato foi
visto nacionalmente, através das várias redes de televisão.
Certamente, alguns dirão que foi mero acaso ou simples capricho da
natureza, enquanto outros lhe darão algum sentido místico, e
interpretarão o caso como algum sinal enviado por Deus. Aproveitarei
o ensejo para contar alguns outros fatos similares, de que tenho
conhecimento.
A irmã do saudoso Abdoral Paz, colega e amigo de meu
pai, criava uma curica, na zona rural em que morava, com todo mimo,
cuidado e amor. A moça lhe dedicava a atenção digna de uma mãe.
Já não me recordo se o episódio me foi contado pelo senhor Abdoral
ou se por sua mãe, dona Cipriana, que conheci no conjunto do IPASE,
em Campo Maior, em minha adolescência.
Já essa senhora era viúva e bastante idosa, quando eu
soube do acontecimento que passo a relatar. A dona da curiquinha
morreu ainda muito jovem, e foi sepultada no cemitério da localidade
rural em que morava. Se não estou enganado, no sétimo dia de seu
falecimento, a ave, que era domesticada e mansa, e nunca ansiara pela
liberdade dos grandes voos, sobrevoou a casa, pronunciando o nome de
sua dona, e depois partiu para nunca mais retornar.
Li, já não me recordo onde, que o grande jurista
Clóvis Beviláqua, nascido em Viçosa do Ceará, era um homem de bom
coração, e gostava de dar comida às aves que se acercavam de sua
residência. Consta que os passarinhos adentravam suas janelas, e
adejavam em seu interior. Talvez, instintivamente, tenham percebido
que o grande civilista lhes queria bem, e lhes protegia, e por isso
mesmo seria incapaz de lhes fazer qualquer mal.
Soube que um grande comerciante de uma cidade do
interior do Piauí, salvo engano Floriano, era um homem muito bom e
caridoso. Quando foram levá-lo ao cemitério, para o sepultamento,
em grande cortejo fúnebre, um bando de pássaros acompanhou o
féretro até o cemitério, como se estivessem a lhe prestar uma
homenagem ou como se anunciassem algum prodígio, ou talvez como se
estivessem a proclamar que, com a morte daquele homem, nascera um
novo santo.
Gonçalo Furtado de Carvalho, primo de meu pai, nasceu
em Piripiri, mas radicou-se em Esperantina, onde constituiu família
e foi dentista prático, como se dizia, numa época em que os
odontólogos eram avis rara. Foi ele poeta e exerceu a vereança em
sua terra adotiva, da qual tornou-se cidadão honorário. Criava ele,
com todo amor e dedicação, um lindo gato de raça, que lhe
retribuía com esses mesmos sentimento e predicado. Para surpresa de
todos, quando o cortejo fúnebre estava prestes a deixar o local do
velório, o felino, subitamente, saltou para cima do colo de seu
falecido dono, e começou a lhe beijar, como se estivesse se
despedindo, como se pressentisse que nunca mais o veria.
Tempos atrás, assisti a uma reportagem televisiva, em
que se contava que um cão, em uma grande cidade, conseguiu encontrar
o mausoléu de seu dono, tendo passado a morar em sua capela
memorial. A matéria trazia a opinião de supostos “entendidos”,
e levantou várias hipóteses, entre as quais a do faro apurado do
animal, para explicar sobre como o cachorro conseguira encontrar a
última morada de seu dono. Pelo que estou lembrado, não foi dado
muita relevância ao que o cão deveria sentir pelo morto, a ponto de
passar a viver no local em que ele fora sepultado.
Hoje se discute sobre alguns atributos dos chamados
animais irracionais. Vários estudiosos levantam a possibilidade de
que certos mamíferos teriam consciência de seu próprio ser, e de
que alguns animais se reconheceriam em um espelho. De qualquer sorte
não tenho notícia de que algum animal tenha ficado,
narcisisticamente, se contemplando, em verdadeira auto-idolatria,
frente a um espelho ou lâmina d' água.
Já ouvi falar de reses bovinas, que, ao por-do-sol, se
dirigem ao local onde jaz a carcaça de seu semelhante, e mugem
saudosamente, como se estivessem num ritual, a entoarem o seu canto
de saudade. Com essas considerações e essas várias narrativas,
deixo que os meus dois ou três leitores encontrem a sua própria
explicação e interpretação para o caso da pomba que pousou sobre
o esquife de dom Eugênio Sales.
É de fato muito intrigante. some-se a estes exemplos, tão bem expressamente colocados, os casos do vôo do beija-flor quando atravessa uma casa da porta da porta da frente até a porta dos fundos e o cocoricó de galinhas semelhante ao do galo, costuma-se ou costumava-se dizer, os mais velhos, que essas coisas se tratavam de maus presságios.
ResponderExcluirFELISARDO