1º de agosto Diário Incontínuo
A ALEGRIA DO BURRO
Elmar Carvalho
Geralmente, o burro é um tanto pachorrento, e, às
vezes, quando cisma com alguma coisa, empaca. O carroceiro ou o seu
condutor fica aborrecido, e acha que o muar está de birra ou fazendo
pirraça. Todavia, algo deve ter provocado aquela atitude, seja o
pressentimento de algum perigo, seja talvez o cansaço, por causa de
uma longa jornada ou uma carga extenuante, sem se falar nos
maus-tratos, contra os quais pode ter-se insurgido a alimária.
O burro, pela sua força e por sua marcha lenta, parece
um trator quadrúpede. Todavia, o que vi no domingo, por volta das
onze e trinta horas, quando percorria a rua Alaíde Marques, no
sentido leste – oeste, no momento em que me aproximava da avenida
Homero Castelo Branco, foi algo inusitado, que me causou muita
admiração, pois o que vi estava mais para uma árdega Ferrari do
que para um lerdo trator. Quando menos esperei, um burro, em
desabalada carreira, cruzou a rua Alaíde Marques, no sentido sul
para o norte, como se fosse um bólido enlouquecido.
Quando passei pela rua transversal, de dentro do carro,
olhei para a direita, e vi quando o muar fez a curva, em alta
velocidade, como se estivesse disputando uma corrida, a arrastar o
seu cabresto, retornando para o local de onde viera. Temi que o
animal atropelasse algum carro, ou fosse atropelado por algum
veículo. Por isso, olhei pelo retrovisor, e vi quando ele “cortou”
novamente a rua que eu utilizava. Se fosse num dia de tráfego
intenso, o final poderia não ser feliz, tanto para o burro, como
para os ocupantes de algum veículo, principalmente uma motocicleta.
Acostumado a viver preso, peado ou encabrestado, a
conduzir penosas cargas no lombo, ou a puxar pesada carroça, sempre
ordeiro e pacato, sempre em baixa velocidade, o animal parecia estar
comemorando a sua alforria, tal a vivacidade alegre que demonstrava
em sua louca correria. Parecia acometido de feliz e saudável
maluquice, não fosse o perigo do trânsito de uma capital.
Não sei o que se passava em sua cabeça de burro, mas
aquele muar parecia o símbolo da liberdade e da felicidade.
Aparentava querer externar ao mundo e a todos, naquela manhã
ensolarada, o seu regozijo, o seu contentamento, por simplesmente
existir, por simplesmente estar vivo, e livre para correr e
escaramuçar, sem peias e sem cabresto, que lhe tolhessem ou
impedissem os movimentos. Ou estaria adivinhando alguma coisa, que
certamente era ótima, se não estaria acabrunhado e deprimido em um
canto qualquer.
" A liberdade é uma grandeza de poder fazer escolhas. Escolher é sacrificar.Que importa renunciar algo em busca de experências melhores.
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