26 de setembro
HISTÓRIAS DE CORONÉIS E OUTRAS HISTÓRIAS
Elmar Carvalho
Em virtude de estar sentindo dor de cabeça há algumas
semanas, fui me consultar com o neurologista Antônio de Pádua Rego
Júnior, com quem entretive rápida conversa, nos breves momentos em
que isso foi possível. Já sabia que ele era dos Rocha de Bertolínia
e Jerumenha, informação que ele me confirmou. Disse-lhe que passei
várias vezes por essas duas cidades, nos quase quatro anos em que
fui titular da Comarca de Ribeiro Gonçalves.
Em muitas oportunidades, fiz essa viagem a bordo de
velho ônibus da Princesa do Sul, em companhia do colega João
Batista Rios, digno magistrado de Bertolínia, no mesmo período em
que servi em plagas ribeirenses. Sobre essa circunstância, me
reportei no meu trabalho Tempos Ribeirenses, publicado na internet e
em formato impresso.
Alta madrugada, chegávamos à urbe bertolinense,
fundada por Bertolínio Rocha, avoengo do Dr. Antônio de Pádua,
onde o Dr. Batista Rios continuaria o seu sono de forma mais
tranquila e confortável. Eu ainda enfrentaria centenas de
quilômetros, em esburacada rodovia de piçarra, por várias horas.
Rios, que chamo de reverendo, por ser ele católico fervoroso, fez
algumas pregações importantes em Bertolínia, de sorte que, sem ser
padre nem pastor, está se tornando um dos maiores oradores sacros do
Piauí.
O médico Antônio de Pádua me contou alguns casos e
fatos interessantes de Bertolínia e de seus ancestrais. Numa de suas
histórias, uma mulher desse município ficou viúva, quando tinha
apenas 18 anos de idade. Era muito bonita. Um viajante, natural de
pernambuco, se encantou com sua beleza, e também, quiçá, com os
seus cabedais.
O velho coronel e seus filhos não aprovaram o namoro, e
o fato é que o moço terminou sendo morto. Vários parentes
pernambucanos do rapaz tentaram vingar-lhe a morte. Disso resultou
que morreram aproximadamente nove pessoas, de ambas as partes. O
processo penal tramitou na comarca de Floriano, salvo engano, ou na
de Jerumenha.
Em outro antigo caso, que o Dr. Antônio de Pádua me
relatou, uma jovem da localidade apareceu grávida, sem o devido
casamento, o que era raro naqueles tempos e naqueles confins. O
coronel, patriarca do clã, quase um senhor feudal, não gostou que
sua filha engravidasse sem o recomendável casório, que ademais
deveria passar pelo seu crivo e aprovação. Aliás, consta que já
mandara castrar mais de um deflorador de filhas de seus agregados,
quanto mais de uma filha sua. Colocou a moça sob confissão, mas ela
nada revelou. Com o seu prestígio político, exigiu fosse feita
rigorosa investigação.
Depois de muito trabalho, soube-se que a jovem teria
engravidado na igreja. O delegado, usando naturalmente dos métodos
truculentos da época, inquiriu o sacristão, posto que o padre já
tinha dado, há algum tempo, às de Vila-Diogo, parece que com
destino ao Vaticano, onde fora estudar. Como o sacristão não
revelasse o nome do autor da proeza, que tanto ofendera o orgulho do
coronel, foi trancafiado na cadeia, até que abrisse o bico, e
declinasse o nome do ofensor. Depois de muitas idas e vindas
procedimentais, chegou-se à conclusão de que a donzela teria
concebido com o auxílio do Espírito Santo.
Não vai nisso nenhum sacrilégio, já que toda gravidez
é, em si mesma, um verdadeiro milagre. Afinal, como dizem os
islamitas, como é que de uma água vil pode ser gerada uma pessoa? O
certo é que o ícone, que representa a pomba do divino, foi retirado
do altar da igreja local, e ficou detido por algum tempo. Pelo menos
é isso que que rezam a crônica e a lenda da família.
Contudo, essa história não teve um final trágico,
como era de se esperar, com morte ou castração do ofensor da honra
da moça. O padre retornou de Roma e assumiu a paternidade, tendo
antes pedido a devida licença à Igreja Católica Apostólica Romana
para contrair matrimônio. Esse sacerdote foi figura eminente e
respeitável da história do Piauí. Era um homem digno, e jamais
poderia ser comparado, mesmo por remota associação de ideias, ao
padre Amaro do extraordinário romance eciano.
Essas narrativas do Dr. Pádua me fizeram lembrar uma
passagem do importante livro “H. Dobal – as formas incompletas”,
da autoria de Halan Silva, que a seguir transcrevo: “Do lado
paterno, em linha vertical, H. Dobal descende de José Alexandre
Teixeira, que veio do Ceará para o Piauí, acompanhado de um irmão,
na segunda metade do século XIX, provavelmente de Icó ou Missão
Velha, onde assassinaram o padre da cidade que havia agravado a honra
da matriarca da família, havia poucos meses viúva”.
Nesse mesmo livro, na entrevista concedida a Halan Silva e a João Kennedy Eugênio, o poeta, com a sua verve contida, informa, ao falar de sua família, que o “Teixeira veio do Ceará. O Dobal veio da cabeça do meu avô”. Esse avô era filho de José Alexandre, um dos autores do desagravo, acima relatado.
Nesse mesmo livro, na entrevista concedida a Halan Silva e a João Kennedy Eugênio, o poeta, com a sua verve contida, informa, ao falar de sua família, que o “Teixeira veio do Ceará. O Dobal veio da cabeça do meu avô”. Esse avô era filho de José Alexandre, um dos autores do desagravo, acima relatado.
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