MONÓLOGO DE UM CEGO
Zito
Batista (1887 - 1926)
Falaram-me
do sol! Maravilhoso sol
Refulgindo
na altura ...
Ah! se eu
pudesse ver, assim como um farol
Imenso e
inacessível
Em
vertigens de luz sobre as nossas cabeças!. ..
E —
eterna desventura —
Eu fiquei
a pensar: por que o sol invencível
Não rasga
o negro véu de minha noite espessa
Quando
brilha na altura?
Falaram-me
das florestas e das aves!
Das aves,
cujo canto
Põe na
minha alma em febre uns arrepios suaves
De vaga
nostalgia ...
Ah! se eu
pudesse ver as aves e as florestas!
Soberbo o
meu encanto!
Se eu
pudesse aclarar a minha noite sombria,
Quando
ouvisse enlevado em delírios e festas
Num
soberbo canto
Todo poema
de amor das aves nas florestas!
E o mar?
Onde o mais belo símbolo da vida?
O mar é
um rebelado!
Que vive
noite e dia "em soluços gemendo
De cólera
incontida,
A investir
contra o céu como um tigre esfaimado!
É lindo o
mar no seu desespero tremendo!
Eu não o
vejo não! Mas chega aos meus ouvidos
E escuto
alucinado
A música
fatal dos seus grandes gemidos!
Há toda
uma história enorme a interpretar
Nesse
choro convulsivo e incessante do mar ...
Ah! que
destino o meu! que desgraçada sorte
Me traçou,
pela terra, a mão de um Deus Brutal!
Na vida,
em vez da vida, anda comigo a morte,
A
escuridão sem fim ...
Tenho a
envolver-me o corpo a asa torpe do mal.
E falam-me
do céu, das aves e das flores;
E dizem
que o mundo é um paraíso, assim,
Todo cheio
de luz, de aroma, de esplendores!
E eu
creio! Eu creio em tudo ...
Os homens
têm razão! eu creio e desejara
Vendo
sumir-se ao longe a minha noite amara
Ver o mar,
ver o sol no firmamento mudo
A
brilhar!... a brilhar ...
Mas o meu
grande sonho, o meu sonho infinito
É outro,
um outro ainda: o que me faz chorar
E há de,
em fúria, arrancar-me o derradeiro grito
Quando eu
daqui me for, aos trambolhões, a esmo,
É a ânsia
indefinida, o desejo profundo
De
conhecer o que há de mais original no mundo,
De
conhecer a mim mesmo!
Porque a
julgar, talvez, pelo mal que me oprime
Eu devo
ser, por força, um monstro desconforme.
Na eterna
expiação do mais nefando crime
Atado ao
poste real de minha dor enorme!...
(Harmonia
Dolorosa, 1924)
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