21 de novembro Diário Incontínuo
SAUDADE DE NOSSOS RIOS
Elmar Carvalho
Faz poucos dias, recebi o seguinte e-mail do amigo
Itamar Abreu Costa, que além de médico de nomeado é intelectual e
ambientalista, aos qual acrescentarei, no final, breves comentários:
“Década de 60. Tínhamos um rio caudaloso – Rio
Poty. Vários pontos de banhos: Rua São Pedro (Poço da Palmeira),
Avenida Frei Serafim (no terreno do seminário). Rua Santa Luzia era
a entrada para as “croas”. Avenida Jacob Almendra era a via de
acesso para as "croas" do Bairro Cabral. Pescadores,
lavadeiras nas pedras nos "noivos", as quintas com Mangais
no terreno cercado onde hoje existe a floresta fóssil e Cepac.
Jogávamos
bola nas diversas coroas formadas no verão pelo Poty, ali criamos
vínculos e formamos nossa personalidade. Tínhamos contato com as
pessoas aparentemente humildes, porém dotadas de orgulho de
pertencerem ao rio. Eles tinham domínio sobre o seu território:
"Milton"(no Porenquento), "Quibão" (na Santa
Luzia) eram exemplos de craques formados na escola de futebol da
vida.
Tínhamos
nosso espaço e por ele zelávamos, respeitávamos os transeuntes.
Time da Primeiro de Maio: Celso Carvalho, Sandoval, Paulo e Honorato
Emérito, Emanuel, Lucimar, Bruguelo, Doutor do Lourival, Itamar,
Gereba, Oscarito, Maguim, Fina, Chiquinho, Sosão, DIGUDURA, Pedro
Bogodó, Vagner, Carlos, Campo Maior, o craque maior e nosso
goleador, protetor e ídolo PANZILÃO e tantos outros.
Time da Piçarra: Idelmar, Dim, Chico I e II, Lagadu, Banana, Kim, Luiz, Titela, Quibão, Jura, Piripiri, Carlito Costelinha, Carlito Avião, Irmãos Piauilino (Paulo, Eduardo e Joaquim), Majella, Valter,Goió, Moreira I e II, Bibio, Iratã etc.
Time da Piçarra: Idelmar, Dim, Chico I e II, Lagadu, Banana, Kim, Luiz, Titela, Quibão, Jura, Piripiri, Carlito Costelinha, Carlito Avião, Irmãos Piauilino (Paulo, Eduardo e Joaquim), Majella, Valter,Goió, Moreira I e II, Bibio, Iratã etc.
O
rio salvou e evitou que centenas de ribeirinhos passassem fome, era
piscoso e assim os pescadores mesmos amadores vendiam todos os dias a
sua produção de casa em casa. As crianças e jovens nadavam sem
risco, não havia notícias de afogamento. Naquela região futebol
era educativo e evitou que jovens enveredassem pelo caminho das
drogas. Muitos hoje são professores, militares, médicos,
engenheiros, empresários etc.
O tempo passou e agora é a hora de salvarmos o Nosso
Rio Poty, precisamos de ações mais efetivas, estruturadas e
técnicos experientes em despoluir rios. Depois da ponte Wall Ferraz
já não existe o tão encantador leito do rio; uma vasta faixa de
terra preenche hoje o que era bonito anos atrás. Dragagem? Abrir
canais para circular o precioso líquido, alguma coisa tem que ser
feito Urgente!
O Poty pede socorro!”
O Poty pede socorro!”
Resolvi publicar o texto acima do doutor Itamar Abreu
Costa pela beleza saudosista e bucólica que encerra, pela mensagem
ecológica nele contida, que é na verdade uma advertência a todos
nós, e sobretudo ao poder público, que nunca envidou reais esforços
para salvar os dois rios que formam a mesopotâmia teresinense, e que
lhe emprestam singular beleza. Quando as águas baixam, todos nós
podemos ver as bocas fétidas dos esgotos, que lançam sujeira nos
rios Poti e Parnaíba, sem nenhum tratamento.
Os igarapés, que ornam o Poti, e que nos encantam, na
verdade são o triste sinal de que esse rio está muito poluído,
pois essas plantas “adoram” um ambiente líquido com material
orgânico em decomposição. Certamente com a sujeira e com a água
estagnada e poluída, a oxigenação não pode ser boa, o que
prejudica os peixes. Não é à toa que os pescadores se queixam da
falta deles, quando outrora esse rio foi bastante piscoso. Portanto,
não obstante a sua deslumbrante beleza, a proliferação de aguapés
é sinal de que o velho rio está gravemente enfermo. Como disse o
poeta, há flores que enfeitam a vida, e há flores que enfeitam a
morte. Os aguapés são uma beleza trágica, fúnebre, porquanto são
o enfeite da lenta agonia de um rio já quase morto.
As coroas, tanto do Parnaíba como do Poti, que eclodem
quando as águas minguam, são também o triste sintoma de que esses
rios não estão bem; são indícios de que eles estão assoreados.
Quanto mais eles fossem estreitos e profundos mais eles estariam
saudáveis. Com o avanço dessa fina e larga lâmina d' água a
navegação, que já praticamente não existe, cessará de todo, e
num futuro talvez não muito remoto o curso do rio poderá ser
interrompido, cortado; restará apenas poços ao longo do leito. No
Parnaíba há uma grande coroa, a que o povo deu o nome de coroa
assassina. Na verdade, é o contrário; a coroa é apenas o sintoma
mais visível de que o rio está sendo assassinado pelo desmatamento
das matas ciliares (fora outras causas), que provoca o assoreamento
de seu leito.
Morei em Teresina de setembro de 1975 a março de 1977,
quando retornei a Parnaíba a fim de cursar Administração de
Empresas, que então, no Piauí, só existia naquela cidade (UFPI –
Campus Ministro Reis Velloso). Nesse período em que residi nesta
capital, cheguei a participar de piqueniques às margens do Parnaíba
e do Poti, que na verdade não passavam de reuniões de amigos, com
tiragosto e a presença indefectível do velho pirata Ron Montilla,
que sempre se fazia acompanhar de Coca-Cola e limão. Faziam parte da
turma, quase sempre, o Otaviano Furtado do Vale e o José Francisco
Pinto, e mais duas ou três garotas, às vezes.
Praticamente não existia violência, e ninguém
perturbava essas juvenis libações, regadas a uma boa conversa.
Preferíamos a margem esquerda, do lado de Timon, nas proximidades da
bela Ponte Metálica, em área sombreada por frondosas e exuberantes
mangueiras, que nos ofertavam o frescor de sua sombra amiga. A
travessia, no lombo de alguma morosa chalana, já fazia parte da
festa, e nessa época tudo era festa e motivo de festa. O rio não
era muito poluído, e podíamos tomar um belo banho, sem nenhum temor
de pegarmos alguma doença de pele.
Numa dessas infucas, exploramos as matas do entorno da
floresta fóssil, situada na margem direita do Poti. Com o João
Francisco, empregado da ECT, na qual eu também trabalhava, pratiquei
algumas libações debaixo das enormes mangueiras, que existiam na
margem esquerda desse rio, perto de onde hoje se ergue o prédio da
Agespisa. A trilha sonora era ditada por um pequeno rádio, que o
João Francisco levava.
Esse bom boêmio entendia que as músicas pelo rádio
deveriam ser mais valorizadas, pois não podíamos escolhê-las e
muito menos repeti-las. Portanto, tínhamos que ouvi-las com a máxima
atenção. Nessa época eu ouvia, com muita paixão e enternecimento,
a música “Meu mundo e nada mais”, de Guilherme Arantes. A
poesia, musa arisca e arredia, me cortejava, e me boiava à flor da
pele.
Ao retornar novamente para Teresina, em agosto de 1982,
ainda me arrisquei a ir algumas poucas vezes a algumas das coroas do
Parnaíba, em companhia do amigo e compadre Airton Meneses, poeta
parnaibano, que aqui veio morar em breve temporada. Nessas ocasiões
tive a temeridade de tomar banho, quando as águas nesta capital já
eram reconhecidamente poluídas.
Certa feita, participei de uma pescaria noturna, perto
da ponte metálica, juntamente com Walter Mendes e Silva, Chaguinhas,
Atanásio, Luiz Moura e Martinho, meus colegas da extinta Sunab. A
pescaria na verdade foi só uma boa desculpa para tomarmos umas boas
talagadas de calibrina, festejarmos a vida, e batermos um bom papo,
recheado de saborosas anedotas e piadas.
O rio, na época, já mergulhava em progressiva
poluição, e já naufragava em lenta mas inexorável degradação
ambiental, sobretudo o assoreamento de seu leito, cada vez mais largo
e mais raso, até o espetáculo quase teatral da famosa barca do sal,
que Parnaíba arriba, mal conseguiu chegar a Teresina, quase se
arrastando pelas águas barrentas e rasas, aos trancos e barrancos,
encalhando aqui, se desviando dos traiçoeiros bancos de areia acolá.
Se nada for feito, e nada está sendo feito, as mortes
do Parnaíba e do Poti serão apenas duas mortes de há muito
anunciadas, sob o mais indiferente e acintoso descaso das autoridades
(in)competentes. Certamente as carpideiras oportunísticas de plantão
irão derramar as suas hipócritas lágrimas de crocodilos (com o
perdão destes animais, que são apenas vítimas da poluição e do
soterramento das águas).
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