Fonseca Neto
É a pura
verdade: o Piauí nunca levou a sério a questão dos limites de seu
território com os vizinhos. E assim, cada um deles foi tirando um
pedaço, ou “lasca”, como popularmente se diz.
Primeiro o
Ceará, que esbulhou a zona continental litorânea (“Amarração”)
enquanto o Piauí cochilava no coração dos sertões, em Oeiras.
Depois, o Maranhão, levou a maior parte das terras e águas do
arquipélago do Delta. Agora, o Tocantins, novinho e já traquina,
arranca o seu pedaço. E para devolver o litoral, o Ceará exigiu do
Piauí, de presente, uma parte excelente de seu incontestável
território, “ubérrima” região serrana das nascentes do rio
Poti, muito próspera comarca piauiense, municípios de “Príncipe
Imperial” (hoje Crateús) e Independência (antiga “Pelo Sinal”).
E por que o Piauí não ganhou nenhuma?
Vem de
muito antes na história desta parte do mundo o costume que se fez
lei entre os povos de tomar-se o caminho das águas e o espinhaço
das serras como marcas limitantes entre tribos, províncias, nações
e estados. No litoral, as ilhas, istmos, cabos, barras e baías. E
foi justamente essa a doutrina que orientou juridicamente a
constituição da Administração portuguesa deste lado do Atlântico,
a partir do ano de 1500.
O primeiro
marco de criação jurídica do futuro Piauí foi constituído –
antes de existir a donataria que depois se chamaria de Ceará, de
Antonio Cardoso de Barros – ainda no ano de 1535, em 18 de junho,
quando o rei João III doou a seu amigo de infância, e
Tesoureiro-mor do reino, Fernão Álvares de Andrade, um trecho de
“minha costa e terras [de] trinta e cinco legoas que comessão do
cabo de Todollos Santos athe o Rio que esta junto com o rio da
Cruz...”. Que rio é esse? O “da Cruz” é um dos rios
litorâneos que emboca no mar na Barra Grande. E o que lhe está
“junto”, para todos os estudiosos, é o rio Timonha (na zona de
Camocim) “que nasce na tromba da Serra [Grande ou Ibiapaba] e,
serpenteando para N.O., vai desaguar no oceano...”. É nesse lugar
de embocadura que está o limite historicamente dado. Confirma-o, a
carta de doação de Cardoso de Barros, de novembro de 1535, e foral
de 1536.
Alguns
alegam que não existia, então, nada que se chamasse de Piauí
(também nesse sentido, não havia nem Maranhão, nem Ceará).
Ora, o limite de que se fala é o das capitanias de Andrade e de
Cardoso (este, aliás, espécie de auxiliar daquele, no reino).
Quando é criada a capitania real do Piauí, em 1718, instalada e
cartografada em 1759/1760, essa barra é o limite litorâneo
observado, e quanto ao mais, tem sua territorialidade definida
enquanto bacia oriental do Parnaíba: toda e qualquer água que corra
para este rio tem a terra banhada na jurisdição do Piauí. Bastaria
demarcar (Cícero, “agrum certis terminus circunscribere” /
“Agrorum terminos conflituere”).
A
esperteza dos vizinhos tem uma relação direta com o descaso dos
piauienses. O Ceará esbulhou o litoral do Piauí com presença
humana e “civilizatória”, idêntica estratégia com a qual agora
abocanhou o que faltava levar: as chamadas “áreas de litígio”
que a CF/88 determinou fossem demarcadas até 1993: mais que
depressa, o Ceará providenciou a criação de vários municípios
pegando terras da área e, na prática, dando-lhes estatuto e
serviços públicos. O que o Piauí obrou nessa intencionalidade?
Nada (ou quase). E tudo indica que o Tocantins levará tudo o que
quiser. O Maranhão levou o Delta com a tese de que um canal do rio
Parnaíba (da “Barra das Canárias”) era o próprio rio. E teve
ganhos também na região das nascentes.
Faça-se
justiça lembrando que reclamaram os direitos piauienses o barão,
depois visconde da Parnaíba, e mais um e outros governantes.
Questões jurídicas sempre dependentes de arbitragens de Lisboa, São
Luís, Rio de Janeiro e Brasília, o Piauí dançou em todas. E a
mais ruinosa delas, a “troca” da Amarração pelo Alto Poti, teve
o apoio do mais destacado e poderoso (nas esferas altas) chefe
político que o Piauí teve em sua história política, o Marquês de
Paranaguá, então o senador dos piauienses na corte do Rio de
Janeiro. É assim.
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