segunda-feira, 4 de março de 2013

Limites do Piauí: logro secular



Fonseca Neto

É a pura verdade: o Piauí nunca levou a sério a questão dos limites de seu território com os vizinhos. E assim, cada um deles foi tirando um pedaço, ou “lasca”, como popularmente se diz. 
Primeiro o Ceará, que esbulhou a zona continental litorânea (“Amarração”) enquanto o Piauí cochilava no coração dos sertões, em Oeiras. Depois, o Maranhão, levou a maior parte das terras e águas do arquipélago do Delta. Agora, o Tocantins, novinho e já traquina, arranca o seu pedaço. E para devolver o litoral, o Ceará exigiu do Piauí, de presente, uma parte excelente de seu incontestável território, “ubérrima” região serrana das nascentes do rio Poti, muito próspera comarca piauiense, municípios de “Príncipe Imperial” (hoje Crateús) e Independência (antiga “Pelo Sinal”). E por que o Piauí não ganhou nenhuma? 
Vem de muito antes na história desta parte do mundo o costume que se fez lei entre os povos de tomar-se o caminho das águas e o espinhaço das serras como marcas limitantes entre tribos, províncias, nações e estados. No litoral, as ilhas, istmos, cabos, barras e baías. E foi justamente essa a doutrina que orientou juridicamente a constituição da Administração portuguesa deste lado do Atlântico, a partir do ano de 1500. 
O primeiro marco de criação jurídica do futuro Piauí foi constituído – antes de existir a donataria que depois se chamaria de Ceará, de Antonio Cardoso de Barros – ainda no ano de 1535, em 18 de junho, quando o rei João III doou a seu amigo de infância, e Tesoureiro-mor do reino, Fernão Álvares de Andrade, um trecho de “minha costa e terras [de] trinta e cinco legoas que comessão do cabo de Todollos Santos athe o Rio que esta junto com o rio da Cruz...”. Que rio é esse? O “da Cruz” é um dos rios litorâneos que emboca no mar na Barra Grande. E o que lhe está “junto”, para todos os estudiosos, é o rio Timonha (na zona de Camocim) “que nasce na tromba da Serra [Grande ou Ibiapaba] e, serpenteando para N.O., vai desaguar no oceano...”. É nesse lugar de embocadura que está o limite historicamente dado. Confirma-o, a carta de doação de Cardoso de Barros, de novembro de 1535, e foral de 1536. 
Alguns alegam que não existia, então, nada que se chamasse de Piauí  (também nesse sentido, não havia nem Maranhão, nem Ceará). Ora, o limite de que se fala é o das capitanias de Andrade e de Cardoso (este, aliás, espécie de auxiliar daquele, no reino). Quando é criada a capitania real do Piauí, em 1718, instalada e cartografada em 1759/1760, essa barra é o limite litorâneo observado, e quanto ao mais, tem sua territorialidade definida enquanto bacia oriental do Parnaíba: toda e qualquer água que corra para este rio tem a terra banhada na jurisdição do Piauí. Bastaria demarcar (Cícero, “agrum certis terminus circunscribere” / “Agrorum terminos conflituere”). 
A esperteza dos vizinhos tem uma relação direta com o descaso dos piauienses. O Ceará esbulhou o litoral do Piauí com presença humana e “civilizatória”, idêntica estratégia com a qual agora abocanhou o que faltava levar: as chamadas “áreas de litígio” que a CF/88 determinou fossem demarcadas até 1993: mais que depressa, o Ceará providenciou a criação de vários municípios pegando terras da área e, na prática, dando-lhes estatuto e serviços públicos. O que o Piauí obrou nessa intencionalidade? Nada (ou quase). E tudo indica que o Tocantins levará tudo o que quiser. O Maranhão levou o Delta com a tese de que um canal do rio Parnaíba (da “Barra das Canárias”) era o próprio rio. E teve ganhos também na região das nascentes. 
Faça-se justiça lembrando que reclamaram os direitos piauienses o barão, depois visconde da Parnaíba, e mais um e outros governantes. Questões jurídicas sempre dependentes de arbitragens de Lisboa, São Luís, Rio de Janeiro e Brasília, o Piauí dançou em todas. E a mais ruinosa delas, a “troca” da Amarração pelo Alto Poti, teve o apoio do mais destacado e poderoso (nas esferas altas) chefe político que o Piauí teve em sua história política, o Marquês de Paranaguá, então o senador dos piauienses na corte do Rio de Janeiro. É assim.

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