José Maria Vasconcelos
Cronista,
josemaria001@hotmail.com
Enquanto
aguardava o início da missa das 18 horas, na igreja de Fátima,
sentei-me no banco morno da pracinha. Comecei a ler um texto de
renomado cronista. A princípio, a matéria pouco me atraía, por se
tratar de violência e execução, tema exaustivo dos noticiários.
A
crueldade não escolhe vítimas. Mata-se com requintes de
perversidade, queima-se jovem dentista, atira-se em crianças,
acidenta-se um ciclista, decepando-lhe o braço, que é lançado no
esgoto aberto. Aquela crônica, porém, abordava um servo de Deus,
bispo de reconhecida pastoral.
Bofetadas,
tortura, execução. Pouco importa a notícia. A opinião pública
acostumou-se a conviver com carrascos e bandidos em cada esquina. E,
como essa gente má, a sociedade perde, também, a sensibilidade às
tragédias, esquecendo-as em seguida. Assaltos, sequestros, estupros,
pedofilia, assassinatos em família, corriqueiros como o pão nosso
de cada dia. O "crime da doméstica", anos 70, assombrou
Teresina durante longo tempo. Hoje, tudo se transforma em lapsos de
memória.
A
execução de um bispo parece não sensibilizar mais a sociedade, já
acostumada à perversa violência urbana. Eu já tinha lido relatos
de assassinatos de padres, freiras, bispos e pastores, que chocaram o
país. Dom Frei Vital, bispo de Olinda na segunda metade do século
19, morto em suposto envenenamento. Dom Expedito Lopes, bispo de
Oeiras-PI, depois Garanhuns-PE, na década de 1950, assassinado a
tiros pelo padre Ozanan. A emoção coletiva, na época, chegava a
histeria.
A
sociedade acostumou-se a não reagir a fortes reações do sofrimento
do próximo. Nem mesmo de um prelado da Igreja? O cronista, porém,
desabafa forte comoção ao se reportar às agruras de um prelado
antes de morrer: "Não saberia encontrar palavras para
descrever...O diabo entrou e fundou o reino dos infernos..."
O
reino do diabo não é de agora. Vem desde o princípio do mundo. Por
isso, nada de esmorecer no exercício do bem. O mundo do mal não
aceita convivência com as pessoas do bem. Jesus Cristo adverte: "Vós
não sois deste mundo, por isso o mundo vos odeia." Nessas
alturas, você morre de curiosidade sobre trágico fim do bispo.
Engaiolei você até agora, mas liberte-se: a crônica foi produzida
por Eusébio, bispo de Cesareia, Israel, século terceiro da era
cristã. O autor descreve a heroica convivência dos cristãos de
Lion, França, com a violência daquela cidade: "Foram batidos e
insultados... esbofetearam o bispo Pontino, de 90 anos, meteram-no
numa cela fétida superlotada, vindo a morrer dois dias depois...
pessoas sofreram lâminas ardentes nas partes íntimas... suas carnes
estavam inchadas... os carrascos recomeçavam a sessão de tortura...
pés violentamente separados por uma trave... chamavam-nos de
velhacos e sujos... fizeram-nos sentar em cadeira de ferro ardente...
sentia-se o cheiro de gordura queimada que subia das carnes
tostadas... abusaram sexualmente da jovem Blandina, a fim de
arrancar-lhe confissão..."
Levantei-me
do banco escaldante da pracinha, incômodo infinitamente inferior ao
dos irmãos de Lion, aos cidadãos de bem, hoje.
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