quarta-feira, 29 de maio de 2013

BOFETADAS, TORTURA E MORTE DE BISPO


José Maria Vasconcelos
Cronista, josemaria001@hotmail.com

Enquanto aguardava o início da missa das 18 horas, na igreja de Fátima, sentei-me no banco morno da pracinha. Comecei a ler um texto de renomado cronista. A princípio, a matéria pouco me atraía, por se tratar de violência e execução, tema exaustivo dos noticiários.

A crueldade não escolhe vítimas. Mata-se com requintes de perversidade, queima-se jovem dentista, atira-se em crianças, acidenta-se um ciclista, decepando-lhe o braço, que é lançado no esgoto aberto. Aquela crônica, porém, abordava um servo de Deus, bispo de reconhecida pastoral.

Bofetadas, tortura, execução. Pouco importa a notícia. A opinião pública acostumou-se a conviver com carrascos e bandidos em cada esquina. E, como essa gente má, a sociedade perde, também, a sensibilidade às tragédias, esquecendo-as em seguida. Assaltos, sequestros, estupros, pedofilia, assassinatos em família, corriqueiros como o pão nosso de cada dia. O "crime da doméstica", anos 70, assombrou Teresina durante longo tempo. Hoje, tudo se transforma em lapsos de memória.

A execução de um bispo parece não sensibilizar mais a sociedade, já acostumada à perversa violência urbana. Eu já tinha lido relatos de assassinatos de padres, freiras, bispos e pastores, que chocaram o país. Dom Frei Vital, bispo de Olinda na segunda metade do século 19, morto em suposto envenenamento. Dom Expedito Lopes, bispo de Oeiras-PI, depois Garanhuns-PE, na década de 1950, assassinado a tiros pelo padre Ozanan. A emoção coletiva, na época, chegava a histeria.

A sociedade acostumou-se a não reagir a fortes reações do sofrimento do próximo. Nem mesmo de um prelado da Igreja? O cronista, porém, desabafa forte comoção ao se reportar às agruras de um prelado antes de morrer: "Não saberia encontrar palavras para descrever...O diabo entrou e fundou o reino dos infernos..."

O reino do diabo não é de agora. Vem desde o princípio do mundo. Por isso, nada de esmorecer no exercício do bem. O mundo do mal não aceita convivência com as pessoas do bem. Jesus Cristo adverte: "Vós não sois deste mundo, por isso o mundo vos odeia." Nessas alturas, você morre de curiosidade sobre trágico fim do bispo. Engaiolei você até agora, mas liberte-se: a crônica foi produzida por Eusébio, bispo de Cesareia, Israel, século terceiro da era cristã. O autor descreve a heroica convivência dos cristãos de Lion, França, com a violência daquela cidade: "Foram batidos e insultados... esbofetearam o bispo Pontino, de 90 anos, meteram-no numa cela fétida superlotada, vindo a morrer dois dias depois... pessoas sofreram lâminas ardentes nas partes íntimas... suas carnes estavam inchadas... os carrascos recomeçavam a sessão de tortura... pés violentamente separados por uma trave... chamavam-nos de velhacos e sujos... fizeram-nos sentar em cadeira de ferro ardente... sentia-se o cheiro de gordura queimada que subia das carnes tostadas... abusaram sexualmente da jovem Blandina, a fim de arrancar-lhe confissão..."


Levantei-me do banco escaldante da pracinha, incômodo infinitamente inferior ao dos irmãos de Lion, aos cidadãos de bem, hoje.

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