domingo, 30 de junho de 2013

Seleta Piauiense - Rubervam Du Nascimento


Prova dágua

Rubervam Du Nascimento (1954)


atiro o ódio
na Fonte de Dentro
rolam cismas entrevadas
pelo vão
uma
a
uma
pela fresta
meu corpo
redescobre a claridade
mãe-do-rio aprova o gesto
me convida
pro banquete
vestida de mim 

sábado, 29 de junho de 2013

CEGO BENTO (*)

Charge: Gervásio Castro

CEGO BENTO (*)

Elmar Carvalho

Desde 1975, quando fui morar em Parnaíba, passei a ver o cego Bento perambulando pela cidade, com seus acompanhantes, um dos quais, seu irmão, também mergulhado nas densas trevas da cegueira, a encher os bares com a música de sua sanfona. Compunham um legítimo conjunto do chamado forró “pé-de-serra”. Após a apresentação, o ouvinte dava ao sanfoneiro o dinheiro de que podia dispor, quase sempre muito escasso. Pouco ou nada sabia da história do cego.

A minha série de poemas titulada “Poemitos da Parnaíba”, em que canto os “mitos” dessa amada e aprazível cidade, foi elaborada aos poucos, e aos poucos foi publicada no jornal Inovação, periódico valente, de saudosa memória, que não poupava o lombo dos pulhas, salafrários e corruptos. Cada número trazia dois ou três “poemitos”. O Reginaldo Costa sempre me cobrava novos poemas, mas eu já me sentia esgotado na inspiração, pois caracterizar ou caricaturar uma pessoa, no que ela tem de pungente ou anedótico, em poucos versos, é uma tarefa difícil e ingrata.

Só anos após a desativação do brioso pasquim é que encerrei a série, creio que com chave de ouro, ao consagrar o último poema ao cego Bento. Tempos depois, estando eu numa barraca, ao pé do mar, na praia de Atalaia, a que prefiro o nome poético e sugestivo de Amarração – de amar, amarrar-se, amar de coração – chegou o cego trazendo a música na caixa e no fole de sua sanfona. Identifiquei-me como o autor do poema que lhe endereçara, e lhe fiz um meteórico discurso. O cego emocionou-se, agradeceu-me, e lamentou não haver sido gravada a minha, talvez importuna e inoportuna, peroração.

Alguns meses atrás recebo uma correspondência sua, na qual está contada, em síntese, a sua vida de pobre e de amante inveterado da música, desde criancinha, em palavras simples, mas claras e precisas. Nasceu para a vida e para a música em 17 de setembro de 1921, no lugar Boa Vista, município de Luís Correia. Casou-se no dia 31 de janeiro de 1951, tendo gerado doze filhos.

Aos dez anos já tocava uma gaita de boca, mais conhecida em nosso meio como realejo, enquanto seu irmão Bernardo balançava um badalo, mas afirmando estar a tocar um cavaquinho, o sonho e o desejo se impondo à crua realidade de percalços e pobreza. Seu irmão Benedito batia com o “cabeção” em um tamborete e fazia retinir umas argolas, como se fossem um maracá. Foi assim, com essa improvisada orquestra de crianças irmãs, que se iniciou a bela trajetória musical do cego Bento.

Em 1935, quando tinha 14 anos, no lugar Gameleira, para onde seu pai se mudara, aprendeu a executar uma pequena harmônica de quatro baixos. Seu irmão Bernardo tocava um cavaquinho, porém, sem saber afiná-lo, apenas fazia barulho, mais servindo de percussão do que de acompanhamento; o amor à música era muito maior do que a sua habilidade de criança. Benedito, o outro irmão, empunhava o reco-reco. Começaram a surgir os contratos, que possibilitaram a melhora da orquestra. Às vezes, percorriam de sete a oito léguas (multipliquem-se esses números por seis, para se encontrar a quilometragem), a pé, como uma espécie de menestréis de antigamente, para tocarem numa festa.

A partir de 1940, o cego Bento passou a residir na cidade de Parnaíba. O seu conjunto musical já possuía uma sanfona nova, bombo, tamborim, banjo e clarineta. Para se tornar mais conhecido, começou a fazer festas. Os contratos foram, gradativamente, aumentando. Com isso, sua responsabilidade artística foi crescendo, bem como a sua autocrítica, pelo que passou a sentir, em face talvez dos modismos, que o seu repertório já não estava agradando.

Por esse motivo, resolveu ser aluno do maestro Raimundo Ribeiro da Silva, mais conhecido como Raimundo Tropa. As aulas lhe foram muito úteis, porquanto passou a conhecer, como ele mesmo diz, “tonalidade do instrumento, escala cromática, escala natural e mais algumas coisas”. Aprendeu a tocar samba, marcha, rumba, fox, xote e baião, músicas que, na época, caíam mais no gosto popular. Cego Bento crescia na competência e na fama.

Nas comemorações do centenário de Parnaíba, ocorrido em 1944, na majestosa Praça da Graça de então, a sua orquestra tocou, para deleite do povo, durante nove noites. Foi, talvez, o ápice de sua glória e consagração. No clube Sinorion, durante muitos anos, tocava, no período de carnaval, as encantadoras e belas músicas da época. Era o carnaval gostoso, alegre e típico do Zé Pereira, e não os arremedos e macaqueamentos, hoje tão em voga, do pomposo e “cinematográfico” carnaval carioca.

Apresentou-se nos principais clubes da cidade, entre eles o Fluminense, Ferroviário, do Trabalhador, Guarani, Coroa. Animou bailes matutos no aristocrático Cassino 24 de Janeiro. Apresentou-se nas boates das irmãs Justina e Luzia Chaves. Eram os áureos tempos do “Sonho Azul”, dos “bailes azuis” e de outras cores. Animou os reboliços dançantes das boates Madalena (sem Madalenas arrependidas), QG (quartel-general de estripulias estrambóticas e eróticas), Cabeleira, Lulu, Ninho do Xexéu (onde muitos se aninharam em lúdicos e sensuais aconchegos), atuando também na Munguba e no Gordo.

No dia 27 de julho de 1974, cego Bento desativou sua orquestra, e formou o “Trio Igaraçu”, constituído por ele próprio, na sanfona, pelo seu irmão Luís, no pandeiro, e Nonato Gordo, no cavaquinho. Nonato, que fora membro da banda municipal, faleceu, sendo substituído por outro instrumentista. O “Trio Igaraçu” ainda hoje torna mais alegre a praia de Amarração, provocando amarrações no embalo da música e no ritmo dos corações.

Cego Bento, em 17 de setembro de 2002, completou 81 anos de idade, mas, ao contrário do que ele diz na carta, não encerrou a vida e nem a carreira. Todavia, como ele afirma na missiva que me enviou, e que eu já certificara em versos, pode dizer, como disse, com todas as letras: “Posso dizer, sou uma tradição, sou uma relíquia, sou folclore, sou museu desta cidade”. E eu somente acrescentaria: um museu muito vivo, muito vivo e alegre, e não triste e fossilizado como certos museus de glórias vãs.

Não podendo, como gostaria, de estampá-los em placa de bronze, em um monumento a ele dedicado, estampo nas placas da eternidade estes versos que dediquei ao imortal cego Bento: “Não morrerás, / meu quimérico e homérico cego. / Um mito não morre: / um mito se encanta e permanece.”

(*) O cego Bento faleceu na noite de 25/06/2013, terça-feira, aos 92 anos de idade. O meu texto foi escrito alguns anos atrás, no ensejo de uma carta que ele me enviou.

Cego Bento

Elmar Carvalho

Não morrerás,
meu quimérico e homérico cego.
Um mito não morre:
um mito se encanta e permanece.
Teus dois percursionistas
são dois anjos da guarda
de asas dissimuladas.
Um te abriga com a sombra
de seus olhos também sem luz.
O outro é tua estrela guia,
que te conduz em tua noite sem dia,
pelas trevas espessas de teus olhos,
como um Virgílio da nova mitologia.
Não morrerás,
não por seres Bento,
mas por teu talento.
A música escorre de teus dedos,
saltita sobre os teclados,
palpita e resfolega no fole,
cabriola no molejo moleque
do leque da sanfona,
evola-se pelos ares,
remexe as ondas dos mares,
sacoleja as folhas dos palmares,
se quebra e se requebra pelos bares
e remelexe no chamego e aconchego dos pares.
Não morrerás, cego Bento.

quinta-feira, 27 de junho de 2013

Discurso de recepção a Homero Ferreira Castelo Branco Neto (*)


Senhores e senhoras.

I. IMORTALIDADE ACADÊMICA

Segundo Heródoto – considerado o pai da História, o numeroso exército persa possuía uma tropa de infantaria pesada composta por dez mil homens, que avançava à frente, nos combates. Essa formação era permanente, de forma que durante as batalhas, cada membro morto ou gravemente ferido era imediatamente recolhido pelos companheiros e substituído por outro, entre os que estavam na retaguarda. Então, essa tropa de elite sempre avançava em combate com o mesmo número inicial. Dessa forma, se morresse um combatente era substituído por outro combatente; se morressem dois combatentes eram esses substituídos por outros dois combatentes, e assim, sucessivamente, de forma que a infantaria persa nunca tinha mais, nem menos de dez mil integrantes. Daí ganharam a fama de imortais, ou imorredouros, na tradução literal do grego, porque o inimigo tinha a sensação de que realmente o eram, vez que nunca diminuíam.
Assim, também, são as academias de letras. Fundadas no modelo francês têm a formação permanente de quarenta membros. E toda vez que falece um, sua vaga é preenchida por outro. Dessa forma, nunca aumentam nem diminuem. Pelas mesmas razões da infantaria persa, também seus membros são cognominados de imortais. Imortais na permanente composição da casa, na lembrança dos pósteros e na perenidade da obra, é o que se deseja.
A imortalidade foi sempre objeto de fascínio do homem, desde o começo dos tempos, constituindo-se num dos mais profundos desejos humanos. No fabrico do elixir da longa vida se bateram os mais antigos e ousados alquimistas do passado. Na busca pela fonte da juventude os homens foram capazes de lutas sangrentas e de proezas mirabolantes. Tudo em vão, pois já trazemos ao nascer a certeza da morte: morte física, biológica.
Dizia com ironia o argentino Jorge Luís Borges: “Todos os caminhos levam à morte. Perca-se”.
Para o velho bardo Manuel Bandeira: “Duas vezes se morre: primeiro na carne, depois no nome”.
Os mais conscientes dessa condição humana, conformaram-se com a entrega do corpo à terra e foram buscar a imortalidade da alma. Daí nasceram as religiões, pregando a vida eterna depois dessa passagem terrena.
A imortalidade acadêmica tem sentido diverso. Quando se diz que os acadêmicos são imortais, evidentemente, não se está dizendo que são imorríveis ou imorredouros, o que seria até interessante. Mas que possuem vitaliciedade e que serão lembrados para sempre, na forma regimental, pelos futuros ocupantes de sua cadeira; que tiveram o reconhecimento público de sua obra pelos contemporâneos e que terão as suas efemérides lembradas pelos demais acadêmicos; enfim, que foram pessoas úteis à sua comunidade e cujos nomes merecem ser lembrado pelos pósteros.
II. AS ACADEMIAS
Mas para que servem as academias? Essa é uma indagação que, vez ou outra se ouve. Existem aqueles que são acadêmicos até demais e, às vezes, se tornam inconvenientes, se insinuando em vaga inexistente. Outros, que de tão antiacadêmicos, vivem desfazendo das academias.
Na verdade, o fato de ser acadêmico não faz ninguém escrever melhor. Todavia, entre o critério de escolha dos novos acadêmicos está o de se eleger aqueles que bem escrevem. E em assim sendo, as academias são em si um conjunto de intelectuais que prezam a arte do bem escrever. Na verdade, se as academias não tivessem outra utilidade, justificaria a sua existência a reunião de escritores e a troca de informações. É um ambiente propício à discussão intelectual e geração de ideias, à divulgação das letras e ao desenvolvimento da literatura e da historiografia.
III. A APL
A nossa academia, fundada há quase um século, tem primado pelo cultivo do idioma pátrio e pelo desenvolvimento da literatura piauiense. Fundada por uma geração brilhante, cujo pensamento intelectual plasmado na Escola do Recife, foi alimentado pelo idealismo positivista de Augusto Comte(1798 – 1857), pela pregação agnóstica e pelo cientificismo positivista de Haeckel(1834 – 1919) e Spencer(1820 – 1903). Foram líderes dessa geração, entre outros, Anísio de Abreu, grande tribuno parlamentar, Abdias Neves, Clodoaldo Freitas e Higino Cunha: o primeiro faleceu antes da fundação da Academia, sendo eleito patrono de uma Cadeira, e o segundo não está entre os dez fundadores porque se encontrava no Rio de Janeiro, no exercício do mandato de senador da República, mas aderiu à mesma imediatamente, tomando posse na Cadeira 11.
Durante todos esses anos a academia nunca se afastou dos ideais de seus fundadores, pugnando diuturnamente pelo desenvolvimento da literatura e da historiografia piauiense. Nenhum grande projeto intelectual, projeto de qualidade, foi desenvolvido no Piauí, sem a participação efetiva da Academia Piauiense de Letras. Se voltarmos as vistas para o passado e verificarmos a fundação da velha Faculdade de Direito do Piauí, da Faculdade de Filosofia, de Odontologia, de Medicina e, mesmo da Universidade Federal do Piauí, vamos ver a participação efetiva de muitos acadêmicos.
Na produção literária piauiense, mercê da carência de recursos financeiros, a Academia foi sempre estrela de primeira grandeza, para isso contando com importantes parceiros, que os concitou a grandes empreendimentos. Com o Governo do Estado editou importantes obras; o mesmo ocorreu, em épocas diversas, com o Município de Teresina, com o Senado Federal, com a Universidade Federal do Piauí, com o Banco do Brasil e com o Banco do Nordeste, para lembrar apenas as parcerias mais expressivas.
É importante ressaltar o memorável Plano Editorial do Piauí, que notabilizou o primeiro governo de Alberto Silva, no início da década de setenta, promovendo o resgate de importantes obras e divulgando outras novas. Foram 37 publicações, numa época em que era difícil publicar um livro. Pois, à frente desse grande empreendimento literário brilharam os nomes de Arimatéa Tito Filho, estimado e saudoso presidente da Casa de Lucídio Freitas; de Deoclécio Dantas e Armando Madeira Basto, mais tarde e em homenagem à sua determinação nesse empreendimento, também fizeram-se membros, ao lado do próprio governador Alberto Silva, de nossa agremiação literária.
Outro grande momento literário, um como sucedâneo do outro, representando, ambos, em seu conjunto, uma verdadeira revolução intelectual no Piauí, foi o Projeto Petrônio Portella, no início da década de oitenta, no governo Hugo Napoleão. Mais uma vez brilhou a estrela de Arimatéa Tito Filho, ao lado do secretário de cultura Jesualdo Cavalcanti, que o concebeu, do médico Clidenor Freitas Santos, do professor Benjamim do Rego Monteiro Neto e do governador Hugo Napoleão, todos integrantes da Casa de Lucídio Freitas. Portanto, esses nomes devem ser guardados pelo povo do Piauí.
A Academia mantém, desde sua fundação, a sua revista literária, já na 70ª edição. Desde que assumimos a direção do Sodalício demos especial atenção à atualização dessa revista, já tendo publicado sete edições e encontrando-se com mais duas em fase de preparo, para fechar esse ciclo com a edição relativa ao corrente ano, de forma que publicaremos dez edições, atualizando, assim, essa importante revista literária piauiense.
Recentemente, em parceria com o Governo do Estado, a Academia deu à estampa a Coleção “Grandes Textos”, divulgando nove importantes obras de cunho histórico e literário. Publicou algumas obras avulsas e deu início a uma importante coleção literária. Trata-se da Coleção “Centenário”, visando comemorar o primeiro século de fundação da Academia. Foram publicados os três primeiros números, dois em convênio com o Senado Federal e um com a Universidade Federal do Piauí. Dando prosseguimento a essa iniciativa, mais seis obras literárias se encontram no prelo, duas em preparo e doze foram, recentemente, aprovadas pelo Conselho do Sistema de Incentivo Estadual à Cultura(SIEC). É nossa intenção que esse seja o maior empreendimento literário do Estado do Piauí, superando os dois anteriores, com a edição de mais de sessenta obras que forem julgadas importantes para a compreensão da realidade piauiense. Será o ponto culminante dos festejos com que a intelectualidade piauiense comemorará o centenário de fundação da Academia. Para isso desejamos contar com o apoio das instituições públicas e da iniciativa privada.
IV. OS CASTELO BRANCO
Na Academia, para o bom êxito deste trabalho teremos de contar com o apoio e a colaboração de todos os acadêmicos. Nesse aspecto, a eleição de Homero Ferreira Castelo Branco Neto é um alento, pois se trata de um escritor admirável e um intelectual engajado e muito determinado em seus afazeres. Homero costuma dar tudo de si em cada coisa que faz, por mais que pareçam pequenas. Nesse aspecto segue à risca a lição do bardo Fernando Pessoa:
Para ser grande, sê inteiro: nada
Teu exagera ou exclui.
Sê todo em cada coisa.
Põe quanto és
No mínimo que fazes.
Assim em cada lago a lua toda
Brilha, porque alta vive”.
Aliás, eu não diria que Homero chega tarde, mas chega na hora certa. “Tudo neste mundo tem seu tempo; cada coisa tem sua ocasião”. Está no Eclesiastes(31-8). Para Homero ainda é tempo de plantar, de construir, de se alegrar, de abraçar e de amar. A sua eleição foi consagradora, por unanimidade, dizendo, assim, a Casa, da satisfação em recebê-lo.
Meu caro Homero, esta Casa é vossa, seus familiares ajudaram a construí-la. A família Castelo Branco tem profunda ligação com a assim cognominada “Casa de Lucídio Freitas”, ele próprio aparentado aos Castelo Branco. A sua família deu uma enorme contribuição à literatura piauiense.
Foram patronos de cadeiras na Academia Piauiense de Letras: Hermínio de Carvalho Castelo Branco(2), Joaquim Sampaio Castelo Branco(3), Teodoro de Carvalho e Silva Castelo Branco(6), Antônio Borges Leal Castelo Branco(15), Miguel de Souza Borges Leal Castelo Branco(22), Simplício Coelho de Resende(26) e Heitor Castelo Branco(37). A grande ausência foi Leonardo de Nossa Senhora das Dores Castelo Branco, autor de O ímpio confundido(1837) e A criação universal(1836).
Tiveram ou têm assento nas diversas cadeiras da Academia: Fenelon Ferreira Castelo Branco, um dos fundadores(3), Cristino Castelo Branco(15), Carlos Castelo Branco(15), Renato Pires Castelo Branco(19), Emília Castelo Branco de Carvalho(37), Emília Leite Castelo Branco(37), e na atualidade, Maria Nerina Pessoa Castelo Branco(35) e Heitor Castelo Branco Filho(37), para mencionar apenas aqueles que trazem consigo o nome da família.
A Academia ainda abrigou ou abriga outros descendentes de Dom Francisco da Cunha Castelo Branco, tais como: João Pinheiro(2), Breno Pinheiro(8), Celso Pinheiro(10), Celso Pinheiro Filho(8), Benedito Martins Napoleão do Rego(11), Aluízio Napoleão de Freitas Rego(11), Benjamin do Rego Monteiro Neto(15), Jacob Manoel Gayoso e Almendra(20), Gerardo Majela Fortes Vasconcelos(22), José de Arimatéa Tito(29), José de Arimatéa Tito Filho(22), Hugo Napoleão do Rêgo Neto (9), Alcenor Rodrigues Candeira Filho (19), Magno Pires Alves Filho(26) e Afonso Ligório Pires de Carvalho(29), para citar apenas os descendentes em linha direta.
Portanto, meu caro Homero, a sua família é quase dona da Casa de Lucídio Freitas. E isto ocorreu porque sempre prezaram o estudo e cultivaram as boas letras.
V. O NOVO ACADÊMICO
V.a. NASCIMENTO
O novel acadêmico Homero Ferreira Castelo Branco Neto, entrou pela vida na cidade de Amarante, barrancas do Parnaíba, terra de grandes paladinos, entre os quais Da Costa e Silva e Odilon Nunes, ilustrados membros de nossa Casa. Foram seus pais, dona Hosana Pontes Castelo Branco e Herbert de Marathaoan Castelo Branco, que ali exercia o cargo de promotor de Justiça, depois sendo juiz de Direito e desembargador do Tribunal de Justiça do Ceará. Sobre essa época, mais tarde se reportaria o velho pai:
Foi justamente em Amarante, este recanto admirável do Piauí, encravado na confluência dos rios Parnaíba e Canindé, que veio ao mundo, no ano de 1943, meu filho Homero” (Mensagem ao povo de Amarante, 1978).
V.b. FORMAÇÃO
Cedo, porém, Homero deixa a bucólica cidade de Amarante, do “velho monge”, atravessa a Serra da Ibiapaba, das missões jesuíticas, e depois de breve período no interior cearense, vai ter-se na “capital alencarina”, defronte aos verdes mares bravios. Ali cursa, com êxito, as diversas séries dos ensinos Ginasial e Médio, para ingressar no Curso de Economia da Faculdade de Ciências Econômicas e Contábeis da Universidade Federal do Ceará, onde se forma no ano de 1967. Desejando aprimorar os conhecimentos, fez especializações em Monterrey, no México e em Atlanta, nos Estados Unidos da América.
V.c. VIDA PROFISSIONAL
Então, a convite do Prof. Raimundo Nonato Monteiro de Santana, ilustre membro de nossa Casa, regressa ao Piauí, fixando-se na cidade de Teresina, onde se emprega na extinta CODESE(Coordenação de Desenvolvimento Econômico do Piauí), instituição que antecedeu a Fundação Centro de Pesquisas Econômicas e Sociais do Piauí (CEPRO) e como professor no Liceu Industrial e na Escola Técnica “Leão XIII”. Ainda no campo profissional, exerceu os cargos de diretor do Departamento de Assistência aos Municípios, secretário de Planejamento do Município de Teresina, onde também, por breve período, exerceu o cargo de Prefeito Municipal; em nível estadual, exerceu ainda os de subsecretário de Planejamento, secretário de Administração, de Fazenda e do Trabalho e Ação social.
V.d. FAMÍLIA
Homero Ferreira Castelo Branco Neto é casado com dona Hilma Martins Castelo Branco, de tradicional família sul-piauiense, com quem tem três filhos: Geraldo (administrador), Verônica(contadora) e Hosana Karinne(médica); o casal tem, também, três netos: Stelios, Stella Hilma e Nícolas.
V.e. O POLITICO
Com vocação política, Homero Castelo Branco ingressou no movimento estudantil ao tempo dos estudos no Ceará, sendo eleito e assumindo os cargos de presidente do Diretório Acadêmico “Nogueira de Paula”, da Faculdade de Ciências Econômicas, e presidente do Diretório Central dos Estudantes da Universidade Federal do Ceará(DCE/UFCE).
Portanto, com essa imensa vontade de servir, não tardaria a ingressar na política partidária. Disputou seu primeiro mandato de deputado estadual no pleito travado em 1974, integrando a Assembleia Legislativa do Piauí, onde permanece, com breves interregnos, até fevereiro de 2007. Político ativo e irrequieto, durante esses sucessivos mandatos parlamentares, ocupou os cargos de vice-presidente e secretário da mesa diretora, presidente de comissão técnica e relator de várias matérias de interesse do Estado, além de cofundador de partido político e líder de bancada(PFL).
Homero Castelo Branco colocou sempre seus mandatos a serviço do povo, pugnando pelas grandes causas. Por essa razão, teve o reconhecimento popular, consubstanciado nas sucessivas reeleições, e das diversas organizações e instituições estaduais, nacionais e até internacionais. A cidadania honorária lhe foi outorgada pelo povo, através de seus representantes, em 36 municípios piauienses e em Monterrey, no México. Foi condecorado em Nova Leon, no México, e em Amarante, cidade homônima e patrona de sua terra natal, em Portugal.
E o reconhecimento público não pára por aí. Tem as seguintes medalhas: do Mérito Legislativo, outorgada pela Assembleia Legislativa do Piauí; do Mérito Municipalista, pela Associação Piauiense de Municípios; de Honra ao Mérito “Heróis do Jenipapo”, pela municipalidade de Campo Maior; do Mérito “Conselheiro José Antônio Saraiva”, pela Prefeitura Municipal de Teresina; do Mérito Legislativo, pela Câmara Municipal de Teresina; além de várias outras condecorações outorgadas por instituições culturais e lojas maçônicas, todas em forma de reconhecimento ao seu trabalho em benefício das comunidades e das instituições que representou.
E toda essa atividade política, meu caro Homero? “Valeu a pena?”.
..................? Tudo vale a pena
Se a alma não é pequena” – responde Fernando Pessoa, acrescentando:
Quem quer passar além do Bojador
Tem que passar além da dor”.
Ouçamos o experiente Homero Castelo Branco, político tarimbado, que foi muito além do Bojador:
Cedo me deixei dominar pela mais exigente e absorvedora das amantes que o homem pode portar: a política. (...).
A política tenho como dona de minha cabeça. Chegou como festa – paixão e como paixão sempre recomeço. (...).
Hoje ando devagar. Tive pressa. Chorei demais por tantas topadas. Mas a política continua-me seduzindo, apesar de ter a certeza de que muito pouco sei dessa divindade. Ela é muito sedutora e nunca a esquecerei. Digo e ela não acredita. É minha amada e amante de todos. Ela é bonita demais. Aprendi a amá-la. Agora pressinto que vai abandonando-me. Meu Deus, logo agora! Ela é parte de minha vida, de minha alma, de meus nervos e de meu sangue!” (CASTELO BRANCO, Homero. Sentimentos embalsamados. Teresina: Gráfica do Povo, 2013. p.43/44).
Portanto, valeu a pena.
V.f. O INTELECTUAL
Mas o que justifica a eleição consagradora de Homero Ferreira Castelo Branco Neto, para a Academia Piauiense de Letras? Sem sombra de dúvidas, é a sua intensa atividade intelectual. De fato, a sua atuação parlamentar esteve também a serviço da cultura. Concomitante à militância política andou publicando alguns trabalhos interessantes, o que se intensificou depois dos mandatos parlamentares. Podemos dizer assim, que o Piauí perdeu um parlamentar atuante e ganhou um escritor produtivo. Em face dessa intensa produção intelectual, pertence ao Instituto Histórico e Geográfico do Piauí e a quatro academias regionais.
Homero Castelo Branco é autor das seguintes obras: Histórias do velho Homero, onde relembra a personalidade de seu avô paterno; Auta Rosa, resgatando uma personagem mítica de Amarante, a sempre lembrada terra natal, cujo laço nunca se quebrou; Padre Marcos, estudo biográfico, o melhor que até aqui se produziu, sobre um dos principias personagens do Piauí na primeira metade do século XIX, o famoso Padre Marcos de Araújo Costa, da Boa Esperança, religioso exemplar e um educador de grandes méritos; e, Alcides – o primeiro filósofo e o último coronel de Barras, tomando por tema o político barrense Alcides do Rego Lages; com saborosas crônicas e uma pitada de humor, traça um painel da cidade de Barras, sua história, suas contendas políticas, enfim, é Barras que surge, além de trazer à baila o fazer político sertanejo.
A divulgação de suas ideias, a análise da conjuntura política, as teses defendidas nos palanques populares e na tribuna parlamentar, ele as resumiu em: Temas de uma intensa vida parlamentar; Planejamento familiar e aborto: uma discussão sem hipocrisia; 100 dias sem rumo; Agente do desenvolvimento; João Paulo II; Do Planalto a Guaribas; Voz do ontem; Grandes civilizações americanas; 2004 – do sonho ao pesadelo; Acredito; Conversas soltas ao vento; Amor & outros males; Anjo ou demônio; Prevenção da cegueira; Ventos imprevisíveis; e, Quando a porca torce o rabo, este último um conjunto de saborosas crônicas
De sua vasta obra desejamos destacar: Sentimentos embalsamados e Ecos de Amarante.
O primeiro é também o mais recente livro do novo acadêmico: Sentimentos embalsamados. Lançado em abril, em comemoração aos seus setenta anos de vida, é um livro que veio para ficar, porque o autor desnudou a sua alma, falando francamente sobre suas forças e suas fraquezas. São livros como esse que ficam, porque acrescentam ao leitor, conforme as mostras delineadas nessa fala. Alguns escrevem memórias, mas poucas, porém, ficam porque a maioria dos escritores esconde os sentimentos, o que não foi o caso de Homero. Sua franqueza e estilo lembram as Memórias, de Humberto de Campos; Minha formação, de Joaquim Nabuco; ou, Confiteor, de Paulo Setúbal. Modesto, Homero Castelo Branco nega ter pretensões literárias, chegando mesmo a afirmar não ser escritor, no que não concordamos. Sentimentos embalsamados é mais do que o desnudamento de uma alma, do que a história viva e empolgante de uma pessoa, resgatando a própria história de uma geração, as impressões de um povo, o drama da alma humana. Homero Castelo Branco é um piauiense genuíno, que ama a sua terra com intensidade, daí os seus sentimentos serem os sentimentos de todos os piauienses. É, também, um observador perspicaz e abalizado protagonista da cena política, razão pela qual suas observações servem de suporte para os historiadores da época contemporânea. Enfim, com olhar percuciente penetra fundo na alma humana, fazendo de suas conclusões um suporte seguro a todas as pessoas inteligentes.

Ecos de Amarante é um belo livro sobre sua cidade e os personagens que a fizeram. É a história romanceada de Amarante, recheada de personagens fictícios e reais, onde a principal protagonista é a própria cidade. De suas páginas pululam políticos, coronéis, fazendeiros, comerciantes, gente simples, pessoas do povo, numa trama entremeada de ficção e realidade, onde vão aparecendo a paisagem local, as ruas, os becos, as praças, os morros, os rios, as fazendas, os sítios, o modo de falar, de ser, as estórias e as histórias do lugar; o resgate dos costumes, das lendas, das cantorias, das modinhas, da dança, das rezas, das “incelenças”, das festas juninas, do folclore, enfim, de personagens esquecidos e da vida política, econômica e social da cidade. O livro traz um vasto painel da Amarante antiga. Aliás, Homero e Amarante sempre protagonizaram uma história de amor. Nas inúmeras campanhas políticas o povo daquela cidade viu nele um intérprete de seus sentimentos e a transformaram em sua base eleitoral.
Juscelino Kubitschek, ex-presidente da República, anotou em um livro de memórias, Meu caminho para Brasília, que nos momentos mais difíceis, quando muitas eram as provações, retornava à sua Diamantina natal e ali, no reencontro com as suas origens, recobrava as energias e retornava mais forte à arena de luta. Parece-me que Homero Castelo Branco pode dizer a mesma coisa com relação à sua Amarante. Pode até cantar com o conterrâneo ilustre, Da Costa e Silva:
A minha terra é um céu, se há um céu sobre a Terra:
É um céu sob outro céu, tão límpido e tão brando,
Que eterno sonho azul parece estar sonhando
Sobre o vale natal, que o seio à luz descerra.”
Ou pode dizer com Fernando Pessoa:

“Da minha aldeia vejo quanto da terra se pode ver do Universo...
Por isso a minha aldeia é tão grande como outra terra qualquer,
Porque eu sou do tamanho do que vejo
E não do tamanho da minha altura... “.

Ele mesmo mesmo diz:
Viajei por muitos países. Conheço uma dúzia de mar. (...).
Vi gruta, nevoeiro, vi tanta coisa bela e doida neste mundo incerto, mas nunca sai de meu coração, Amarante, meu berço, este pedaço de terra no Piauí, feito de esperança, que guarda história, lenda e cantiga. Cidade feita de azul que não desbota, cidade de todos os amantes, de todos os poetas, que ouve queixa e não conta as suas. Que ouve cantiga, viola, prece, desejo e voto. Cidade que festeja iemanjá” (CASTELO BRANCO, Homero. Sentimentos embalsamados. Teresina: Gráfica do Povo, 2013. P.36).
Assim é o amor de Homero por sua Amarante.
Com essas observações, não temos dúvida em afirmar que Homero Ferreira Castelo Branco Neto é um bom escritor, de linguagem simples, concisa, precisa, elegante.
É, também, um conversador admirável, lhano de trato, um gentleman.
Por esses relevos de personalidade, é uma boa aquisição que faz a Casa de Lucídio Freitas. E com muita honra é que o recebo nesta solenidade.
Sede, pois, bem vindo Senhor Homero Castelo Branco, à nossa casa. Ela agora também é vossa.

Muito obrigado.

(*) Discurso de recepção ao Acadêmico Homero Ferreira Castelo Branco Neto, na Cadeira 31 da Academia Piauiense de Letras, proferido pelo acadêmico Reginaldo Miranda, atual presidente da Academia Piauiense de Letras, em 20 de junho de 2013, às vinte horas, no Auditório da OAB/PI.

quarta-feira, 26 de junho de 2013

Dois epílogos para os ditadores


Dois epílogos para os ditadores

Cunha e Silva Filho

Não existem diferenças entre os ditadores no que há de essencial nos aspectos da persona que encarnam. Na América Latina, por exemplo, tudo indica que praticamente estão saindo de cena, e a tendência é que, com a morte deles, sumam de cena das chamadas sociedades democráticas. No Brasil, tivesse havido punição logo após a redemocratização de nossa vida política e de nossas instituições, os culpados da repressão militar seriam punidos com mais propriedade, e as autoridades responsáveis pelo regime discricionário  teriam  recebido suas punições, seja qual fosse a patente que detinham.

Alguns de nosso ditadores militares considerados mais autoritários juntamente com alguns civis que exerciam funções de relevo no governo federal foram na realidade considerados culpados pela ações repressoras pelas quais o país passou. No entanto, entre nós, todos os presidentes militares já são falecidos.

De que modo poderiam eles agora serem  julgados por crimes contra a humanidade ou por torturas contra os adversários do regime, quer fossem militares, quer civis? Obviamente, somente us poucos dos civis que apoiaram o regime militar ainda se encontram vivos e até hoje permanecem ilesos.Para falar a verdade, parte da sociedade brasileira esteve ao lado do regime. Por conseguinte, torna-se quase uma abstração procurar punir a massa da sociedade que apoiou a ditadura.

O papel da Comissão Nacional da Verdade, autorizada pela presidente Dilma Rousseff, tem o compromisso de discutir a situação e de traçar planos de medidas a serem adotadas a fim de encontrar aqueles que devem ser responsabilizados pelo desaparecimento de militantes políticos, pelos que foram assassinados e torturados durante a repressão. A própria presidente Dilma Rousseff foi vítima da tortura, segundo declaração feita em público. Desta forma, a Comissão de saída mostra-se um instrumento um tanto enfraquecido para dar um passo decisivo no avançar desta questão devido a muitas dificuldades e óbices para reunir provas que chegassem aos responsáveis diretos pelos vários tipos de violação dos direitos humanos por parte dos membros de repressão, em cujo grupo poder-se-iam incluir tanto homens das forças aramadas como da polícia civil.

Além disso, é notório que os membros mais elevados sobre os quais recaem as responsabilidades já se encontram mortos e sepultados.

A Lei da Anistia veio para reconciliar os segmentos militares e civis, ou seja, instalou-se para restituir os direitos políticos de brasileiros cassados pela ditadura militar. Parte considerável deles vivia no exílio, Eram professores secundários, professores universitários, cientistas, escritores, artistas, em suma, gente oriunda das várias atividades profissionais.A despeito disso, parentes das vítimas, e mortos  pela repressão têm direito de reivindicar o paradeiro dos entes queridos desaparecidos e assassinados, e, como tal, igualmente têm o direito de exigir punição para torturadores declarados. Obviamente, isto exige profunda investigação para cada caso de modo a evitar-se ações atabalhoadas que poderiam penalizar inocentes ou pessoas que, por um motivo ou outro, não fossem devidamente investigadas e consideradas erroneamente como  culpadas.

A tortura, seja qual forma assuma, psicológica, física, é um ato tão vil e abjeto que não se coaduna com a racionalidade humana e, por isso, não deve ser praticada ainda que seja por ordem de superiores na hierarquia do poder. Se ela se comporta assim é porque a hierarquia deixou de ter validade e transformou-se em força bruta, animalesca, covarde e abominável . Tal se deu com o nazismo, nos crimes do Holocausto, Quer dizer, ao ser praticada, ela esquece os limites do respeito ao ser humano e age como monstros destituídos de sentimentos elevados.

Acredito que os militares das novas gerações tenham uma outra visão das atrocidades cometidas durante os “anos  de chumbo” (1968-1974), i.e., o período mais repressivo dos governos militares. São jovens com outra formação político-histórica. Creio mesmo que hoje só aspiram desempenhar seu papel em defesa do território brasileiro e da estrutura político-institucional. Este é o papel que efetivamente lhes cabe na conjuntura contemporânea.

A longa experiência ditatorial que tivemos serviu às Forças Armadas como um exemplo deplorável que jamais se deve repetir numa fase histórica em que o pais está consolidando sua vocação democrática  e seu quase pleno  amadurecimento de nação  em desenvolvimento servindo de modelo a outros países do mundo que não alcançaram esse nível de progresso.

Julgo que a Comissão Nacional da Verdade tem um desafio delicado pela frente e há de encontrar uma maneira de atender aos apelos dos que sobreviveram à violência de um regime de força e dos que perderam seus entes queridos, muitas vezes de forma injusta e descabida. Tudo deverá ser medido e qualquer decisão que peque por excessos deverá ser evitada, principalmente porque estamos muito distantes do início sombrio de uma era que não queremos mais ver se repetir.


Se os homens da lei não resolvem alguns crimes que permanecem impunes, por fraqueza das instituições, os criminosos e torturadores, no íntimo de seus seres, na consciência pesada de seus delitos, e com a chegada da velhice, dos achaques e da falta de reconhecimento da sociedade, são por eles mesmos punidos. Não há sentença pior do que a consciência pesada de ser contemplados pelos outros como um abominável criminoso.

terça-feira, 25 de junho de 2013

Gorender: as luzes do combatente


Gorender: as luzes do combatente

Fonseca Neto

Um herói? Não. Um lutador pela causa dos oprimidos. O que em geral se chama de herói não passa de invencionice.

A luta dos trabalhadores perdeu um militante e o Brasil um de seus melhores intérpretes. Refiro-me a Jacob Gorender: nonagenário, pois nasceu em 1923, trata-se de um brasileiro notável por seu engajamento vontadoso da construção do mundo livre das colonizações. Historiador com lugar destacado entre os mais respeitados. 

Nascido e criado em solo baiano, sua caminhada o levou a defender o ideal de liberdade contra o nazi-fascismo em terras da Itália, em 1943 – já então um militante comunista – integrando a Força Expedicionária Brasileira. Ao contrário da maioria que apenas quis derrotar Benito e Adolf, mas não os processos sociais e políticos que explicam o regime que lideraram, aprendeu Gorender que as chamadas “guerras mundiais” são explicativas de um conjunto de misérias que nem de longe os “aliados” e sua linha política hegemônica quiseram superar. Na construção do seu destino pessoal e social, a guerra certamente concedeu-lhe a experiência sensível de reviver o drama de seus próprios pais, judeus não sionistas, afugentados no velho Império Russo e migrados para a Bahia.

Aliás, tal circunstância explica seu itinerário de lutador social contra as opressões. Nathan Gorender, pai, um ucraniano; a mãe, Anna, da Bessarábia. Nathan, militante de esquerda, marxista, que, inclusive, participou das jornadas de 1905: “viu ancorar em Odessa o Encouraçado Potemkim”, contou mais tarde Jacob, o filho historiador brasileiro.

A formação intelectual de Jacob Gorender foi, assim, e na orientação essencial, forjada no calor da luta. Frequentou escolas em Salvador, chegou a iniciar o bacharelado em Direito, mas sua grandeza de pensador humanista e social explica-se por aquela forja, realizando-se num sentido de autodidatismo sem par. Costumava dizer que a circunstância de ter nascido na Bahia fora decisiva para estudar o horror da escravidão neste lado mundo – Bahia que é caldeira genuína do povo negro afro-brasileiro e notório ninho de lutadores da Esquerda.

De fato, um dos trabalhos de forte impacto no debate historiográfico de sua lavra, diz respeito ao “escravismo colonial” na América portuguesa. Debate de muita intensidade e gerador de polêmicas quentes na elaboração dos pensadores da Revolução proletária. Nesse sentido, a contribuição dele é particularmente corajosa porque ousou confrontar o “dogmatismo” de várias organizações de luta dos trabalhadores quanto ao referencial marxista, propondo releituras, por exemplo, de algumas análises de Caio Prado Jr. quanto ao dito escravismo.

A propósito, em pleno furor do ascenso neoliberal, em 1990, quando acabara de desmilinguir o Império Soviético, disse ele o seguinte: “A minha firmeza a respeito do marxismo como método de pesquisa e compreensão da vida social não foi afetada por esses acontecimentos. Eu continuo com a convicção de que o próprio marxismo pode explicá-los. Para isso, entretanto, é preciso que o marxismo seja entendido sem limitações de qualquer caráter dogmático e aplicado com inteira criatividade. O próprio marxismo precisa se renovar”.

Coerente, bafejado por vida longa, Gorender é reconhecido e ainda mais respeitado por muitos justamente pela qualidade e honestidade intelectual que demonstrou em fazer releituras revisionais de sua própria elaboração pretérita.

E ainda mais importante: examinar as novas conjunturas descortinadas sem perder as linhas analíticas essenciais sobre escravidão, movimento operário, partido, dentre outras questões centrais da vida e luta social na perspectiva da liberdade real e da justiça, para além da retórica. Outro exemplo de sua coragem intelectual-militante: sua escritura em “Combate nas trevas”, obra necessária por ajudar entender a arqueologia das opções dos lutadores quando “pegaram em armas” e na mira destas colocaram a Revolução.

Atacado à Direita – o que faz ainda mais realçar sua obra – foi, por essas qualidades elevadas (e sem “formatura”) admitido como um dos luminares da USP, laureado pesquisador do Instituto de Estudos Avançados, pelo qual publicou suas contribuições mais recentes.


Não morreria sem que visse ascender à presidência da República pelo voto popular sua companheira no cárcere do fascismo. Dois ícones do Brasil bonito que os capatazes do eito escravista atacam à luz do dia.

segunda-feira, 24 de junho de 2013

Vídeo que bombou passeatas


Vídeo que bombou passeatas

José Maria Vasconcelos
Cronista, josemaria001@hotmail.com

Linda jovem, Carla Dauden, brasileira, cineasta, nasceu em São Paulo, reside na Califórnia. Produziu um vídeo de 6 minutos, em inglês, legendado em português, explicando por que brasileiros estão revoltados contra a Copa. O vídeo atingiu sucesso no Youtube, mais de 600 mil acessos em menos de 24 horas. Juiz Anchieta Mendes, romântico seresteiro, encantou-se com a beleza da moça, porém me engracei com a excelência do desabafo da loira. Um presentão aos brasileiros decentes, engasgados com o estado de miséria moral que contamina expressiva parcela da elite política. Cortei alguns trechos por economia de espaço:
"...toda vez quando falo que sou do Brasil, alguém diz que vai assistir à Copa do Mundo. Então, saímos às ruas, perguntamos o que vem à mente delas quando pensam em Brasil: mulheres, bundas grandes, futebol, Ronaldo, muitas festas e danças, sexy. Aqui, a coisa fica séria: a Copa do Mundo vai custar ao Brasil quase 30 bilhões de dólares. Mais que as três últimas copas juntas. Elas custaram, aproximadamente, 25 bilhões. Agora, me digam: um país com a média 10 a 20% de analfabetos; número 85 no ranking de desenvolvimento humano; 2 milhões de pessoas passam fome todo dia; muitas pessoas morrem por falta de assistência médica... esse país precisa de estádios? Alguns políticos argumentam que a Copa do Mundo incentiva o povo a sentir-se melhor. O quê?! Quer dizer que passamos anos pagando impostos pra quê? Que país precisa para incentivar seus cidadãos? Todo esse dinheiro gasto, construir estádios, e a população levada a crer que a Copa do Mundo incentiva cidadãos a vida melhor?
A verdade é que a maior parte do dinheiro gerada pelos jogos vai direto para a FIFA. E nós nem vemos esse dinheiro que vem dos turistas e investidores. Vai direto para os que já têm muito dinheiro. O vendedor de sorvete na praia vai ter uma semana boa. O evento vai mesmo mudar a vida dele? As unidades de polícia pacificadora(UPPs) estão entrando nas favelas e removendo criminais... Quanto demorará esses criminais serem afastados? No Brasil, isso se chama botar sujeira debaixo do tapete. Uma solução temporária para um problema mais profundo. Que vocês acham o que vem com samba, festa e dança? O que vocês acham de onde vêm as drogas? Os criminais não podem ficar muito longe...
Copa do Mundo e Olimpíadas são ótimos eventos, mas o nosso país não precisa agora. Olhem para outros países que sediaram a Copa. Olhem para os custos de manter o que a gente construiu. Milhões por mês para conservação com o nosso dinheiro. A gente não precisa de estádios, mas de educação. A gente não precisa impressionar o mundo. A gente precisa de brasileiros que tenham comida e saúde. A gente precisa de trabalho e vida sustentável. Está provado que os bilhões que estamos gastando agora, temos mais é que mudar nossa situação...
Não sei o que esse vídeo vai provocar nessa altura, mas sei que a informação precisa ser passada. É hora de pensarmos em nossas prioridades. Espero que vocês gostem deste vídeo e passem adiante."
No final, o vídeo exibe imagens da miséria, violência, corrupção, com mixagem do discurso da presidente Dilma, na ONU, destacando a "maravilhosa" situação social do Brasil. Professores deveriam discutir o texto com seus alunos.
As redes sociais exercem extraordinário poder de fogo. Que o digam Egito, Líbia, Síria, Palestina, Israel e Turquia. E as metrópoles brasileiras, nos últimos dias, apoiadas na Europa. Bela e inteligente jovem, capaz de despertar a consciência nacional, adormecida pela alienação, há décadas. Seduziu até o juiz!

domingo, 23 de junho de 2013

O rei estava ensimesmado


O rei estava ensimesmado

Durvalino Filho (1953)

O rei estava ensimesmado,
de sua boca nada se ouvia
nenhuma ordem para hoje,
nenhum enforcamento.
Não foi cobrado o dízimo da noite.
Um escândalo arrebentou na economia
e não foi liberado o pensamento
porque o rei havia-se calado
e o país inteiro adormecia.

O enclausurado urrou por entre as grades.
Mil acidentes com os bóias-frias.
O bispo ficou celerado, possesso
e o diabo rezou a ordem do dia.
Na iniciativa privada
forjaram-se as falências desastrosas
com a mudez do rei que só ouvia.

Mataram cães de estimação
em mansões de beira-rio.
Comunidades se desintegraram,
crianças tornaram-se desafio
e a nudez das mulheres
virou prato do dia.
Adeus, véus de Alexandria!

Não houve festas nas periferias
e as mentiras aumentaram em abril.
Até que o rei declarou
num assomo de agonia:
Nada mudou no Brasil.” 

sábado, 22 de junho de 2013

Lugar do Encantado


Lugar do Encantado

Edmar Oliveira

Estive recentemente na Teresina, por um curto período, e tive a sensação de que a cidade tá se encantando em outra quando atravessa o Poty. Feito a Floresta de Pedra na Ilhotas que se encantou no meio do rio e deu nome ao bairro.

Teresina nasceu na beira do rio Parnaíba e fez a cidade entre os dois rios, desde o encontro das águas até para além da Curva de São Paulo, Poty acima. Por isso a cidade só tinha dois pontos cardeais: a zona norte que vai da Avenida Frei Serafim até o encontro das águas e a zona sul, que ia da mesma Avenida até a cancela separando a zona urbana da estrada de Palmeirais. A oeste estava o Maranhão. Ao leste o além-Poty das chácaras dos abastados até a estrada se bifurcar para Altos e União.

Pois ocorreu na minha ausência: a cidade se mudou toda para o outro lado do Poty e a cidade velha foi abandonada. Alguns moradores resistem, mas a maioria se encantou lá na cidade nova e eu não vejo mais. Como representantes dos habitantes que não se encantaram e continuam nas ruas da velha Teresina posso encontrar, dos velhos conhecidos de outrora, Assai Campelo, representante honorário da velha cidade, Paulo Moura, Tabatinga, Cícero Mafuá, Chagas Vale, Wilsim, os Galvões, Maiobinha e Maiobão, entre outros nativos que permaneceram na geografia antiga. Mas até o Cinéas, que resiste com sua Oficina da Palavra na Benjamim Constant, hora por outra se encanta do lado de lá e eu não consigo achá-lo. Durvalino, Xico Wilson, Tadeu, Cabeção, Paraguaio e outros confrades do Conciliábulo do Bar do Chicão se reúnem na sede da Coelho de Resende nos finais de semana. Durante a semana ficam no encantamento do outro lado do Poty e não é possível serem encontrados.

E não é que eu não procure, mas do lado de lá (além-Poty) eu não conheço mais ninguém, tá todo mundo encantado, foi o que pude imaginar procurando a Floresta de Pedra que também não achei. Dessa vez na cidade nova consegui ver o Bicudo, velho colega do Colégio Batista, que se materializou num bar da zona leste. Não perguntei se ainda mora na cidade velha. Mas como não estava encantado, presumo que sim.

E não é que noutro dia encontrei a filha do “Seu” Veloso, dono de uma grande mercearia e botequim lá do grotão do Barrocão! Encontrei é modo de dizer, me asseguram que era ela. Mas a minha antiga conhecida tinha sido a Secretária de Saúde (até trabalhei um tempo com ela sem lhe descobrir a identidade). É a Primeira-dama do Estado no governo atual e ainda é Conselheira do Tribunal de Contas do Estado. Juraram que era a filha do “Seu” Veloso, mas no encantamento não teve quem fizesse eu reconhecer a moça... O Assaí jura que é! Isso é que é um encantamento dos grandes.

Por isso é que eu não conheço quase ninguém em Teresina. Se encantaram lá do outro lado do Poty!

sexta-feira, 21 de junho de 2013

Hoje, lançamento de Cinturão de fogo


O escritor e jornalista Toni Rodrigues lança nesta sexta-feira, 21, às 19:00h, na Livraria Entrelivros, em Teresina, Cinturão de Fogo. O livro-reportagem aborda os incêndios criminosos na periferia de Teresina na década de 1940, episódios até hoje repletos de controvérsias.

O assunto, que já foi alvo de vários estudos acadêmicos e obras literárias, ganha novos ares na escritura de Toni Rodrigues. Para novas ilações sobre o tema, o escritor, além de revisitar as fontes bibliográficas, recorreu a fontes primárias, principalmente a documentos ainda desconhecidos publicamente e, com maior destaque,  a declarações inéditas do médico Agenor Barbosa de Almeida, já falecido. 

Toni Rodrigues é um dos mais destacados jornalistas do Piauí na atualidade. Editorista e jornalista especializado em política, atua também no rádio, à frente de programas de participação popular de grande audiência em Teresina. É autor de quinze obras, inclusive literárias. O livro Cinturão de Fogo é uma publicação da Nova Aliança e Portal Entretextos.


Fonte: Portal Entretextos

quinta-feira, 20 de junho de 2013

A CORTESIA DE UM “PÃO DURO”


20 de junho   Diário Incontínuo

A CORTESIA DE UM “PÃO DURO”

Elmar Carvalho

Estava conversando com um amigo ao telefone, sobre assuntos diversos e aleatórios, quando ele, para ilustrar uma tese sua, contou-me um fato acontecido com um conhecido seu, dos velhos tempos. Para evitar fofocas e intrigas não irei lhes revelar o nome. Meu amigo, embora um tanto circunspecto, tem considerável senso de humor, quando lhe apraz, conquanto o use com certa parcimônia e cautela.

Esse amigo de meu colega, era um jovem estudado e de muita inteligência, mas desses que a ironia popular diz que saiu do mato, porém sem que o mato saia dele. Na verdade, era um verdadeiro bicho do mato. Em suma, conservava os modos e o jeito de falar de um legítimo tabaréu da caatinga piauiense. A caricatura descritiva do Jeca Tatu a ele se aplicava com exatidão. Recém casado, foi a uma das maiores lojas de departamento para tentar comprar uma geladeira.

Sequer tinha emprego. Vivia de duas remunerações, que percebia na qualidade de estagiário. Talvez esses ganhos correspondessem, se muito, a dois salários mínimos. Conversou com o vendedor sobre as condições de pagamento, contudo percebeu que não teria condições de honrar o compromisso, mesmo com o plano de perfil mais alongado. Quase entrou em desânimo, ainda mais porque essa empresa tinha a fama, merecida ou não, de retomar as mercadorias de quem por ventura caísse em inadimplência.

Resolveu falar com o gerente, na tentativa de alongar ainda mais as parcelas, mas foi informado de que apenas o dono poderia autorizar o que propunha. Foram, pois, falar com o empresário, que era e é um dos maiores do Piauí. O moço contou sua história, não esquecendo de dizer que era recém casado, e fez a sua proposta. O proprietário, que tinha fama de ser um tanto “pão duro”, supôs que ele fosse uma pessoa de pouco estudo, ou até mesmo analfabeta, e por isso pediu que ele lhe fizesse uma petição escrita do que estava propondo.

Talvez desejasse desqualificar o pretendente, que se dizia prestes a se formar, para desse modo mais facilmente justificar o indeferimento. Mas o rapaz, que depois foi aprovado em concurso para cargo público importante, se não era loquaz, era muito habilidoso em redação, e fez uma bela peça, vertida em elegantes letras e frases, não sei se condimentada com eventual latinório.

O empresário parecia não crer no que acabava de testemunhar, e olhou, repetidas vezes, do requerimento para o seu autor e vice-versa, como se não pudesse acreditar que esse aparente matuto fosse capaz de elaborar aquele pedido, bem redigido e bem fundamentado. Ademais, a letra era quase uma obra de arte, caprichada, legível, e o texto não apresentava o menor erro gramatical ou rasura, tudo tendo sido escrito com rapidez e sem hesitações.


Ainda perplexo com a capacidade redacional do rapaz, pediu-lhe o endereço. Em seguida, disse que mandaria deixar a geladeira em sua casa. O amigo do meu amigo pediu o contrato e demais papelada para assinar. Mas, para sua surpresa, aquele grande empresário, apesar de tido e havido como um tanto sovina, talvez injustamente, também tinha os seus rasgos de magnanimidade, e respondeu-lhe que a mercadoria era um presente seu, e, portanto, nenhuma promissória ou duplicata seria emitida.