17
de outubro Diário Incontínuo
A
LIÇÃO DO BESOURO
Elmar Carvalho
Estava
eu no salão de espera de um hospital de Teresina, aguardando a
chegada da Fátima, que vinha me buscar, quando de repente vi um
pequeno besouro vir em linha reta, em leve diagonal, no rumo da
parede lateral do prédio. No percurso traçado pelo inseto havia um
papel laminado, desses de embrulhar bombom; ele, porém, não se
deteve e nem alterou sua direção. Atropelou a embalagem, bem maior
e mais pesada que ele, como se fora um pequenino trator, e seguiu em
frente. Aparentava ter um plano e um horário a cumprir, e por isso
não pudesse admitir atraso e nem mudança de meta e rota.
Parecia
seguir para algum encontro, com hora determinada, e a pontualidade
lhe fosse uma questão de honra. Era como se fosse elétrico, em sua
frenética agitação, que lhe sacudia todo o corpo e as apressadas
perninhas. Desenvolvia altíssima velocidade, se considerássemos o
seu tamanho. Era como se fosse um brinquedo de corda, ao qual tivesse
sido dado o máximo de tração possível. Pela maneira como ele
enfrentou o obstáculo do invólucro da guloseima, demonstrava ter
uma força extraordinária, muito desproporcional ao seu tamanho e
peso.
Para
esse inseto, cuja carapaça lhe dava um aspecto de tanque blindado,
parecia não existir nenhuma pedra no meio do caminho, como no
conhecido poema de Drummond. Aliás, este poeta tem um outro poema,
intitulado Áporo, no qual é dito que um inseto perfura a terra.
Segundo reza a lenda ou uma anedota, por um erro tipográfico, em
certa publicação, constou que o inseto perfumava a terra. Certo
hermeneuta, em obscura e sibilina interpretação, foi explicar o que
o poeta queria dizer com a metáfora em que o animalejo perfumaria a
terra.
Drummond,
em cáustica ironia, comentou que seu poema era muito simples, mas o
crítico o transformara num monstro de obscuridade, ou algo
semelhante, já não recordo bem o comentário jocoso do vate. De
qualquer sorte, o meu besouro não perfurava e nem perfumava a terra,
apenas percorria a sua trilha imaginária, da qual não se afastava,
dando-nos a lição de que devemos ser perseverantes e de que devemos
nos focar, sem desnecessários desvios, em nossos objetivos.
Através
da internet, colhi a informação de que, em “renomado dicionário”,
áporo teria a acepção de: “Problema de difícil resolução.
Bot. Planta da família das orquidáceas. Zool. Inseto himenóptero.”
O meu besouro não parecia enfrentar nenhum problema de difícil
resolução; pelo contrário, aparentava cumprir uma tarefa com muita
determinação e resolutividade, sem titubeios e sem vacilos. Com
certeza não era uma planta, muito menos uma orquídea. Com certeza,
era um inseto, mas não himenóptero, uma vez que não era vespa,
abelha ou formiga.
A
diligência do meu besouro me fez lembrar um antigo texto, conhecido
por muitos como “mensagem a Garcia”. O presidente dos Estados
Unidos, Mac Kinley, precisando comunicar-se com esse Garcia, que se
encontrava no interior de certa floresta, quase inacessível,
procurou um homem capaz de cumprir essa missão. Disseram-lhe que
apenas um homem poderia fazê-lo. Trouxeram-lhe essa pessoa, cujo
nome era Rowan.
Esse
intrépido mensageiro nada falou sobre as dificuldades que teria de
enfrentar, como lagos, rios, serras, pântanos, feras, espinhos e
urtigas; apenas guardou cuidadosamente a mensagem, protegendo-a de
eventuais intempéries, e partiu imediatamente para cumprir o que lhe
fora determinado. Parecia focado apenas no que teria de fazer, não
lhe interessando cogitar sobre as dificuldades e percalços que
certamente teria de enfrentar. Não preciso acrescentar que Rowan
cumpriu o seu mister.
O
besouro parecia ter o caráter desse homem; aparentava ter uma missão
a cumprir, ter traçado uma meta para fazê-lo, e nenhuma
circunstância lhe tirava o foco, como se costuma dizer atualmente.
Não sei qual era o seu desiderato e nem para onde exatamente ele se
dirigia. Sei que passou por mim, e seguiu em frente, com a mesma
pressa e sempre na mesma direção.
Tenho
certeza de que, se tivesse algum obstáculo intransponível, ele
faria um desvio, mas seguiria seu caminho de forma imperturbável,
porque o meu besouro não era de desistir. Espero que um descuidado
pé humano não o tenha impedido de levar a sua “mensagem a
Garcia”.
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