sábado, 13 de setembro de 2014

A vida é breve, a leitura é longa


A vida é breve, a leitura é longa

Cunha e Silva Filho

 A respeito desta  outra edição Flip, realizada  em Parati, Rio de Janeiro,  li que alguns escritores que  delas têm participado  andam se queixando e com razão de que em geral  o que mais   está ficando evidente  é que o público  tem   dado mais  atenção,  não  à leitura   dos  livros  que estão sendo  lançados  por ocasião  do Festival Cultural, mas  ao espetáculo  em si  rodeando  as figuras de autores,  suas performances de bom  expositor  ou sua  facilidade de   seduzir  com suas palestras  ou  falas  o auditório, pois este está mais   estimulado a  ouvir  o que  dizem sobre  literatura,  sobre  os processos  criativos de escrever  um romance ou  um livro  de poesia  do que  comprar  e  desejar    ler  mesmo  as obras  ali  exibidas  de autores  nacionais e   estrangeiros.

Dois deles, pelo menos,  sinalizaram com essa  mesma   queixa dando a entender que estão cansados de desempenhar mais  o papel  de  expositores  ou  de exibir seus dotes  de  captar a  atenção do público do que de  levarem    este  à efetiva  leitura dos livros comentados.Em outras  palavras,  o que tais autores  deixam escapar é que falar sobre a sua obra  ou sua   técnica  narrativa  já está  se tornando  cansativo. Eu aproveito  estas dicas  para  afirmar  que os autores  que  pensam assim   estão  com razão .

 E mais:  não acho que  relatar   as  próprias     formas  de compor  uma  obra de ficção ou de  fazer  poemas possa  ser tão útil  assim  a qualquer  leitor, inclusive  até   sou  levado a  pensar  que os próprios escritores  talvez, em muitos   casos,  não  gostem  de confessar  em público  sobre seus  “processos de criação   ficcional.”   Há certos aspectos   da criação  literária  que o autor   guarda para si  mesmo, como  uma  espécie  de segredo  íntimo,   inconfessável,   que não conviria   revelar. No entanto, da parte de um determinado público constitui sempre uma grande curiosidade  saber  como  se origina   mesmo  uma  obra  literária, como se  desejasse  com isso    aproveitar-se   das lições dos  criadores   algumas centelhas de    vias de acesso  ao  por vezes  denominado   “mistério” da   criação   ou do imaginário   que  serviriam   a potenciais  candidatos  a escritores.

Caberia lembrar  aqui  a definição de “poeta” nos  já famosos   versos   de Fernando  Pessoa de  que  o  poeta é um ‘fingidor,”  que se estenderia  não só à poesia  mas  também a todos os gêneros  literários que   trabalham  com  a arte da palavra   na sua  expressão  estético-criativa.

Do que concluí dos desabafos  dos escritores – e vale destacar – todos  eles  das novas gerações  foi o seguinte:  todos  indistintamente   aspirar a ver as pessoas  lendo as obras  e não  se preocupando  apenas com   o lado  edulcorado  ou  o charme  das apresentações   de autores  que  enfrentam  um público ávido   da, diga-se assim,  da espetacularidade   do evento  literário   e não  da necessidade de  conhecer   o que  os novos livros   exibidos  nas feiras  contêm  de  conhecimento  da vida e dos homens, i.e.,  das questões colocadas para discussão  no  que concerne aos  desafios do mundo social, da História da humanidade, das condições  de vida de um povo, dos seus anseios  e dificuldades,   vistos no seu espaço  regional  ou universal, não importa.

Ler as obras me parece  ser  o nó  górdio das preocupações dos autores.  Fazer  as pessoas lerem  o que escrevem  , eis  , a meu ver,   toda a inquietação   desses autores. Alguns deles  chegam mesmo   a pensar  em dar  algum  tempo  a tais eventos  a fim de  que  possam,   por assim dizer,   afastar-se um pouco  dessa  forma  superficial  de  estar sempre   disponível  a fazer  o papel  de celebridade, de justificar  sua condição de autor,  de  revelar  sua  fórmula  individual  de   produzir obras. Aquela antiga “aura” que  distinguia  as obras  literárias  ou  de outra  natureza artística, que se  desfez  na era da “reprodutibilidade técnica"  de que  fala o crítico e filósofo alemão Walter  Benjamin (1892-1940), já atingiu  seu  ponto mais   alto  de exaustão com todas as consequências   boas ou más.

Não é  que esteja  advogando  a volta à torre de marfim de tempos  envelhecidos e inatuais.

Contudo  um pouco de reclusão  voluntária  e saudável  com  o  objetivo de  repensar  novas  investidas no campo da  criação literária, seja  em  experiências   inovadoras de construção   ficcional,  poética ou  dramatúrgica, seja no adensamento  de novos  temas a serem  explorados, faz-se  necessária  e imperiosa sob pena de  se transformar  a  figura do escritor  em mero  “entertainer” de auditórios  aficionados  do fetiche da compra ou por vezes da  simples   frivolidade como forma de derivativo socialesco sem  compromisso  com o  efetivo   ato de abrir uma  livro comprado  e  fruir  o prazer  democrático  proveniente  de sua leitura como   insuperável forma  de  conhecimento, de formação  crítica  e aperfeiçoamento  cultural.   


Se esses novos autores  andam assim pensando   é porque   a experiência   que  os festivais tem lhes  ensinado já deu demonstração de que  algo de  inovador  deve ser  feito  para que   o verdadeiro   compromisso   dos escritores, que é fazer  aumentar  o número  de leitores e assim  dinamizar o processo  de leitura  como  hábito a ser adquirido  o mais cedo  possível  e mantido ao longo da  vida  de cada um. Se objetivos   desta  natureza  forem  alcançados, ganharão os autores  profissionais, ganharão  os editores e os livreiros, e o livro, mesmo tendo  perdido  sua  “aura,” continuará  exercendo a sua função   precípua: a de fazer  circular  o conhecimento não apenas no país  mas também  ganhando  o mercado  exterior, tornando a . literatura  brasileira mais  conhecida e, quem sabe,  mais  apreciada em âmbito mundial.   

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