quinta-feira, 4 de dezembro de 2014

Álvaro Lins: além do Impressionismo crítico*


Álvaro Lins: além do Impressionismo crítico*

Cunha e Silva Filho

               A denominação atribuída por Tristão de Athayde à crítica de Álvaro Lins de “humanismo crítico,” assim como de outros críticos a ele semelhantes, implica um entendimento mais profundo do que a militância de Lins significa em termos de  abordagem  do fenômeno  literário .Em outras palavras, o alcance da visão de Lins sobre a obra literária  não se cinge  apenas a uma compreensão dessa  arte por paradigmas conceituais de cunho subjetivista ou   da  importância  que o crítico dava ao estudo da personalidade  literária, do autor e do próprio crítico, este  na condição de  agente  mediador privilegiado  para atingir, tanto quanto  possível,  o cerne da obra em exame.
               Se Lins, desde o início de sua  atividade  crítica não dispensava a relevância dos componentes do estilo, da forma, conceitos, de resto,  que  por vezes nele  se misturavam  e se tornavam  confusos, segundo  anotou  Adélia  Bolle, ensaísta tantas vezes aqui  citada mercê do   instigante   trabalho  que escreveu   sobre a crítica de Lins,  já podemos  neste ponto deduzir o interesse teórico dele de valorizar a dimensão estética e, portanto,   estrutural, como  fator  decisivo na verificação  da qualidade  ou  da  fraqueza de uma obra.
              Aqui  podemos  falar daquela  harmonia que o crítico trazia à discussão teórica, na qual os conceito  de estilo, forma,  unidade, este último  depreendido  seguramente  do pensamento aristotélico da Poética, bem  podem  acenar  para uma  crítica  de natureza estética e não só biográfica,  sociológica, psicológica e historicista.
               A trajetória crítica de Lins é infensa ao imobilismo teórico. Ela atua num  ritmo  dinâmico, ou seja atento  às possibilidades  de que o crítico  pode  lançar mão na interpretação e julgamento  de uma obra, ou segundo  vemos nas palavras  do crítico:

 (...) Ela [a crítica] tem duas faces: a interpretação e o julgamento, Interpretação deve-se entender como a sua fonte criadora, como a força poética que existe em todas as atividades  literárias. : é a compreensão, é a penetração, é a análise, é a reconstituição, é a revelação, é o senso  psicológico,  é o poder sugestivo, é o jogo e o debate das ideias.A faculdade crítica mais necessária, para esta descoberta de alma e ideias, é a intuição. Para o julgamento, ao contrário, a faculdade dominante será a  razão[1].
           
               Não obstante ser tachado de Impressionista - reconhecemos -, de ser nítida a linha de,  na  essência,  manter-se no paradigma subjetivista, sua crítica  não é fechada a novas leituras  que lhe viessem  enriquecer  o  background  cultural  no terreno  teórico  no decorrer da vida.  Ou seja, se a marca do Impressionismo lhe era evidente, é  também  verdade  que se mostrava ativo com o que já estava se modificando no campo  do pensamento  crítico universal (e no seu conhecimento  de novos autores   que despontavam na alta  literatura ocidental) autores que ainda eram pouco conhecidos e mesmo  desconhecidos no  Brasil e é o próprio  Lins que se incumbe de relacionar alguns deles:
        A crítica científica, dogmática, didática - esta se encontra sempre falida, desacreditada, A crítica como uma aventura da personalidade, como uma arte, como um gênero literário de criação – eis como concebemos o nosso ofício. Não é uma concepção pessoal e tem para sustentá-la e autorizá-la a obra de grandes críticos modernos, as obras de André Gide, de Charles de Bos, de Gabriel Marcel, de André Rousseau, de Benjamin  Crémieux, de Ramón Fernandez e também dos mais novos,  de um  Jean-Pierre Maxence, de um Thiers Maulnier. E ainda as obras críticas de grandes  poetas como  Paul Valéry e Paul Claudel.[2]
             
               Essa tácita recusa de Lins a cultivar um mero Impressionismo é que seguramente o  conduziu a estar atento e atualizado para a época  em que viveu e por isso não lhe foram estranhas ao conhecimento as leituras  de outros  autores-chave do pensamento  crítico avançado independentemente de posições crítico-ideológicas, como Croce,  Matthew Arnold, Ezra Pound,  T. S.Eliot,  Lukács, Auerbach, David  Daiches, Alfonso Reyes, E.  Falci, R.M Albérès, Cesare Pavese, Richard Mckeon, Stanley Edgar Hyman, este ultimo autor da obra Armed vision, segundo Lins “uma espécie de bíblia para os mais fechados e exaltados ortodoxos do “new-criticism.”[3]  E, para completar,  um  recuo necessário a um reforço  teórico, na tradição da grande crítica, em autores  como  Coleridge, Aristóteles, Platão,  entre outros.
               Basta dizer que, ao eleger Marcel Proust como autor de uma tese de concurso ao Colégio Pedro II, Lins já dava sinais evidentes do que de melhor existia no Ocidente como matéria de pesquisa de alta complexidade, como é resultado o seu  ensaio A técnica do romance de Marcel Proust (1951). A bibliografia estrangeira e nacional que consta no final desse estudo reafirma o alcance e o nível de atualidade  para a  época de sua publicação.
               As ideias de um crítico arejado, posto que muitas vezes teoricamente assistemático, sendo mesmo rotulado até de dogmático, confirma algumas analogias - o  que  só faz dele um  progressista – com certos  autores que não chegou  a conhecer. Consoante ressalta a ensaísta Adélia Bolle, as formulações da Moderna Teoria da Comunicação, da Estilística Estrutural de Rifaterre do ‘princípio de estranhamento’ dos  formalistas  russos i.e., cada uma dessas situações provoca este  questionamento: “Não (...) levariam a uma posição mais diferenciada nessa condenação em bloco do ‘impressionismo’?[4] (grifo nosso).
               Em poesia, aquela ensaísta, a propósito de uma análise de Lins da poesia de Thiago de Mello, vê, na expressão empregada pelo crítico – “emprego de surpresa”  - um equivalente  ao efeito de “estranhamento” de Rifaterre.[5] Bolle infere um dado revelador, segundo o qual os formalistas  russos, que são “antipsicologistas” levam em consideração  o “problema da “percepção,”  sendo que essa percepção transfere  o “centro da gravidade do texto para o receptor.”[6]            
            A ensaísta ainda aponta essas aproximações entre a crítica de Lins e procedimentos  do formalismo  russo no que concerne,  por exemplo, à obra de ficção. Para Lins, -  lembra ela -, um romance nunca é “cópia da vida”, pois ele diferencia ‘matéria e ‘construção’ e,com base na obra de Jorge Amado,  o crítico considera o autor “incompleto e mutilado,” introduzindo “assunto” e “problemas em estado  natural, como a pedir os necessários envolvimentos”[7]
              Para Adélia Bolle, essas considerações “extremamente operativas” segundo os formalistas russo,  equivalem aos conceitos de “sujet” e “fable” no seguinte esquema: “sujet” =   construção; “fable”= matéria.[8]
               Este questionamento se prende ao fato de  que, como se sabe,  o Impressionismo  resulta, em primeira instância,  de uma  reação ou “impressão” do  crítico diante da obra, a qual  pode ser positiva ou negativa. É claro que também a “impressão,” que mexe com a sensibilidade do crítico ou leitor, não responde  pelo julgamento  final  da obra.
              Já afirmamos que Lins trabalha, no exercício da crítica, sob três aspectos: interpretação,  sugestão e julgamento. O ponto de partida da leitura, tanto para Lins quanto para quem  quer que seja  crítico, é a primeira leitura, que pode ser  seguida de outra ou outras ou  de partes pontuais  para  atender  àquele tríplice  aspecto.
               Por outro lado, Adélia Bolle lamenta que Lins não tenha sido mais aberto às “contribuições positivas” do New Criticism. Esse particular fechamento de Lins, segundo ela, deveu-se à polêmica de natureza teórico-biográfica da doutrinação  enfática e por vezes acirrada de Afrânio Coutinho: “É pena que ele [Álvaro Lins] se tenha fechado às contribuições positivas do ‘new criticism’, em virtude do aspecto polêmico da campanha jornalística empreendida com muita  agressividade e envolvimento pessoal por Afrânio Coutinho.”[9]
               Essas analogias  ou aproximações de equivalência  de  expressões de natureza  teórica que aparecem nos exemplos  suscitados  pela ensaísta sinalizam  mudanças   que já se estavam efetivando  na análise  de Lins matizadas  de  elementos  formalistas desvelando mais  os  recursos estéticos no desenvolvimento  analítico do  poema.  Estas mudanças  de técnicas de análise reiteram  o fato  de que a classificação de  impressionista em Lins não pode ser tomada “em  bloco.”
              De nossa parte, acrescentaríamos que Lins tinha já consolidada uma formação intelectual marcada, numa primeira fase, pela leitura e familiaridade com os grandes críticos do século  XIX (Saint-Beuve, Anatole France, Jules Lemaître, Brunetière etc) aliada a posteriores leituras  daqueles  que lhe eram  contemporâneos, sem se falar  nas influências  recebidas  dos nacionais: José Veríssimo, a quem admirava  muito e a quem substituiu na cadeira de literatura do Colégio Pedro II,  o próprio  Sílvio  Romero e Tristão de Athayde, circunstância, na formação  intelectual de Lins, já assinalada anteriormente.
               Lins prefere os críticos franceses   mencionados no parágrafo anterior, aos críticos deterministas,  cientificistas também  franceses, tais como  Taine, Brunetière. O seu subjetivismo repudiava a objetividade científica. Por conseguinte, ao se deparar com o New Criticism que se ia insinuando na formação dos jovens críticos a partir da década de 1950, graças sobretudo  ao seu  principal  introdutor  no país,  Afrânio Coutinho, o crítico pernambucano, em posição antagônica, manter-se-ia  ainda na linha  de orientação  que o consagrara.
               Não tivesse havido a polêmica – o que apenas é uma hipótese  provavelmente, quem sabe,   teria, com o tempo, aderido,  se não ao New Criticism anglo-saxônio ou norte-americano,  a uma de outras vertentes de novos métodos críticos  abrangidos pelo que Coutinho  chamava de Nova Crítica.
               Entretanto, nos anos de 1950, sobretudo, a atitude de Lins foi bem compreensível em se tratando de sua personalidade de crítico pronta a desconfiar de uma novidade que se  ia implantando sob a égide de uma corrente crítica liderada  por  Coutinho,  cujo epicentro se assentava no exame da obra literária em si, considerada como objeto estético, autônomo, relegando os  elementos  extrínsecos  a um segundo plano, sem, todavia,  desprezá-los e deles  se utilizando quando  fossem  convenientes à exegese da  obra literária. Esse foi  - não custa repisar -  o núcleo  central da Nova Crítica de base aristotélica da qual Coutinho nunca se afastou. A recorrência de Coutinho a temas nos quis o centro  das discussões  era a doutrinação   dos  postulados da Nova Crítica, quer em  artigos de jornal, quer em livros ou na cátedra, serviam-lhe como  forte   estratégia a fim de  colimar  seus   objetivos, ou seja,  vencer as  resistências   do Impressionismo   crítico.
               Por outro lado, as ideias psicológicas, sociológicas, históricas, biográficas, que tinham lugar privilegiado junto ao componente estético e conjugadas entre si, ainda tinham peso suficiente para Lins mesmo  quando,  nos  últimos  tempos, começasse a dar sinais de que sua crítica avançava para uma interpretação e julgamento de notação  formalista, tal como se pode depreender de seus   sagazes e criativos ensaios de poesia sobre  Carlos  Drummond de Andrade, João Cabral de Melo  Neto, Murilo  Mendes etc, os poetas da geração de 45 e escritores que, anunciando novas formas de técnicas de construção  ficcional, demandariam  novas formas  de  interpretação  e julgamento, novos recurso críticos.
             É em meio a este  estágio de sua atividade critica que ele se vai afastando, até pela doença e morte relativamente  prematura, de sua judicatura  crítica. A guinada nos estudos  literários e linguísticos com  o surgimento do estruturalismo à altura dos anos  de 1970 já não o alcançaram.
            Contudo, não devemos deixar de consignar mais algumas reflexões desta parte do capitulo que, em nosso juízo, servem como balizas indicativas de sua permanente curiosidade não só pela atividade crítica, tendo por referência  primordial  a sétima série do Jornal de crítica, que insere estudos  dele datados de 1952 a 1957 e da quinta  parte da obra  O relógio e o quadrante,  sob o título geral  “Teoria literária,” que vai do capítulo  26 ao capítulo  30.
               Nessa quinta parte se incluem estudos que vão de 1940  a 1960. Assim, podemos afirmar que, combinando  a sétima série do Jornal  de crítica com  a quinta parte de O relógio e o quadrante, conseguimos  discernir  os estudos de acento mais teórico de Lins e daí avaliar  o quanto  suas  perquirições  sempre  buscaram  se sustentar  em reflexões  profundas  sobre o fenômeno literário  em toda a sua  extensão e, surpreendentemente, constatar que aquele  Impressionismo  por que é rotulado pela historiografia literária está muito aquém   do pensamento  teórico e  da práxis de sua crítica.
              Ainda no mesmo sentido de não ceder ao imobilismo crítico que  evidentemente  levaria Lins à  estagnação de seus recursos e princípios  empregados na sua crítica, é que percebemos como ele amiúde  se  portava com um espírito  inquieto e disponível a experimentar novas  formas que o afastavam de um Impressionismo preso a uma camisa de força na esterilidade vazia do mero subjetivismo que ia perdendo, com o tempo e com a campanha  cerrada  que lhe  moviam  as gerações  mais novas, reforçada ainda pelos ataques  de Coutinho  contra a crítica   de rodapé.
               Lins estava convencido de que  perdia  terreno  para  a nova corrente  e, já na década de 1960, era fácil  discernir  a sua  eficácia e o seu esforço  de pretender   ainda   terçar  armas contra  a crítica da cátedra  versus crítica de rodapé. O espaço da universidade  já  se impunha  à medida que a resistência  crítica de Lins se ia exaurindo,  posto que  resistindo  enquanto  forças   dispunha  para demonstrar  que  estava  em combate.
               Esta consciência lúcida de que algo novo se estava processando no domínio da crítica  literária e dos estudos  literários em geral  pode-se bem  avaliar  pelos  artigos e ensaios publicados  por Lins  na década de 1950.
              Contudo, a sua visão teórica básica ainda se mantinha presa, em síntese, ao binarismo  terminológico  chamado por ele  ‘biografia’ e ‘historicismo’ que, segundo ele, equivaleriam a ‘personalidade’ e “realidade social” ou, em outros termos, “uma substituição do relato biográfico e da crônica  histórica pela estrutura psicológica do autor e caracterização sociológica”[10]. No mesmo  parágrafo, ainda  acentua de forma tautológica: “Há que estudar-se numa obra, legitimamente, ou melhor,  necessariamente, tanto a personalidade do autor como  o seu conteúdo social”[11]
              Além disso, nesse jogo de  substituição, Lins leva seu argumento para o plano filosófico no tocante ao conceito de “literatura,” que ele denomina “o duplo e amplo conhecimento filosófico” compreendendo “o que é” (essência) e o “ato de ser” (existência). Por falar de “personalidade,” termo reiteradamente invocado em seus estudos, veja-se como  Lins  reforça essa questão:

 Personalidade autêntica: eis a substância psicológica, na verdade como que cada autor há de impregnar a sua obra; eis a matéria humana que  é  lícito  a cada um de nós  procurar e exigir numa obra literária – seja Romance, ou Poesia, ou Teatro. Ou também Crítica, ainda mesmo no campo daqueles que têm da Crítica o conceito de que ela não é criação, mas outra coisa qualquer, de acordo com as suas convicções doutrinárias ou com os seus interesses utilitários de baixa espécie[12] (grifos nossos)

               Como sempre, na polêmica, o que se poderia  discutir somente no plano das ideias e do equilíbrio, Lins não perde azo para  alfinetar, em tom  mordaz,  como também  era  próprio de seu  temperamento  combativo, tanto quanto o do seu adversário,  sobre as quais   teoricamente divergiam: crítica criadora, princípios doutrinários ou de política literária, visões bem diferentes de autores, por exemplo, Lins  exaltava a crítica de José Veríssimo, Coutinho lhe fazia, porém, reservas, embora,  em artigos posteriores,  procurou  reavaliar de forma bem mais positiva  o legado  crítico   deixado por José Veríssimo, numa atitude  correta  e séria de ajuizamento  crítico   de Coutinho.[13]
               Em muitos ângulos percebemos evidências  de sintonia  do  pensamento crítico de Lins que ensejam  uma  forma de ultrapassagem  do mero  Impressionismo em questões que, somente anos  depois,  estariam no debate  acadêmico-universitário, sob novos  enfoques no domínio da investigação literária em tempos de pós-modernidade: a “indústria cultural,”  a morte do autor, a  “morte do escritor,” apagamento do autor,” “autoria,” “autoridade” etc.
               Nesta direção, guardadas as devidas características temporais, estavam nas preocupações de Lins[14] tópicos como a “Literatura industrial” (da qual já falava Saint-Beuve na sua época), “uma história sem nome e sem biografias,” uma análise de  um  poema não  levando em conta a biografia  de ”poetas” e, “em alguns aspectos,” a  própria personalidade deles, citando,  como exemplo, Mallarmé  na literatura francesa e, na literatura inglesa,  John  Keats. Isto tudo a propósito da ideia de que os “críticos mais ortodoxos do New Criticism” costumavam realizar análises formais ou estilística  utilizando-se  mais do gênero  poético:

Além disso, há certos atores – e fixemos, corretamente, o caso dos poetas, pois com os poetas e com as obras em versos, de preferência ou quase exclusivamente, é que lidam os críticos mais ortodoxos, do ‘new criticism’ – cujas obras melhor se prestam aos estudos de estilista formal e análise objetiva dos respectivos textos.[15]

               As afirmações de Lins  supra-citadas  mereceram, no entanto,  esta correção  de Coutinho:
 A renovação empreendida pela nova crítica aparentemente só se aplicava à poesia, É o que afirmam os que não estão a par dos trabalhos e resultados da nova crítica, com certeza por e os estudos sobre a poesia saltam mais à vista. Mas, em verdade, a ficção está sendo objeto de trabalhos tão revolucionários  talvez  até mais do que a poesia. O importante é que não limitemos a nossa compreensão da nova crítica aos estudos da linguagem e estilo. Mas, inclusive nesse aspecto, são de  maior alcance os resultados já obtidos no que concerne à investigação das características da linguagem da ficção. A bibliografia  nesse terreno é já bastante considerável.[16] (Grifos nossos)
                       
                        
               No mesmo artigo, do qual  extraímos o trecho acima, Coutinho   menciona  alguns   aspectos que a nova crítica tem  enfocado: o estilo  segundo  o conceito, não mais  da “gramática,”  mas da nova “ciência de estilo”, “(...) inspirados no conceito de que a estiologia começa onde a gramática termina.” [17] Outros   tópicos  teóricos  da estrutura da  narrativa  são   realçados  pela nova  abordagem  crítica,  como  o ponto de vista,  a ordem da narrativa, a ironia, o paradoxo, a ambiguidade,  a linearidade de estilo, enfim,  todos os  recursos provenientes  de novas  maneiras   de  analisar  a ficção,  de compreendê-la na sua  totalidade, com técnicas  e artifícios  que, quando bem   utilizados  pelo artista, resultam  na  composição  artística de um romance,  de um conto,  ou seja, de uma obra literária elevada ao estatuto  estético[18].
               Voltemos a Álvaro Lins. A demonstração mais cabal de que as últimas  pesquisas  teóricas  empreendidas  por Lins, em parte, sugerem que  as  suas  derradeiras leituras se dirigiam  a autores-chave do New Criticism, elegendo T.S.Eliot como  autor  de referência  para  externar  algumas  reflexões acerca da nova corrente crítica, notadamente no  ensaio dividido  em  três partes que se encontra na obra O relógio e o quadrante:  “O autêntico  new criticism  no estrangeiro,”  “A desimportância do new criticism em arrivistas e carreiristas  dentro do Brasil”  e “Relógio universal e quadrante  brasileiro.”[19]  Este  ensaio de Lins, um estudo  comparativo  sobre  dois   ensaios em que   de T.S Eliot enfoca  o New  Criticism, editados  em   diferentes  épocas, com os títulos “The function  of criticism” e “The frontiers of criticism,” comentaremos mais adiante. 
               Também em O relógio e o quadrante, há um artigo “Uma História sem nomes e sem biografias,” no qual  Lins se refere a um estudo de  T.S.Eliot sobre o poeta Dante. O estudo  objetiva    uma  comparação de Dante com  Shakespeare mediante um enfoque que não  admitiria, a princípio,  não  lançar  mão de elementos  extrínsecos, visto que  para  o crítico “quanto menos  soubesse  sobre o autor   e sua obra,” tanto melhor seria   ao desenvolvimento  de seu ensaio. Afirma Eliot:

        Em minha própria experiência de apreciação de poesia, tenho  verificado que,  quanto menos sei acerca do poeta e da sua obra, antes de iniciar a leitura, tanto melhor. Uma citação, uma observação crítica, um ensaio entusiasta poderiam ser a razão de levar alguém a ler um  determinado autor: porém, ser-me-ia um  obstáculo o uso de conhecimentos  históricos e biográficos  de uma esmerada  estratégia.[20]


               Adverte-nos Lins que, um pouco adiante, Eliot se depara com “situações e problemas” de natureza intrínseca, mas também extrínseca em sua análise, ou seja, como  trabalhar  os  “contrastes” de ordem  estilística de Dante  na comparação com  Shakespeare, tanto quanto  no “confronto” do poeta da Divina Comédia  frente ao “espírito” da Idade Média. Diante dessas  dificuldades, Lins, com sutil  ironia, até mesmo  finalizando o parágrafo com reticências,  conclui que  uma saída para Eliot  – como  realmente ocorreu - foi aprofundar-se no conhecimento da “personalidade” desse  poeta e estudar as “condições sócio-históricas” da sua  obra, assim como  recorrer, em larga escala,   à sua biografia e ao conhecimento da sua época, i.e.,  utilizar-se de aportes historicistas.
               Cumpre acentuar  que, em outra obra, Os mortos de sobrecasaca,  Lins escreveu  dois artigos-ensaios censurando  o que lhe parecia  o uso  deformado  do  New Criticism,  de títulos “Ah, logrados indígenas!” e  “Um povo jovem ante fórmulas requintadas, belas, estratificadas e mortas.”[21] Esses  trabalhos  datam de 1958 a 1960.
               Em todos  os artigos e ensaios de Lins em que levanta  a questão do new criticism, reconhecendo  embora a validade dessa  corrente do pensamento crítico, de sua importância e de seus  grandes seguidores, sua  finalidade  maior  é a de mostrar  ser  esse novo  movimento  mal  assimilado  no país. Ora, essa atitude de Lins exprime mais um  desconforto  dele para com  a novidade que  certamente  alteraria  o quadro de liderança na condução  da atividade  crítica entre nós.
               Tendo por  adversário Afrânio Coutinho,  Lins sabia que este  crítico  tinha  firme a sua  decisão de  realizar  uma mudança  efetiva nos estudos  literários brasileiros que, por seu turno,  repercutiria  negativamente  na  prática  da crítica de rodapé, reduzindo o poder  de  liderança de Lins,  cuja  influência  era  notória no período de 1940 a 1950, pelo menos.
               O crítico e ensaísta João Cezar de Castro Rocha, em Crítica literária: em busca do tempo perdido?[22]  - um longo, moderno (particularmente na forma original de apresentação das partes da obra) e notável ensaio sobre a crítica literária no Brasil, apresenta uma chave diferente quanto à atitude de Lins de rebater os ataques  de Coutinho.
               Castro Rocha depreende nos textos de Lins concernentes à polêmica com  Coutinho uma forma de  “mimetizar”  a linguagem  acadêmico-universitária, ou seja, a cátedra em oposição à crítica de rodapé,  as citações  que faz de grandes críticos  americanos pertencentes ao grupo do New Criticism em sentido lato, as citações de T. S. Eliot  etc. Veja-se o que afirma Castro Rocha:

Contudo, em 1958, para reafirmar a legitimidade da mesma crítica de rodapé, Álvaro Lins não encontrou melhor recurso do que mimetizar o discurso universitário e, ao fazê-lo, reconheceu, malgrado seu propósito, o triunfo da cátedra [23]
             
               Entretanto, em nosso  entendimento,  a circunstância de Lins mostrar  que não havia perdido o bonde da história, por  enumerar  e emitir  ligeiros  juízos sobre   obras  que  formavam   um seleto grupo de críticos e ensaístas de língua  inglesa, tais como I. A. Richards, René Wellek, Austin Warren Edmund Wilson, Granville Hicks, Kenneth Burke e  sobretudo, o que ele escolheu como  eixo central do  já citado  ensaio, “O autêntico  new criticism no estrangeiro,” foi de meramente  demonstrar  que não era nenhum old-fashoned  crítico de rodapé. Era um crítico que continuava  lendo e ainda atuante no jornal e no livro.         
              E o exemplo maior que ilustra são essas suas reflexões  assimiladas das leituras  de “new critics” de língua inglesa, tendo,  à frente, a figura respeitada de T. S. Eliot.
               Sobre o que linhas atrás denominamos, nesta seção de capítulo, “ultrapassagem” do mero Impressionismo, não intentamos dizer que Lins tenha deixado os traços  essenciais  do seu pensamento  crítico de fundo humanista, mas uma tomada de consciência lúcida de que  deveria  compreender os sinais do  tempo e da sua  própria judicatura  crítica, i. e., renovar-se sem perder  as características   primordiais  da sua compreensão  da literatura e da crítica.
               Reconhecer  também, à semelhança daquele  personagem-escritor de O feijão e o sonho, de Orígenes Lessa, que novos tempos se abriam no domínio  da criação literária e,  por extensão,  do pensamento  crítico, o que quer dizer,  isso  modifica tudo, mesmo as  suas antigas concepções da arte literária.As considerações  que Lins  faz  sobre o New Criticism, de certa forma,  nos parecem  um gran finale às avessas, nem  inteiramente  melancólico, nem inteiramente  feliz, no qual a ironia paradoxalmente se mistura à seriedade, numa peça  ensaística que, pelo  tom da exposição, nos lembra uma defesa  de um  tribuno – e aqui  nos recorda aquele  epíteto que lhe deu  Otto Maria Carpeaux ao acentuar  ser a verdadeira vocação  de  Álvaro Lins a de um “tribuno.”[24]
               Vários motivos  -  e podemos  frisar  ter sido isso uma  boa estratégia para  falar  da Nova Crítica  que se estava  implantando no país  graças  sobretudo aos  esforços  ingentes e doutrinários  de Afrânio Coutinho -,  levaram  Lins a  empreender uma análise  de dois  importantes  ensaios de  T. S. Eliot,  já anunciados  linhas atrás, “The function of criticism”, da obra Selected essays (1932) e outro, “The frontiers of criticism,”  da obra On poetry and poets (1957).
               A opção de Lins por analisar o New Criticism de T.S.Eliot seria uma forma  indireta e sutil para  discutir o pensamento  crítico brasileiro dos adeptos da Nova Crítica  encabeçada por  Coutinho  e ao mesmo  tempo para realçar os princípios  estéticos  de Eliot, que,  por sinal,  fora também  vítima de ataques  reacionários  de uma  crítica   estabelecida   que se opunha  ao  New Criticism ” eliotiano, o qual  para Lins   representava o verdadeiro  e autêntico  New Criticism no exterior.                
               Fora uma estratégia inteligente de Lins em face do que ele não aceitava dos postulados  da Nova Crítica  brasileira, ou, em outros termos,  Lins  sagazmente  usara  as armas do inimigo  para defender sua própria pele e ninguém  melhor do que  o peso de Eliot para tentar vencer  o prélio. No fundo, tinha consciência de que  sairia  chamuscado  e  de certa maneira  incompreendido  pelas novas gerações  que  já fechavam o cerco  a caminho de outra   liderança  no campo  da crítica literária no  país.
               Essa estratégia, ademais, serviria mais para  reforçar  a crítica de Lins contra os que desejavam  desqualificar  o  seu  Impressionismo, nunca afirmado por Lins nem tampouco  por ele   negado. Ao eleger T. S. Eliot como  objeto de  sua investigação e ao  considerá-lo como  o mais indicado na época - os anos de  1950 -   para  estabelecer   o que para ele  seria  o verdadeiro  movimento da  crítica moderna  anglo-americana, Lins -   aduzimos -,  punha mais lenha na fogueira   do  embate  polêmico entre  as duas correntes.                                Não  sonegava  validade  ao New Criticism, mas também batia forte contra aqueles seguidores,  que, na sua ótica,  não haviam corretamente assimilado os princípios  reais  daquela corrente em suas fontes  anglo-saxônias e norte-americanas.
               Os dois artigos-ensaios de Lins reforçam a sua combatividade, sobretudo  tendo em vista  que  as ideias  estéticas  de Eliot  não eram imobilistas, mas  souberam  discernir elementos tradicionais e modernos. A par disso, Lins ainda por cima não se opunha a mudanças   que deveriam ser  aqui  feitas  no campo dos estudos  universitários de letras, no país. Agradava-lhe a ideia de ver numa só pessoa, como era o caso de T.S.Eliot, críticos-professores universitários e críticos-artistas. Por isso, para ele eram auspiciosos e necessários aos novos tempos a criação de Faculdade de Letras, não sua multiplicação desordenada e sem  aparelhagem, mas  cursos   superiores de letras  que  mantivessem  professores competentes e atualizados. Donde se   vê que,  nesses questões,   suas ideias  se equivaliam às  propugnadas por  Afrânio Coutinho.
               A grande validade dos artigos-ensaios sobre Eliot se fundamenta em  princípios  de crítica literária sustentados  por esse   poeta e ensaísta  que  culturalmente, segundo Lins,    fundiu  duas culturas  literárias,  a americana e a inglesa, mas sem nunca  se afastar  completamente  das suas vivências  espirituais e  intelectuais  dos Estados Unidos, ou melhor, nas palavras de Lins referentes a Eliot: ”Participante da cultura inglesa, e nela integrado, em sua crítica, porém, conservou a alma e o corpo do New Criticism na força originária e na forma mais  genuinamente norte-americana”[25] ( grifo do autor).
               Lins  mostra que  a luta de Eliot, no  início de  sua  defesa  do New Criticism,  não foi  assim  fácil, pois teve desentendimentos   de ideias estéticas com, por exemplo,   o crítico  Middleton-Murray, da  mesma  forma  que, no Brasil,  foi tormentosa  para  Coutinho alcançar suas  metas  de divulgação e implantação da Nova Crítica.
               Lins não abre  mão, contudo, de outros condicionamentos  que só  atrapalham  a vida literária  e sobretudo  o desenvolvimento  do pensamento  crítico moderno, que não pode  esquecer  contribuições  de movimentos críticos anteriores, como,  no caso, o Impressionismo, uma vez que, à altura  da  refrega  sem trégua  da Nova  Crítica,   não se tratava só de uma única abordagem dela,  consoante  tantas vezes  reiterava seu  principal  defensor, Afrânio Coutinho. Em toda a sua campanha, corajosa em defesa  da Nova Crítica, o autor de  Correntes cruzadas   assinalava  o fato  relevante, conforme se pode  comprovar na citação  dos dois  parágrafos seguintes  do artigo “Ainda equívocos”:

              A propósito da nova crítica – isto e, das correntes de renovação da crítica – uma série de equívocos ainda continuam a aparecer sob a pena de comentários ou mesmo críticos, toda vez que ao problema se referem. É bom  sempre tentar  o esclarecimento, insistindo em  pontos já por vezes muito batidos, a fim de que não se enraízem os enganos.
              Primeiramente, a nova crítica não se resume unicamente no grupo anglo-americano do ‘new-criticism.’ Este é apenas um dos aspectos ou correntes das tentativas renovadoras, Entre os próprios ingleses e norte-americanos há outros grupos renovadores infensos ao chamado  ‘new criticism.’[26]
             
                 Lins, ao centrar seu enfoque nas ideias estéticas de Eliot, não perde  tempo  para  alfinetar  seu   mais conhecido  adversário no campo  intelectual,  já que,  naqueles anos de 1950,  a peleja  estava a pleno  vapor e ainda  contava com os  seguidores,  em muitos aspectos,  do pensamento  renovador de Coutinho.[27]
               Na discussão do ensaio “A desimportância do new criticism em arrivistas e carreiristas dentro do Brasil” sobre Eliot, Lins ataca  autores  como  o velho crítico   J. E. Spingarn que, em 1910,  proferira uma “conferência-manifesto” com o título de “The New Criticism,” segundo  Lins “um desafio escandalosamente ousado naquele distante 1910, hoje quase uma velha peça documental para os arquivos.”[28] Conforme frisa  Lins,  Spingarn  era do tipo  de crítico que formulava técnicas de análises  de obras sem, contudo,   pô-las em prática, servindo apenas para “provocar  debates.”[29]
              Coutinho,  diante dessas afirmações de Lins,  procura  pôr os pingos nos is e, em  vigoroso artigo de 1958, de título “O Velho e o novo Eliot,” com  farta  bibliografia, um traço  característico  de seus  textos  em geral  - vale repetir -,   chama  a atenção de Lins acerca da expressão “the new criticism.”[30]
               O crítico baiano, então, esclarece ser aquela denominação  incorreta para designar “o moderno movimento da crítica  anglo-americana.”  Contudo,  a participação de Spingarn tinha  finalidade diversa dos  fundamentos  centrais  do New Criticism. Informa Coutinho que “... a expressão   ‘the new critcism’ foi empregada duas vezes diferentes, para designar dois movimentos distintos da crítica moderna.” [31] As ideias críticas de Spingarn  se alicerçavam nas lições que aprendera na Itália com  o filósofo  Benedetto Croce, ou seja,  o crítico  norte-americano, segundo Coutinho,   reagia contra  o academicismo e o positivismo, os fatores  estéticos  se sobrepunham à  “pesquisa moral,  social e psicológica.” [32]  Spingarn  defendia  uma formulação  estética haurida  no expressionismo de Croce. Coutinho  também  faz referência a outro nome  da crítica norte-americana que partilhava dos mesmos  princípios estéticos  de Spingarn; era Edwin Berry Burgam, influenciado igualmente  pelas ideias    de Croce.[33]
               Ao contrário de Lins, Coutinho reconhecia  a influência que  aqueles dois  críticos norte-americanos  significaram para um  ‘novo   movimento de new criticism,’ ocorrido  de 1930 a 1940. O rótulo New Criticism deve-se a uma das suas figuras de relevo, John Crowe Ransom,  autor da obra The new criticism (1941).[34] Aprofundaremos   este tópico do New Criticism no próximo capítulo.
              Por outro lado, a razão  dessa referência a Spingarn  prende-se ao fato de que  este crítico  ‘nunca pôde demonstrar a técnica que preconizava, limitando suas funções a provocar debates.’[35]
               No mencionado ensaio, “A desimportância do new criticism, em arrivistas e carreiristas, dentro do Brasil,” Lins  também verbera um  estado de permanência da ‘crítica da crítica por um crítico,’ ou o que, segundo ele, “(...) já se  classificou, em caso semelhante, como  uma crítica de oficina, ‘workshop criticism,’[36] na mesma direção de procedimentos analíticos utilizados pelos “primeiros críticos norte-americanos”[37] do New Criticism,  os quais,  consoante  assinalou Morton  Dauwen Zabel, crítico e historiador norte-americano,  que,  por sinal,  lecionou  literatura  americana no curso de  letras da Faculdade Nacional  de Filosofia Universidade  do Brasil: “Ensinavam, corrigiam e debatiam, mas pouco lucravam os leitores em conhecimentos práticos dos métodos e técnicas literárias”[38]
               Ora, todas essas alusões ao lado improdutivo da militância do New Criticism tiveram, em nosso juízo,  a intenção da parte de Lins de revidar o ataque  de Coutinho  contra o Impressionismo e  sua  prática  crítica nos rodapés  de jornais..
               Por outro lado,  de caso pensado,  cita o  nome do crítico  David Daiches, autor do Critical  approaches to literature, estudo   teórico  que aliava  a teoria do New Criticism à prática  de análises,  como o fez em The novel and modern  world,  levando a efeito o que menos  se fazia, ou seja,  utilizar  os procedimentos  de exegese do New Criticism em obras de ficção, fruto da “experiência’  de Daiches em cursos da Universidade de Chicago.[39] A questão de se alegar que o New Critcism  unicamente   tratava de poesia  foi rebatida  por Coutinho, segundo   vimos  numa  citação  dele linhas atrás.
               Já nos reportamos acerca da classificação de Otto Maria Carpeaux atribuída a Lins, ou seja, a de uma vocação de tribuno. Examinando com cautela os artigos-ensaios de Lins,  que constituem o seu ensaio acerca da crítica de T. S.Eliot,  a sensação que temos é a de  que o autor   de A técnica do romance em Marcel Proust   está proferindo  uma peça oratória. Usa de artifícios retóricos, visíveis naquela forma de expor o argumento da opção  por T. S. Eliot   a fim de desdobrar  as suas ideias concernentes  ao pensamento  crítico  do autor dos Selected essays.
               A estratégia de Lins é a de chamar a atenção do leitor para a ideia dessa escolha, e não de outros grandes críticos de língua inglesa por ele citados. A estratégia funciona como  um movimento  que aparentemente   intenta retardar  a justificativa  da escolha, porém  avança  no seu  desenvolvimento  explanatório. Citamos abaixo, as cinco vezes  em que  essa  estratégia  é utilizada:

1.      “De onde surgiu, porém, a ideia, a sugestão de aproximar os dois ensaios [de T.S.Eliot] para este estudo comparativo?”[40]
2.      “Poderá um leitor, nesta altura, levantar uma pergunta, e essa pergunta a mim mesmo já formulei: por que a escolha de T.S.Eliot  para a empresa de examinar-se, por intermédio do seu estudo a frio e do brilho ornamental do seu conceito de crítica em matéria  de literatura, aquela grande  questão do problema geral e do estado atual, da chamada nova crítica...” [41] (grifo do autor)
3.      Por que a escolha de T. S. Eliot, e não de outro mais audaz, porque mais jovem, em explorações no território ainda com algumas  zonas virgens da crítica contemporânea?”[42]
4.      “De fato, por que a escolha de T. S. Eliot, e não de outro qualquer representativo de alguma das correntes mais numerosas ou das experiências mais espetaculares do new criticism...” [43] (grifo do autor)
5.      “Por que, então, a escolha de T. S. Eliot, e não a de outra personalidade, um grande nome representativo, ou uma valiosa obra marcadamente expressionista, ou um assinável grupo de jovens lucidamente fixados  em conjunto – tudo isto, ou qualquer deles,  nos domínios e horizontes do próprio new criticism?[44]   (grifo do autor)

               A estratégia de cunho retórico a que nos referimos atua no ensaio de Lins  da seguinte forma: enquanto, hesita ou retarda a escolha  e ao mesmo tempo  a explica ao leitor, o crítico faz  crescer a importância e a chancela que o nome de Eliot confere ao seu  ensaio,  quer dizer, sem negar  a importância de grandes nomes do New Criticism anglo-americano,  ele traz para sua discussão as ideias e os princípios  defendidos  por Eliot que,  em síntese,   interessariam aos próprios fundamentos  do pensamento  crítico de Lins. Em outras  palavras, ao privilegiar o New Criticism geral, reconhecendo-lhe  as várias  variantes  nos Estados Unidos e na Inglaterra, Lins  aponta  como  eixo central do seu ensaio  as ideias estéticas  de Eliot:

 Não, nenhuma hesitação ou dúvida seria razoável, nenhuma escola estaria mais indicada para os nossos objetivos do que a figura de T.S. Eliot; nenhuma obra mais apropriada ao tipo e à natureza do ensaio, que ora empreendemos, do que a obra do autor de The use of poetry e The use of criticism, de On poetry and  poets e dos Selected  essays.[45]
                     
               Por isso foi encontrar em Eliot algumas aberturas que se harmonizavam com alguns dos seus  princípios estéticos e de visão mais  arejada do seu humanismo  crítico bem mais evoluído, sobretudo naquele aspecto que para Eliot era  incompatível ao entendimento (understanding) e  fruição (enjoyment) na leitura de uma obra literária., levando-o, de acordo com Lins, a se afastar do “estreito didatismo e do seco formalismo que ele intitulou com espírito satírico e demoniacamente devastador – The lemon-squeezer school of critcism . Ou seja, apenas isto: ‘a escola espreme-limões da crítica’ “ [46]
               Lins, desta forma, não cedeu um palmo naquilo que, como instrumento de sua crítica integral, psicológica, culturalista, impressionista-humanista, em elevado nível exegético de resultados de prática crítica,  estivesse  exaurindo-a dos componentes de natureza extrínseca, que,  por nenhuma razão,  deveriam ser  alijados  da interpretação, análise e julgamento,  ou seja, sua compreensão do fenômeno  literário, por ter um sentido  plural, eclético, não podia  limitar-se  àquela ”crítica objetiva,” imanente, da obra literária propugnada pelo New Criticism.Atente-se para o enunciado de derradeiro parágrafo  de seu  ensaio sobre Eliot:
   Por outro lado – e continuando nesta mesma direção – podemos analisar o dizer tudo o que significa uma obra de criação literária, mas esvaziando-a do prazer que ela é susceptível de oferecer-nos. E fruir assim uma obra poética com base na ininteligência do que ela é como substância e realidade, isto seria fruir, na verdade, apenas uma outra coisa. Isto é: mera projeção de algum entendimento lógico, histórico, gramatical, formalista e extrovertido.[47]  (grifos do autor)
                      
               Desta maneira, ao validar o New Criticism de Eliot e de outras figuras  eminentes dessa corrente crítica, Lins aproveita  a oportunidade  para  censurar  a “nova crítica”  que se desejava  adotar no ensino   superior de letras e que, segundo ele,  aqui  foi  distorcida e  mal assimilada. Ele bem sabia que não era nada disso, que a Nova Crítica era uma realidade ainda que com todas as suas limitações de práxis inicial no país.
               De outra parte, no ensaio de Lins existe um ponto crucial digno de atenção do analista  literário. A escolha recaindo sobre Eliot, num momento de grande efervescência da polêmica com Coutinho e os seus seguidores ou simpatizantes da Nova Crítica  - anos  de 1950 – reveste-se de um  golpe de mestre na peleja literária. Sabia Lins que Eliot, na primeira fase de sua pregação do New Criticism, tinha sofrido muitas  incompreensões e ataques  da parte dos críticos  tradicionalistas, i.e., dos impressionistas  norte-americanos.
              A admiração que Lins manifestava por Eliot significa que esse crítico jamais repudiou o New Criticism, mas sim, como adverte Adélia Bolle, ‘certos representantes  indígenas.’ [48] A ensaísta toca numa questão também  essencial no que concerne à posição  de Lins de não ter  aderido  à “nova  crítica”: a “ (...) repulsa por uma crítica objetiva, pela imposição de leis, regras e normas  à atividade literária.”[49]
               Julgamos que essa “repulsa” estaria visceralmente relacionada à própria  formação  intelectual  de Lins, ainda mesmo quando deu demonstração cabal de que  a sua prática crítica não seria a mesma  de tempos atrás, após novas leituras  que lhe iam  insinuando  a necessidade  de novas  visões  e de novos aportes teóricos  no domínio do pensamento   crítico ocidental .      
               Por analogia e ironia do destino, Afrânio Coutinho sofrera incompreensões e também lutara com unhas e dentes contra  as formas envelhecidas  do Impressionismo crítico   brasileiro, ou seja,  numa polêmica  aguerrida, porém   em sentido  inverso dos objetivos que Lins  direcionava seu ensaio: louvar  em Eliot o que desaprovava em Coutinho.
               Da mesma forma, com respeito às mudanças que ocorreram com  a prática crítica   de Eliot, no tocante à sua  posição   acerca das relações entre o crítico-universitário e o jornalismo literário, o “periodismo,” podemos   distinguir   algumas semelhanças com o pensamento  a este  respeito de Coutinho ao discutir  as diferenças de qualidade de  crítica entre o crítico  universitário e o reviewer, o crítico de  rodapé.
               Em outras palavras, tanto em Eliot quanto em Coutinho havia a segurança de visões de que poderia haver bons ou medíocres  praticantes de crítica em jornais ou em livros. E seria essa também a opinião de Lins, que reprovava duramente os maus  críticos de jornais quando se vulgarizavam “(...) na ligeireza e na superficialidade do chamado ´periodismo’ crítico.”[50]  A resistência de Lins, por mais  vigorosa que fosse,  no final,  não lograra êxito. Porém, tanto Lins quanto Coutinho - cumpre  constatar -,  dentro de seus  métodos críticos e de visões  do fenômeno  literário, à parte as divergências  e escaramuças pessoais   ou no nível das discussões teóricas,  lutavam  por  uma  causa  nobre, séria e responsável, se vista do ângulo do pensamento  crítico em fase de grandes  mudanças na época da   polêmica entre eles.A polêmica entre os dois antes se inscreve como uma  luta intelectual e com propósitos elevados no campo da crítica literária brasileira e, assim,  não deve ser  interpretada como mera disputa de perdedores ou ganhadores.
               A questão da polêmica torna-se um dado positivo na medida em que o debate  deflagrado se insere no circuito da história literária  de um país. No mínimo, o seu valor  funciona, de certa forma,  como  o fluxo contínuo das ideias estéticas, históricas e culturais que  só  fazem avançar,  no caso específico, os estudos literários e das artes em geral sem fronteiras e, de preferência,  sem  ranços de  chauvinismos de qualquer  espécie que só  retardam o processo  da comunicação artística no plano universal e na era digital de um mundo globalizado..
               Os opositores de Lins, sobretudo as novas gerações daquela época do final dos anos  de 1940 e da década de 1950 que aderiram  à campanha de Coutinho  para verem   postos em prática, no meio literario  brasileiro, os postulados  fundamentais  do New Criticim, já estavam  tomando  conta do novo espaço teórico. Lins não desejou baixar a guarda, mantinha-se convicto de que o método de análise de uma obra literária  não  podia se submeter  ao império da autarcia  do objeto literário.
               Seu tempo de apogeu no rodapé já estava perdendo chão, porquanto o próprio jornalismo  literário  viria  sofrer  as consequência da crítica da cátedra universitária.  Não tardaria que o aparecimento de novas formas de abordagem crítica surgidas no exterior fossem divulgadas no meio intelectual brasileiro - o estruturalismo, a desconstrução, o pós-estruturalismo, a fenomenologia, a teoria da recepção, a teoria feminista, o novo historicismo, a teoria pós-colonial, o discurso das minorias, a queer theory, os estudos narratológicos, os estudos  semióticos,  os estudos da análise do discursos -,  enfim,  que  novos   movimentos do pensamento  crítico  universal proliferassem.[51] Lins não os alcançou, uma vez que, já nos meados da década de 1960, não mais  produzia. Estava solitário e doente, vindo a falecer em 1970.        

*  NOTA DO  AUTOR: Este texto é  uma subseção de um capítulo  do meu  estudo  de Pós-Doutorado submetido à Faculdade de Letras da UFRJ.

[1] LINS, Álvaro. O relógio e o quadrante.  Op. cit., p. 376-377.
[2] Idem ,   p.370.
[3]Idem, p. 414.
[4]MENESES  BOLLE, Adélia Bezerra de. Op. cit., p. 68.
[5] Idem,  p.  80.
[6] Idem, p. 68.
[7] Apud. MENESES  BOLLE, Adélia  Bezerra de. Op.  cit.,  p. 78.
[8] Idem, ibidem.
[9] Idem, p. 80.
[10] Cf. LINS, Álvaro. Uma história sem nome  e sem biografia. In: _. O relógio e o quadrante, Op. cit., p. 364.
[11] Ibidem.
[12] Ibidem, p. 365.
[13] COUTINHO, Afrânio. José Veríssimo, Prós e Contras. In: ___. Crítica & críticos. Op. cit., p. 220-244.
[14] LINS, Álvaro. O relógio e o quadrante.  Op. cit., p. 344-351.
[15] Idem, p. 365-366.
[16] COUTINHO, Afrânio. Crítica & críticos. Op. cit., p. 140-143.
[17] Idem,  p. 141.
[18] Idem, p. 142-143.
[19] Cf. LINS, Álvaro. O relógio e o quadrante. Op. cit. Os três ensaios, na ordem mencionada acima, em conjunto, vão da página  383 à página 414..
[20]Apud LINS, Álvaro. O relógio e o quadrante, Op. cit., p. 366. .Cf. o  original em inglês:
         “ In my own experience of the appreciation of poetry I have always found that the less I knew about the poet and his work, before I began to read it, the better. A quotation, a critical remark, an enthusiastic essay, may be the accident that sets one to reading a particular author: but an elaborate preparation of historical and biographical knowledge has always been to me a barrier”.
[21]  Cf. LINS, Álvaro. Os mortos de sobrecasaca, Op. cit. Ver, respectivamente,  páginas  p. 434-435 e p. 440-442.
[22] CASTRO ROCHA, João Cezar de.  A  crítica literária: em busca do tempo perdido? Op. cit.
[23] Idem, p. 199.
[24]CARPEAUX, Otto Maria. Apud LINS, Álvaro. A glória de Cesar e o punhal de Brutus. (1939-1959). Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1962. Trata-se de uma epígrafe extraída  do capítulo  “Álvaro Lins e a literatura brasileira,” da obra de Carpeaux,  Origens e fins, Rio de Janeiro, 1943. Ver Bibliografia Geral no final deste estudo.
[25] LINA, Álvaro. O relógio e o quadrante, Op. cit., p. 392.
[26] COUTINHO, Afrânio. Crítica & críticos. Op. cit., p. 133-136.
[27] Cf. o que afirmamos anteriormente às páginas 21-23   deste estudo.
[28] LINS, Álvaro. O relógio e o quadrante.  Op. cit., p. 404.
[29] Ibidem.
[30] COUTINHO, Afrânio. Crítica & críticos. Op. cit., p. 200.
[31] COUTINHO, Afrânio. O velho e o novo Eliot. In:__Crítica & críticos.  Op. cit., p. 200-209.
[32] Idem, p. 201
[33] Ibidem.
[34] Ibidem.
[35] Apud  LINS, Álvaro. O relógio e o quadrante, Op. cit., p. 404.  Essa citação. é de Morton Dawen  Zabel. Lins deve ter lido provavelmente o ensaio de Zabel em tradução portuguesa, já que se encontrava  traduzido desde 1947; se considerarmos que tenha lido no  original em inglês,  a tradução de Lins pouco difere da tradução de Célia Neves. O ensaio se encontra na obra de Zabel A literatura  dos Estados Unidos e tem o título “A crítica literária nos Estados Unidos,” capítulo XXIV,   p. 526-574. 
[36] Ibidem.
[37] Ibidem.
[38] Ibidem.
[39] Ibidem.
[40] LINS, Álvaro. O relógio e o quadrante Op. cit., p. 386.
[41] Idem, p. 389.
[42] Ibidem.
[43] Idem, p. 390.
[44] Idem, p. 391.
[45] Idem, p. 391-392.
[46] Idem, p. 414.
[47] Idem, p. 414.
[48]MENESES  BOLLE, Adélia Bezerra de. Op. cit., p. 61.
[49] Ibidem..
[50] LINS, Álvaro.  O relógio e o quadrante, Op. cit., p.388.

[51] CULLER, Jonathan. Teoria literária.: um introdução. Trad. de Vanda Vasconcelos. São Paulo:  Beca,  1999, p. 118-126.

Nenhum comentário:

Postar um comentário