José Luís, o Barão de Bitorocara |
Assis Capucho, mestre do sax e da harmonia |
Zé Francisco, El Gran Montilla |
30 de dezembro Diário Incontínuo
MÚSICA E LAZER NO
CAFUNDÓ
Elmar Carvalho
No domingo, de manhã
cedo, o Zé Francisco Marques me telefonou, convidando-me a ir ao sítio Cafundó,
do nosso amigo comum José Luís Carvalho do Vale. Lá também estariam o Assis
Capucho, sua namorada Fernanda, e a Francilene, esposa do nosso anfitrião. Assis
Capucho, de nome completo no registro civil Francisco de Assis Carvalho do
Vale, é neurologista respeitado, professor da Universidade Federal de São
Carlos, conferencista de prestígio, já tendo proferido palestras em várias
paragens do Brasil. É irmão do saudoso médico Júlio Capucho, que conheci em
minha adolescência.
Disse ao Zé Francisco
que não desejava ir, pois havia tirado o dia para ficar quieto em meu tugúrio.
Logo depois, meu celular tocou novamente. Desta feita era o Assis que reforçou
o convite “franciscano”. Com as forças minadas, não pude deixar de deferir tão
tentador convite. Aliás, como disse o poeta, para rimar com saudade, resistir
quem há-de?
Um aviso prévio aos
incautos navegantes se faz necessário; apesar do nome, o sítio Cafundó não fica
“no calcanhar do Judas” ou “onde Judas teria perdido as botas”, em local
inóspito e inacessível, como alguém equivocadamente poderia deduzir, mas em
local bonito, aprazível, de fácil acesso e perto de Teresina.
No telefonema, eu e o
Assis fizemos referências brincalhonas ao Zé Francisco. Eu disse que ele é uma
figura egressa da mitologia greco-romana, tendo o Assis, num retumbante e
hiperbólico pleonasmo, o rebatizado de Dioniso Baco, por ele ser um degustador
de uvas e um apreciador de vinho, sendo ainda certo que é um consumado enólogo
e enófilo, unindo, assim, teoria e prática. Acrescentei que o seu nome completo
passaria a ser Dioniso Baco da Silva Orfeu.
O acréscimo do codinome
Orfeu não precisa de explicação, e deve-se ao fato de que o nosso amigo é
exímio instrumentista, dominando com muita perícia um violão e um teclado, que
vale por uma orquestra. Quanto ao sobrenome Silva, é que lhe quis dar um misto
de nobreza e popularidade ao mesmo tempo, porquanto com esse apelido há homens
simples e nobres.
Além do mais, Zé
Francisco tem uma bela e forte voz, com uma poderosa memória que lhe permite
ter um vasto e eclético repertório, que abarca a bossa nova, a jovem guarda, a
MPB e os clássicos do brega, que na verdade são imortais músicas românticas.
Para completar a parte musical, o Assis Capucho é um talentoso saxofonista, que
em certos momentos ascendeu de coadjuvante a estrela principal, quando executou
alguns boleros e outras melodias.
Se tudo isso ainda não
fosse o bastante, o Zé Luís, o senhor do sítio Cafundó, é um exímio
percussionista, e deu um brilho pirotécnico a esse trio musical. Em alguns
momentos ele atuou como se fora um regente, ao inovar em certos arranjos e
improvisações, o que me fez lembrar os improvisos do jazz. Também me pareceu um
maestro porque soube incentivar o seu irmão a ser mais ousado no saxofone,
tendo conseguido que ele fizesse algumas execuções solo, de rara beleza e
perícia.
Não tendo Deus me dado
o dom da arte do divino Orfeu, não sabendo executar nenhum instrumento e nem
cantar, contudo sei apreciar uma boa música, qualquer que seja o seu gênero ou
estilo. Contive-me, portanto, em escutar com atenção e em aplaudir com entusiasmo
os meus três melódicos amigos. No máximo, tive pálida participação na parte
vocal, quando cantarolei, embora de forma canhestra e incipiente, algumas
canções, cujas belas letras conhecia.
A manhã domingueira
também foi perfeita nos quesitos da libação e dos comestíveis. O nosso
anfitrião Zé Luís é um tanto metódico e perfeccionista, de modo que a cerveja
por vezes ostentava um elegante “véu de noiva” ou um deslumbrante “pescoço de
águia americana”, mas sem nunca congelar. A carne do insuperável churrasco
sempre se apresentou tenra e suculenta, pois ele domina o ponto exato do tempo,
da distância e do fogo, o que faz a diferença entre um mestre e um simples
borra-botas ou melamão. Cabe ainda informar que as carnes caprinas e galináceas
tinham a grife Cafundó (ou made in Cafundó, se o leitor americanizado assim
preferir).
Em dado momento o Zé
Luís me perguntou se o churrasco estava bom ou se poderia ser melhorado. Fui
enfático, conciso e radical em minha resposta: “Não tente melhorar; se
melhorar, estraga”. É ele um perfeito anfitrião, atencioso e educado, mas sem
artificialidades postiças. Essas qualidades e atributos são de sua índole. Como
na música do lendário Bat Materson, ele é “sempre elegante e cordial”. Por
essas razões, dei-lhe o título nobiliárquico de Barão de Bitorocara.
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