segunda-feira, 27 de abril de 2015

Minha formação (4 e 3)


Minha formação (4)
                    
Cunha e Silva Filho

A VIRADA.  Vivi em Teresina dos três ou quatro  aos  até completar dezoito em dezembro de 1963. Em fevereiro do ano  seguinte,  1964,   embarquei de avião da Vasp para o Rio de Janeiro, espécie de turning  point que, nessa cidade,  mudaria o rumo de tudo, mas de tudo  estruturalmente  falando: vida pessoal,  familiar, estudos,  objetivos  desviados, enfim,  tudo. Teresina ficaria para trás durante   dez anos em que, na hoje megalópole carioca,  conforme  disse acima,  as vias do percurso  humano e intelectual  iriam  conhecer alegrias e ao mesmo  tempo  muitos  óbices que  dilacerariam  em parte o meu mundo interior.
         No entanto,  aqueles dez anos de ausência de Teresina e de meus  familiares,  foram  um tanto compensados  pela  volta à “Cidade Verde.”
        Muita coisa  acontece numa década de ausência, e isso foi constatado   nessa  minha primeira grande volta a Teresina, em 1974. Fiquei deslumbrado com  as mudanças da capital mafrense e, para isso,  remeto  o leitor a uma crônica,  com  título sugerido por meu pai (ele era ótimo para dar títulos a seus  textos)  “Impressões da Cidade”,  que se encontra na minha  obra As ideias no tempo (2010).
         Falei  acima  que, ao lado do deslumbramento ou “alumbramento” bandeiriano,  de rever  Teresina,  havia trazido comigo  outras  mudanças: não era mais o adolescente   que mal completara dezoito anos, mas um jovem adulto de  vinte e oito anos, casado, com  dois filhos  pequenos. i.e., um pai de família que viera abraçar   os pais, irmãos e irmãs. Mamãe me dizia que eu estava pouco à vontade e que não era mais  o filho de antigamente. Acentuo,  todavia,  que  a ausência de uma década, de certa maneira,  havia sido amenizada por uma correspondência intensa entre mim e meu pai.
        Através desse canal  de comunicação por carta trocávamos afagos,  confidências de toda a sorte e,  por conseguinte,  virtualmente,   mantive  um elo  espiritual  e intelectual  com meu pai que se prolongaria  por  vinte e seis anos.Papai  se queixava às vezes  reclamando  que eu quase não  escrevia pra mamãe.
   Expliquei-lhe que não era essa a minha intenção, pois, escrevendo-lhe,  intencionalmente  era como  se estivesse  também  me dirigindo a mamãe, visto que a ela  sempre me referia e bem assim a meus irmãos. Mas, assim mesmo,  segundo ele,  mamãe  reclamava de que não lhe mandava  cartas diretamente pra ela.
       Hoje,  entendo o motivo  principal da minha  preferência paterna: sempre estive  em sintonia com ele mais por razões  intelectuais. Tanto ele quanto  eu  nos entendíamos muito  bem    por via  da dimensão  intelectual. Nas cartas que  lhe enviava em resposta às dele, que eram mais  numerosas,  sempre fazia  comentários   críticos, elogiando-lhe  a qualidade de seus artigos,  a propriedade  do tema neles  discutidos, seu estilo  de escrita   de um jornalismo  “doutrinário,”  segundo a referência  que lhe fez o  ilustre  jurista   e conterrâneo  Cláudio Pacheco (1909-1993), que foi assistente, na Faculdade Nacional de Direito, do historiador e professor,   membro da Academia  Brasileira  de Letras, grande orador, ensaísta,  político, Pedro  Calmon (1902-1985).
         Pedro Calmon conheci  pessoalmente no Rio de Janeiro, no tempo  a que a ele recorri  pra  conseguir  gratuidade de inscrição ao curso de Letras na  célebre  Faculdade Nacional de Filosofia da Universidade  do Brasil, depois chamada  Universidade  Federal do Rio de Janeiro.  Na época,  1965,  Calmon  era Reitor da Universidade do Brasil e a reitoria  ficava no lindo bairro da Urca, hoje um velho  prédio que comporta  um dos campi da UFRJ. Recebeu-me com um sorriso cativante  e, no corredor,  atendeu-me  ao  pleito. Saí encantado com  a sua  cordialidade  e simpatia.
       Depois de cinquenta  e um anos residindo no Rio de Janeiro,   as reminiscências  se embaralham  em parte no meu espírito. Porém,  a intenção  desses relatos não  tem cunho  cronológico. Será exposta num vaivém, em fluxo  dependente  do que  as associações   de camadas  múltiplas do tempo me invadam  o ato da  escrita e o    desvio  das linearidades   temporais, ou, para usar um termo de G.Genette, das anacronias
     No meu primeiro  regresso a Teresina,  meu  pai  foi meu  guia turístico  e a ele devo  o que me  mostrou de novidades  andando a pé pelas ruas do Centro de Teresina  e,  se mais afastado,  tomando  um  ônibus não muito   confortável.  Íamos a uma redação  de jornal para o qual  estava   escrevendo  mais, o Estado do Piauí, de Josípio  Lustosa. Passávamos pela   velha  Praça  Pedro II, parando um  pouco  para vermos  o anúncio de algum filme do momento no Rex e no Theatro 4 de  Setembro. Gostava de traduzir   alguns  trechos  do cartaz  de um filme  italiano.
     Nos dirigimos,   depois, para a memorável  Praça  Rio Branco, locus  no qual  se reunia, no passado,  a nata da intelectualidade piauiense ou  espaço público   mais adequado aos grandes comícios   políticos, assim como   o fora a Praça  Pedro II no tempo da "Geração  Perdida" de que nos fala o crítico literário,  ensaísta e  professor emérito de literatura portuguesa,  o piauiense M.Paulo Nunes.
    Paramos   numa  lanchonete pra   bebermos, cada um,  dois copos de garapa bem geladinha,  acompanhada de  um  delicioso  pastel de carne moída. Uma delícia  proustiana! Era  costume dele  me perguntar se queria  repetir o lanche, fosse um copo de garapa,  uma prato de coalhada, um sorvete de bacuri ( para mim, a fruta mais  gostosa   do planeta, que até dela fiz  matéria de uma crônica), entre outros  refrescos   imperdíveis  de frutas da  terra.  
    Quando  era pequeno,  fazíamos  isso com frequência, sendo que ele  não esquecia de me tomar pela mão e gostava  de, a intervalos,  dar um aperto mais forte  e   carinhoso com aquelas  mãos lindas que Deus  lhe deu e que, em Amarante,  na sua  juventude e mocidade   se dizia - serem   as mãos mais lindas da cidade. Meu filho mais velho,  o advogado   público  e professor universitário  de direito, Francisco Neto, a meu ver,   herdou-lhe a beleza das mãos.
     Fomos ao aeroporto de Teresina.  Até hoje, não sei por que me levara pra aquele lugar.   Seria por que  o associava   à possibilidade  de partidas e de despedidas com o coração entrecortado de saudades antecipadas ? Esse fato  me leva  -  não sei  também  por quê  -  à poesia  de  Cesário  Verde (1855-1886), sobretudo do  emblemático poema  “Sentimento de um Ocidental.” Quem pode  decifrar  os escaninhos  das memória  e das sondagens profundas  do tempo  passado?  De repente,  sentados que estávamos   a uma mesa  de um espaço aberto do aeroporto e bebericando  um refrigerante, meu pai solta   essa  declaração  num tom  de desabafo  e de pedido  de  perdão: “Meu filho,  você se fez sozinho. Conseguiu,   até agora,  realizar tudo sem a minha ajuda.” Nada fiz  por você.”
        Naquele  instante de quase silêncio, reparei  com atenção no seu   belo semblante,  de rosto arredondado e voz   expressiva, aquela voz  que, por vezes,   por causa dos anos,   com esforço mal  consigo   ouvir agora e que, por isso,  me  causa  tristeza. O sons,  o cheiro,  o perfume  impregnados  na memória  nunca deveriam se perder no tempo da velhice. Estávamos,  segundo  assinalei  atrás,  no mês de julho de 1974. Foram alguns dias de férias  que aproveitei  a fim de  matar a saudade  dele, de mamãe, de meus irmãos e alguns parentes  mais  queridos. Àquela altura da vida,  ainda  cursava a universidade e trabalhava, no Rio de Janeiro, capital do então  denominado  estado da Guanabara,   no bairro  da Penha, como  professor de inglês e português  de cursinho  pré-vestibular (Curso  Policultura)  e preparação para os exames do Artigo  99.  (Continua).      


Postado por Cunha e Silva Filho às 09:15 Nenhum comentário: Links para esta postagem
sexta-feira, 3 de abril de 2015


Minha formação (3)
                          
“Seek knowledge wherever you are”

Cunha e Silva Filho
                                                                                       
  
          A par de A. Tito Filho,  no curso científico, tive o prazer de ter sido aluno, não tão brilhante,  de professores como  o Lapa (de matemática),  figura extraordinária  de mestre,  Edgar  Tito de Oliveira  (também de matemática, irmão do Lysandro  Tito de Oliveira). Este último era competentíssimo, mas exigente ao extremo. Uma vez,  confessar à minha turma  que seria  militar do Exército, provavelmente um  general, pois cursara  a Escola de Oficiais mas,  por  problemas de saúde,  não poderia  seguir a carreira militar. Grande inteligência não lhe  faltava.
        Mais tarde,  descobri que era uma alma boa  e simples oculta naquela    fisionomia  séria,  muito irônica durante as aulas. Fui aluno do  professor Cordão,  que era oficial  do Exército. Lecionava  química. Bom professor,  dava boas aulas. Foi pena que não pudesse corresponder  à altura das suas  aulas, pois não era forte  nas  disciplinas exatas.. A madame Helena, conhecida mais por Madame,  era casada com um  médico  veterinário  francês e por certo  o convívio dela com um falante nativo muito a auxiliou a dominar a língua   de Racine. Lecionou-me francês. Tempos  depois,  já falecido o marido,  ela deixara  Teresina e , com sua filha,  que foi  colega de turma de minha irmã Sonia, mudou-se para Belo Horizonte.
    Assim me contou alguém. Não tive mais notícias  da ilustre  professora. Outro professor no Liceu Piauiense  de alta capacidade que tive foi  Camilo Filho,  que me lecionou  história  geral. Suas aulas  eram  prazerosas e instigantes.
      Tive outros  professore mais novos  de física, de literatura brasileira. Era uma  jovem senhora recém-admitida ao Liceu. Possuía boa didática  e gostava de que preparássemos  uma exposição  oral  sobre um tema pré-selecionado. Uma vez,  fiz uma exposição. Cria que me saíra bem, mas um  colega metido a engraçado  me fizera um reparo:  "Você  repete muito a expressão  "né em sua  apresentação. Não gostei da sua crítica.  A professora de literatura brasileira   apenas  observava  sem  fazer  comentário algum.
       Naquele tempo  do 3º ano científico, já vinha escrevendo  desde os  quinze ou  dezesseis anos pra jornais locais.  Assuntos dos meus artigos: esboços de contos e outros temas, sobretudo  falando  de períodos   da literatura brasileira, alguma tradução de poemas  do inglês e francês. Foram unas  dois  ou três poemas traduzidos do inglês, além de um   texto em prosa  de autor francês. Foi nessa época do último ano do científico que coloquei no jornal Estado do Piauí  um anúncio em inglês me oferecendo pra  dar aulas particulares de inglês e francês em minha  casa. Apareceram alguns  alunos que me renderam alguns trocados.
    Por falar de literatura brasileira, um fato  memorável me vem à mente. Foi precisamente na biblioteca do velho Liceu  Piauiense - naquela minha época chamava-se Colégio Estadual  "Zacarias de  Góis" - que, pela primeira vez,  li uma obra de Machado de Assis. Foi o romance Helena, ainda da primeira  fase   romântica do maior  ficcionista brasileiro. A narrativa me  agradou bastante.Não tinha sido  indicado por nenhum  professor   de literatura. Li  por mera curiosidade de entrar em contato com  o autor.  Contudo,  não   li,então,  as outras  produções  de Machado e vou dizer  por quê. Veja o leitor como  um  jovem  estudante  concluindo  o científico  é suscetível de seguir o conselho dos mais  velhos. 
     Num dos livros  didáticos, não me lembro  se para o ginásio  ou  o curso científico e clássico,  José Cretella Jr.  advertia   ao leitor que Machado de Assis não deveria  ser lido  por jovens em virtude de sua   narrativa ser muito  pessimista e, segundo  ele,  não muito aconselhável  aos jovens, que precisam  de narrativa   mais edificante, que mostrasse a vida na ficção  por uma ótica  mais otimista  e saudável. Não é que segui o conselho  de Cretella Jr.?  Hoje me arrependo,   porque  tal  postura  me  atrasou,em tenra idade,  a possibilidade  de  entrar em contato com  a grande  obra machadiana.  Mal sabia eu que,  muitos anos mais tarde,  na maturidade e no período do Doutorado, iria  aprofundar  minhas pesquisas sobre Machado de Assis em ensaio acadêmico. É bem verdade que antes já tinha  lido  parte da obra  machadiana e importantes ensaios  sobre  ele.
    Segundo  assinalei linhas, ainda  no período do curso científico,  publiquei,   em jornais de Teresina,  alguns  artigos nos quais  discutia   sobre autores   brasileiros  e sobre  movimentos  literários  brasileiros,   por exemplo,  o Simbolismo,   o Modernismo.
     Uma  amável  leitora de artigos  meus   me confessara que  se preparava pra cursar  a universidade e, segundo ela,   aproveitara alguns artigos meus  como  complemento  de suas leituras  para atingir  seus objetivos. Ficara desvanecido   com  tal  notícia.  
   Nenhum autor  escreve gratuitamente, ou seja,  só pra si mesmo. A função do escritor  é  chegar aos leitores  e, se possível,  ganhar  sua  estima. Escrevo  pros leitores, não  por narcisismo. Meu  único desejo  é me comunicar com o outro, não só  numa  crônica,  num artigo, mas  também no ensaio, na crítica, na tradução. Nesta  última,  posto que  esteja lidando com  a obra  alheia,  estarei dando  a minha  contribuição através  do trabalho  criativo que é próprio  da tradução, por menos   brilhante que seja a minha forma  individual  de transpor para uma outra língua.      
   Naquela  época,   o ensino  de idioma moderno  se pautava nos moldes  tradicionais, i.e., na leitura e tradução ou versão e as aulas  eram  dadas em português. No caso da Madame,  era diferente; de certo modo,   ela se aproximava  do que chamamos hoje    no ensino de idiomas   de “Comunicative method”, ou seja, ao aluno  importa  aprender a língua   com ênfase na conversação, sendo  não recomendável, exceto no início dos estudos,  explicar  a gramática no idioma  nativo do aluno. O método da Madame Helena era o "Direct method", que  adiante comentamos  Não  era  só a Madame  quem  o utilizava, naquela época,  décadas de cinquenta e sessenta  do último século. O professor  Alcobaça  também  a empregou nas suas aulas de espanhol. Da mesma  maneira,  a usou a professora Cristina  Leite, uma espécie de rival da Madame.
       A abordagem, q no ensino de línguas modernas,  nos anos  30 e 40  e 50do século passado, no país fora  iniciado pelo  Externato   Pedro II. Era a grande  novidade que, como já acentuei antes,  se fundamentava  no ensino do idioma  estrangeiro  pelo idioma  estrangeiro. Chamava-se “Direct method.”   No Colégio Pedro II  fora introduzido graças ao seu diretor de então, Henrique Dodsworth, por influência do filólogo  professor Delgado de Carvalho e, segundo nos  informa  o  eminente  professor de línguas, Júlio Matos  Ibiapina,   “...com o apoio  do ministro Francisco Campos, sugestionado  provavelmente  pelo  seu chefe de Gabinete,  professor Lourenço  Filho.”(1)
       O “Direct method” já havia tido  sucesso  pela Europa e, no Brasil,   o  professor Júlio  Matos Ibiapina, que  fizera  estudos   profundos de línguas naquele  continente,  respectivamente,  França, Inglaterra e Alemanha, foi um dos seus  seguidores, inclusive publicando    admiráveis  livros didáticos, sobretudo  de inglês e francês, obras  que vim a  conhecer  no  “quarto-biblioteca”  de meu pai e que li  na sua quase totalidade. Todavia,   em alemão não parece que tenha  escrito nenhum livro didático, mas   apenas uma tese para  professor catedrático de alemão,   aprovada pela Congregação do Colégio Militar do Rio de Janeiro e  intitulada Construção alemã (1921). Matos Ibiapina foi quem, pela primeira vez, no Brasil,  traduziu a obra Mein Kampf, de Adolf  Hitler, tradução elogiada pelo sociólogo  cearense  Djacir Menezes.
    Por outro lado,  o “Direct method” exigia muito do professor,  principalmente fluência e contato com  a língua no   país  de origem. A dificuldade de se implantar tal método   residia  em que  a maior parte dos  docentes  não tinha  tanta fluência  naquelas línguas e,  além disso,   com turmas  numerosas,  que é o caso da maioria do professorado, brasileiro, era bem  mais difícil  aplicar tal abordagem de ensino. Houve até autores que  empregaram essa abordagem  chamando-a de “Semi-direct method”, como  fez a  autora didática  de origem  francesa,  mas radicada  em Porto Alegre, muito conhecida  nos anos  1930,  1940 e 1950,  Suzanne Burtin  Vinholes. Pelo  “Direct method”,  o livro todo seria  escrito  no idioma  estrangeiro, ao passo que, no “Semi-direct method,” a obra era, nos níveis mais  elementares,   escrita em português.
    Já no “Communicative approach, ” a exigência  de a obra ser escrita na língua estrangeira é obrigatória e a diferença em relação ao  “”Direct method”, era que naquela   a ênfase se punha  na comunicação,  na conversação, no diálogo, sendo a gramática   limitada ao essencial..Por isso,  instrumentos adicionais  são  necessários ao  docente, tais  como  gravações  dos diálogos  falados por nativos da língua   estudada, filmes,   encenação, em suma,  todas as quatro  habilidades - conversação, leitura,  escrita e   compreensão. A tradução é evitada ao máximo e proibida nos  níveis avançados. Por outro lado,  no "Direct method"  o livro didático era escrito na língua estrangeira,  e bem assim os exercícios aplicados. Havia conversação, mas não com tanta ênfase quanto no "Communicative  approach", segundo  já ressaltamos. Entretanto,  professores há que, em algumas situações,  dá sua "mãozinha" em português.
    Quando  me aposentei pelo  Colégio Militar do Rio de Janeiro, em 2010, como  professor concursado  titular de língua  inglesa, empregávamos  a  “Communicative approach,” a par de existir  boa realia  de que podíamos lançar mão em   nossas aulas. Os professores eram muito  exigidos pela coordenação da sessão de inglês e ali passei um bom período onde desenvolvi  muito  a minha experiência  no  ensino  da língua   inglesa, especialmente devido ao corpo docente ser  de alta competência.
    No meu tempo do ginásio e mesmo do científico, em Teresina não havia ainda     cursos  de idiomas  nos moldes que hoje temos  em abundância pelo  país afora: IBEU, Cultura inglesa,  CCAA, Wizard, Fisk etc.  Quem desejasse,  por inclinação  do espírito, aprender  línguas tinha que se contentar com   as aulas nas escolas e  com os filmes falados  em inglês,  francês,  espanhol,  italiano com  legendas em  português,  exibidos  nas sessões matinais ou vespertinas do Rex e Theatro na Praça Pedro II.
   Um fato curioso, na Teresina do final  dos anos  de 1950 e inícios de 1960 poucas  pessoas falavam  alemão. Me lembro de que, de acordo com o que me falara meu pai,  o Des. Vidal de Freitas, que conhecias línguas,  também  falava alemão. Soube ainda que um moço de Teresina, conhecido por sua  inteligência,  igualmente  falava alemão. No passado, um professor  do Liceu,  Francisco César de Araújo ( popularmente conhecido como professor  Chico César (1892)   conhecia  várias línguas, inclusive o alemão.(2) Ele tinha feito  estudos  na Universidade Gregoriana, em Roma, licenciando-se  em filosofia  no Liceu, ministrou  aulas de inglês, francês  e latim; nesta última  língua,  era tão proficiente que  compunha poesia  em latim clássico. Era cearense, mas se transferira  primeiro,   para Campo Maior (PI) e, depois, para Teresina.
   Outro  professor que ficou   também conhecido no meio estudantil  teresinense foi Agripino Oliveira (3)) que, por informações de meu pai,  passara boa temporada na Inglaterra e, ao voltar a Teresina,  tornou-se professor de inglês do Liceu Piauiense, tendo  mesmo publicado uma obra Duas palavras sobre verbos ingleses (1924). Dizia-se que ele frequentemente sintonizava  seu rádio  em estações radiofônicas  de Londres e, ao que parece, traduzia  com facilidade em rodas de amigos. Mencionaria   dois outros  professores de inglês, bastante  respeitados,  Nelson  Sobreira (4) que,  me arguiu um vez,  junto com o meu  querido  professor Viveiros, em   exame oral no Liceu e o professor  José Eduardo Pereira ( 1929-1993) do qual  folheei uma tese de inglês para professor  do Liceu  versando sobre  literatura inglesa, se não me engano. Não era piauiense, nascera em Realengo, no Rio de Janeiro. Além disso,  exercera funções  públicas relevantes em Teresina.  Num passado ainda mais remoto, havia língua alemã no currículo do Liceu
    Qualquer americano ou falante  de inglês seriam bem-vindos à juventude  ávida de  dominar  línguas.  Fui um desses jovens. Houve um tempo, nos anos  1960, em que havia  freiras americanas  prestando  serviços  religiosos em Teresina  e algumas delas  aproveitavam  também  para  ensinar inglês a  piauienses. Na Teresina nos naos 1950    militares americanos ficaram  um tempo  instalados, em missão  do governo  americano, talvez a serviço da Comissão Mista Brasil-Estados Unidos, início dos anos de 1950 (governo Dutra e, depois,  Governo Vargas).
   Mais tarde,  já adulto,  ouvia-se falar que ali estavam  para exploração de areias monazítica que serviriam  à  fabricação  de bomba atômica e de hidrogênio... Eles,  no entanto,  homens altos alguns,  me pareceram muito   sisudos e, para a minha  visão de menino curioso,  apenas ficava  olhando-os de longe sem deles me aproximar. Moravam na mesma rua que eu,  a 24 de Janeiro, no centro de Teresina, num casa  enorme de esquina,  que dava para o lado direito do largo da Igreja de São Benedito. Eu  era menino   e não  havia ainda entrado  pro Ginásio.
   Lamento até hoje não me ter  me preparado, de forma  ainda mais  intensa, com aulas  particulares em francês, inglês e espanhol com os professores  de que então dispúnhamos, dos poucos que eram    fluentes em inglês,   como o meu querido  professor  Viveiros. Para isso, teria que falar com meu pai e isso dependia também  do tempo e disposição  dos mestres.
     Em casa,  com meu pai não  dialogávamos   em francês; apenas líamos  muito e até  discutíamos  a melhor  forma de traduzir  alguns  parágrafos  na preparação de suas aulas de francês no “Domício.” Tinha apenas catorze anos.Papai   tinha mais  proficiência na leitura em francês, assim como no italiano,  línguas que aprendera  quando aluno  salesiano (Colégio Salesiano  de Niterói, Rio de Janeiro) e São Paulo (Seminário Lavrinhas). Seus colegas internos eram  nativos  da língua italiana. Sempre fora aluno  excelente na juventude e perdera a fluência ao regressar pra Amarante, onde não tinha com quem encetar  conversações  nas duas línguas. "Time makes perfect" - me dissera  um cliente  americano do City Bank  a quem, um dia,  "at the  counter" com um sorriso nos lábios. (Continua)

Notas:

(1). MATOS IBIAPINA, J. de. English  easily mastered. 3. ed. aumentada e ilustrada. Porto Alegre: Edição da Livraria do Globo, 1940, p. 8. Veja, na obra,  o elucidativo prefácio do autor.
(2)Não consegui localizar a  data de seu falecimento. 
(3) Não consegui  localizar sua data de nascimento e falecimento.
(4) Da mesma forma,   não consegui informação sobre a data de seu nascimento e falecimento.

  

Um comentário:

  1. Boa noite,
    É possível inofrmar-me o contato de Cunha e Silva Filho ? Sou filho do professor Lapa, citado por ele em seu texto "Minha formação 3",
    Muito obrigado e parabéns pelo blog.

    Luís Lapa
    luislapa@ua.pt
    profluislapa@gmail.com

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