Insaciável cobiça de poder e consumo
José Maria
Vasconcelos
Se se tratasse de mentira ou
exagero, eu desligaria imediatamente o rádio do carro ou mudaria de estação.
Dois jornalistas comentavam sobre a trajetória da política piauiense, desde
décadas atrás, a se perpetuar no poder, de bisavô, avô, netos, bisnetos,
filhos, sobrinhos, primos. Uma dinastia a se apropriar de verbas, cargos,
envolvimento em mapismo. Exatamente quando eu trafegava em frente ao Palácio do
Karnak. Pouco mais adiante, o templo de São Benedito, santo negro franciscano e
despojado, a estátua entre duas torres.
Da minha infância na Piçarra, não me
fogem à memória o sagrado hábito de assistir a missa, aos domingos. Meus pais
Martinho e Dedé levavam-nos à Igreja de São Raimundo Nonato. À tarde, não podia
faltar ao catecismo. Não consigo esquecer os dez mandamentos da Lei de Deus, o
paradigma da plena felicidade neste mundo e a certeza do reino eterno. Décimo
mandamento: “Não cobiçar as coisas alheias. Nem casa, nem mulher, nem boi...”
Sétimo: “Não roubar”. Nono: “Não cometer adultério”. Aposto que poucos saibam
recitá-los de cor e exercitá-los onde estiver, inclusive entgre quatro paredes,
dissimulando a vigilância da consciência
divina. Escolho o último mandamento, por escancarar perverso cancro que arruína
a saúde física e mental de muita gente.
A cobiça consiste no voraz apetite de
enriquecimento e poder, custe o que custar, inclusive puxar o tapete de
concorrentes. Cobiça, faro de inveja e aniquilamento do próximo. Sacrifica-se a
própria moral, relações familiares, casamento, amizades, por um par de pernas
roliças, falcatruas com dinheiro público, desvios de conduta em geral.
Há vinte séculos, apóstolo Paulo
escrevia ao amigo Timóteo: “Os homens que almejam enriquecimento expõem-se a
tentações. Caem em armadilhas, diante de toda espécie de desejos.”
O ambicioso nunca se contenta com o
que tem. Cobiça sempre o que outros têm. Esfolam-se para trocar o carro por
outro igual ou melhor do amigo, casa, utensílios, até o cônjuge alheio.
Frequentam e patrocinam banquetes e eventos vips. Torram cartões de crédito,
por inveja, exibicionismo, culto ao social, ao grupo de damas do terço regado
mesquinha fé e indomáveis interesses.
Metas e
objetivos incorporam ambições naturais e proporcionam prazer de viver. A
cobiça, entretanto, alcança extremos tresloucados, como a de Renê Rocha,
cinquentão pobre, diabético, pernas amputadas, preso a uma cadeira de rodas.
Sorteado em 52 milhões de reais da mega sena, logo se apaixonou por uma bela
garota, 25 anos mais jovem, namoro de duas semanas, casamento de arromba. Dias
depois, assassinado. A mulher abocanhou metade da fortuna e a liberdade na
Justiça.
Sedução
desvairada por conquistas materiais não traz felicidade plena, só
insatisfações, no final. Clínicas entopem-se de pacientes vítimas de estresse,
úlceras, gastrite, câncer e desajustados. A medicina, muito bem, bota sempre a
culpa na falta de atividade física, nas viroses, na alimentação. Pouco vai ao
fundo da alma, do espírito perturbado de cobiça, das conquistas sem mérito, do
ódios, inveja, carência afetiva. Parece que falta a receita milagrosa do décimo
mandamento. De costas para o palácio dos poderosos, de frente para o exemplo do
despojado São Benedito.
Texto profundamente relacionado com os dias que estamos vivendo. A vaidade excessiva, o apego aos bens materiais e a total incapacidade crítica, tem levado grande quantidade de pessoas ao abismo. Pobre gente rica!
ResponderExcluirAo comentário acima, acrescento: e a ganância por cargos e poder, sem o necessário desejo de realmente servir, e não de ser servido e de se cevar nas tetas do erário ou cofre público.
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