segunda-feira, 10 de agosto de 2015

DOIS PALHAÇOS


DOIS PALHAÇOS

Chico Acoram Araújo
Servidor público, contador, contista e cronista

                Festinha de aniversário da minha neta Gabriela, que completara seus dois primeiros anos de idade. Ela estava muito feliz e radiante; uma linda princesa. O terraço da casa estava lotado de convidados, a maioria crianças de idades indefinidas. Uma algazarra alegre reinava no ambiente. Um palhaço, que a convite de minha nora veio para animar a festa, fazia suas graças e brincadeiras no meio da criançada, e ganhou de imediato a atenção da galerinha. Mas os adultos davam também boas gargalhadas em razão dos trejeitos do artista de circo. O palhaço, de nome Pipaco, era o protagonista do evento, enquanto a aniversariante, uma alegre espectadora. Expondo-se ao ridículo, aquele artista divertia a todos com grande maestria. Além da característica bolota vermelha no nariz, dos sapatos extravagantes, das roupas bufantes e coloridas, e de uma peruca espalhafatosa, portava um enorme bundão acolchoado por dois grandes balões de látex. Muito engraçado. Juntamente com as crianças, o artista cantava, dançava, pulava, além de transformar um tipo de balão comprido em figuras das mais engraçadas tais como bicicleta, óculos, animais etc. Isso durou até que foi dada a ordem para entoarmos os parabéns à aniversariante, que apagou as duas velinhas, antes de começarem a repartir o cobiçado bolo. Momento apoteótico. Uma bela festa, para uma bela dama.
Assim como as demais crianças, minha neta transbordava alegria e felicidade; agora ela era a estrela do espetáculo, e o palhaço um mero coadjuvante. Pouco antes, o artista circense dera como encerrada a sua apresentação, sumiu de cena, sem se ausentar do ambiente.
                Passadas as horas, a criançada acalmou-se um pouco, não mais estava tão assanhada; a gritaria amenizava, creio que o cansaço abateu-se sobre a maioria delas; algumas até já se mantinham quietas no colo do pai ou da mãe. Outras, poucas, continuavam a brincar, mas sem a mesma animação de antes. Os convidados agora quase tomavam conta da festa, mantendo-se animados e alegres, conversavam e sorriam. A patuscada continuou, pois o estoque de petiscos e bebidas estava garantido por mais algum tempo. Eu e minha esposa estávamos sentados a uma mesa próxima ao portão de entrada da casa, e junto conosco, o meu filho e a minha nora, os pais da aniversariante, juntamente com um casal de amigos convidados, que minutos atrás tinha sido convidado a sentar-se conosco. E ao lado daquele casal, encontrava-se também seu filhote, um menino que aparentava ter cerca de três anos de idade.  Os anfitriões mantinham uma conversação mais efetiva e divertida com aquele casal, especialmente com o moço que, assim como meu filho, devia beirar os 28 anos de idade, não mais do que isso. Brincalhão, o rapaz tinha a cor parda, estatura mediana, e os cabelos crespos e cortados rente. Já a esposa, possuía altura um pouco menor do que o marido, era morena, e tinha o rosto redondo, com traços delicados. 
Enquanto eles conversavam, lembrei-me de perguntar a minha nora pelo palhaço que há pouco tinha agraciado a criançada e adultos presentes com um belo e divertido espetáculo. Eu tinha certeza que o artista estava ainda presente na casa, pois não vi ninguém saindo, uma vez que, como disse, achava-me bem próximo ao portão de entrada. Minha nora, sorrindo para mim, indicou, com um gesto de cabeça, o mencionado rapaz que nos fazia companhia naquele instante. Também sorri, acanhado com o meu pouco poder de percepção. Pois para mim, o rapaz não era o palhaço; o palhaço não era o rapaz: nada existia que os assemelhasse. Mas, por trás daquele simpático jovem, existia um palhaço. Um palhaço que sustentava o rapaz e sua família. Um homem que ganhava a vida fazendo palhaçada, evidentemente, no sentido original da palavra.  Soube, mais tarde, que ele ajudava a animar um programa de televisão bastante prestigiado pelo público infantil de Teresina e adjacência. E que trabalhava também como “freelancer” e “merchandaiser” em lojas comerciais, bem como em shows e eventos familiares.
Após conhecer um pouco mais da vida daquele ilustre palhaço e chefe de família, meus pensamentos voltaram para qualquer dia de um ano letivo em meado dos anos 60. Nesse dia, o sol, resplandecente, estava quase sumindo no horizonte, do outro lado do rio Parnaíba. A aula acabara de encerrar quando, ao sair pelo portão do Grupo Escolar João Costa, situado na Rua Jônatas Batista, bem ao lado do Estádio de Futebol Lindolfo Monteiro, ouvi vozes estridentes que vinham da rua da antiga Cadeia Pública, hoje transformada em uma feiosa praça que serve como ponto de venda de veículos usados. Parei, olhei e aguardei um pouco. Instante depois, vi um grupo de pessoas caminhando em passos rápidos, porém, sem correria. O grupo era formado por um palhaço e duas dezenas de crianças e adolescentes. E o palhaço ia na vanguarda, declamando e puxando o coro. Este artista do picadeiro era uma espécie de pregoeiro de um circo que acabara de erguer suas imponentes lonas em um terreno baldio, de chão duro e avermelhado, situado no lado sul do mercado central, hoje Praça da Bandeira. Referido logradouro servia de campo de futebol, onde acontecia constantes torneios com os times existentes nas imediações. Quando um circo se instalava no local, as atividades futebolísticas eram suspensas, temporariamente.
O pregoeiro do circo declamava mais ou menos assim:
Hoje tem espetáculo?
Tem, sim sinhô.
É às oito da noite?
É, sim sinhô.
Hoje tem marmelada?
Tem, sim sinhô.
Hoje tem goiabada?
Tem, sim sinhô.
É de noite? É de dia?
É, sim sinhô.

Aproveita moçada!
Dez tostões não é nada!
Sentadinho na bancada!
Pra ver a namorada!
E a criança que chora?
É que qué mamá.
E a mulhé que namora?
É que qué casá.
Mas o palhaço, o que é?
É ladrão de mulhé.
E o palhaço, o que é?
É ladrão de mulhé.
E o palhaço, quem foi?
Foi ladrão de boi.

Papai, mamãe, venham ver titia
Tomando banho de água fria.
Papai, mamãe, venham ver vovó
Tomando banho de água só.
Papai, mamãe, venham ver Loló
Tomando vinho com pão-de-ló.

E a moçada na janela?
Tem cara de panela.
E a nêga no portão?
Tem cara de carvão.
Hoje tem forrobodó?
Tem, sim sinhô.
É na casa da vó?
É na sua, é na sua.
Hoje tem arrelia?
Tem, sim sinhô.
É de perna-de-pau?
É de blau-blau-blau.

Oh raio, oh sol, suspende a lua!
Olha o palhaço no meio da rua!

E o palhaço, o que é?
É ladrão de mulhé!
Viva a rapaziada sem ceroulas!
Vivaaaa!!!!!

Como toda criança, fiquei deslumbrado com aquela divertida procissão. Meu coração acelerou em êxtase. Minha alma se abateu; meus sentidos se desprenderam naquele momento, absorvendo-me em um enlevo e contemplação interior.  Uma força invisível me empurrou ao encontro daquela gente. Apressei os passos. Logo mais, eu já fazia parte daquele hilário cortejo, declamando, em voz alta, os versos acima transcritos.
Passando o cortejo pelo antigo Asilo que ficava poucos metros abaixo, uma espécie de hospital psiquiátrico da época (atualmente funciona a Unidade Escolar Benjamin Batista), o comandante dobrou na Rua João Cabral, seguindo rumo ao Mercado Central, para o local onde se instalara o grande e famoso “Circo Garcia”; circo de categoria internacional, conforme prenunciava o apresentador oficial daquela casa de espetáculo. Chegando ao circo, o nosso comandante presenteou a cada um dos seus valorosos seguidores com um bilhete de cortesia para que assistisse ao majestoso espetáculo do inesquecível e memorável “Circo Garcia”. No domingo seguinte, sessão da tarde, estava eu lá na plateia, alegre e radiante, vendo os palhaços, inclusive o nosso comandante (perdão, por não lembrar o seu nome!), acrobatas, malabaristas, equilibristas, comediantes, domadores, zebras, elefantes, leões, cavalos, macacos, e o espantoso e emocionante “globo da morte”.
Distinto público, aplausos para os dois palhaços, pois o espetáculo não pode parar. Eles nos fazem morrer de rir, e alegram nossas vidas. E em particular, as vidas da pequena aniversariante e do jovem ajudante de pregoeiro de circo.


Fonte: blog Folhas Avulsas   

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