Antiga igreja de Santo Antônio |
Igreja do Rosário |
18 de novembro Diário Incontínuo
A LOCALIZAÇÃO
DA FAZENDA BITOROCARA
Elmar Carvalho
Recentemente a
Diocese de Campo Maior comemorou os 300 anos da Paróquia de Santo Antônio do
Surubim. Houve missa concelebrada, com a presença de vários bispos e
apresentação da Orquestra Sinfônica de Teresina, sob a regência do maestro
Aurélio Melo. No ensejo da efeméride foi lançado o livro “Da matriz vejo a
cidade”, da autoria de Natália Oliveira e Alcília Afonso, que ainda não me foi possível
adquirir.
A primeira
igreja de Santo Antônio foi construída por Bernardo de Carvalho e Aguiar a
pedido do padre Tomé de Carvalho, seu sobrinho, que foi o primeiro vigário da
Mocha (Oeiras) por várias décadas, tendo construído a vetusta igreja de Nossa
Senhora da Vitória, hoje catedral, que se encontra bem conservada e mantendo
quase toda sua arquitetura original. Bernardo também contribuiu para a
construção deste templo, inclusive lhe tendo doado uma rica e bela custódia, em
ouro maciço e cravejada de pedras preciosas, que ainda hoje faz parte do
patrimônio da Diocese oeirense.
Lamentavelmente
a velha igreja de Santo Antônio do Surubim, em estilo colonial, batizada em
12.11.1712, foi demolida em 1944, conforme consta no livro Enlaces de família,
do historiador e genealogista Valdemir Miranda de Castro.
Em virtude das
festas comemorativas dos três séculos da Paróquia e de haver sido requentada a
discussão sobre onde ficava a Fazenda Bitorocara, que a meu haver já estava
definitivamente superada, com as pesquisas do padre Cláudio Melo, tanto em
Belém do Pará como em Portugal, julgo oportuno transcrever nesta crônica
diarística o terceiro capítulo de meu livro “Bernardo de Carvalho, o Fundador
de Bitorocara”, 2ª edição digital (revista, melhorada e ampliada, em virtude de
novos livros e documentos a que tive acesso, após sua primeira e única edição
impressa), disponível no site amazon.com.br:
“Todos os
maiores historiadores do Piauí afirmam haver existido a fazenda Bitorocara e o
seu fundador, Bernardo de Carvalho e Aguiar, a começar pelo mais antigo, o
padre Miguel de Carvalho, em sua Descrição do Sertão do Piauí, datada de 2 de
março de 1697. O padre Cláudio Melo considera esse documento como um dos mais
importantes para os estudiosos de História do Piauí, e que deveria ser de
manuseio constante. Quase todos admitem que essa propriedade ficava situada em
Campo Maior. Como exceção ou voz discordante, um ou outro admite haver dúvida a
esse respeito.
O próprio Pe. Cláudio Melo, no
prefácio ao livro Descrição do Sertão do Piauí (Comentários e notas do Pe.
Cláudio Melo), após advertir que o relatório do Pe. Miguel de Carvalho exigia
acurada leitura, com “reflexão e análise prudente e comparada”, em sua
proverbial franqueza e honestidade intelectual, aconselhou:
“Não se arrisquem a conclusões
precipitadas. Historiador de alta respeitabilidade, como Odilon Nunes, concluiu
que Bitorocara era Piracuruca, quando na verdade é Campo Maior
[grifo meu]. Eu mesmo há dois ou três anos escrevi um artigo para ‘Cadernos de
Teresina’ que, por sorte, não foi publicado (chegou com atraso). Hoje eu não
subscreveria tudo que ali afirmei.”
Todavia, o próprio Odilon Nunes,
segundo afirma João Gabriel Baptista em seu livro Mapa Geohistóricos, pág. 41,
teria sido pessoalmente convencido por Cláudio Melo de que efetivamente o
rio Piracuruca não era o Bitorocara. E ele João Gabriel confessa
também ter se convencido de que a razão estava com Melo.
Espancando qualquer dúvida que possa
existir sobre a localização de Bitorocara, no livro acima citado, o padre
Cláudio, um dos maiores historiadores de nosso estado, afirma, a meu ver de
forma categórica e peremptória:
“De início, eu supunha que o riacho
Bitorocara era o Surubim, em razão de a Fazenda Bitorocara ser a atual cidade
de Campo Maior. A descoberta em Portugal da sesmaria de Dâmaso Pinheiro de
Carvalho, nas cabeceiras do riacho Cobras, me fez ver que Cobras é o Surubim.
Bitorocara, portanto, ou seria o Longá ou o Jenipapo. Surgiu para mim um
impasse: a fazenda Serra fica no Longá e o Jatobá no Jenipapo. Como os limites
da fazenda Serra não atingiam o Jenipapo, mas os limites da fazenda Jatobá
podiam chegar até o Longá, concluí, por fim, que Bitorocara seria o Longá. A
fazenda Bitorocara se expandia pelos três rios, e ela estava na confluência
deles.”
Para chegar a essa conclusão, pelo
que se depreende de seu conselho (ou advertência), acima transcrito, o notável
historiador piauiense leu e releu várias vezes e em profundidade o relatório da
lavra de Pe. Miguel, com certeza cotejando-o com os vários documentos que
consultou em Portugal e no Piauí, muitos deles transcritos no livro Bernardo de
Carvalho, de sua autoria.
O padre Miguel, em seu relatório,
indicava os rios em que as fazendas por ele referidas se situavam, preservando
dessa forma a sua localização. As fazendas, na época, eram muito extensas. Ele
situava três no riacho Bitorocara (Longá): a primeira, de nome Serra, ficava
nas cabeceiras; a segunda, Bitorocara, se lhe seguia, e “a terceira e última
deste riacho se chama o Jatobá”. Evidentemente a fazenda Jatobá ficava na
margem direita do Jenipapo, que desemboca no Longá, podendo ter prosseguimento
pela margem direita deste rio, uma vez que, na expressão de padre Cláudio, “a
fazenda Bitorocara se expandia pelos três rios, e ela estava na confluência
deles”. A linha de raciocínio do historiador obedece à lógica, e não a uma
simples ilação tirada do nada, e, portanto, não merece reparo.
Como é sabido por todos, a antiga
igreja de Santo Antônio do Surubim foi construída por Bernardo de Carvalho e
Aguiar a pedido de seu sobrinho, o Pe. Tomé de Carvalho. Quase sempre (e não
conheço exceção) as igrejas eram erigidas pelos fazendeiros nas proximidades da
casa-grande ou residência, sempre que possível sobre uma colina ou outeiro, em
terras de sua propriedade ou posse. Essa era a praxe na história do Piauí,
ainda hoje observada. Quem iria construir uma ermida ou igreja distante de sua
casa e fora de sua propriedade? Considerando-se que a fazenda Bitorocara
(antigo nome do rio Longá) ficava na margem desse rio é lógico concluir-se que
ela ficava nas proximidades da igreja construída por seu proprietário nas
imediações do rio Cobras, hoje Surubim.
Sobre isso vejamos o que diz o
historiador e genealogista Valdemir de Castro Miranda, em seu trabalho
intitulado “Sobre as origens de Campo Maior”, publicado no blog
poetaelmar.blogspot.com.br, em 04.09.2015:
Campo Maior tem sua origem ligada à
figura do mestre de campo Bernardo de Carvalho e Aguiar, fundador da Fazenda
Bitorocara no ano de 1695, na confluência dos rios Longá com o Surubim. Por
volta de 1706, o Pe. Thomé de Carvalho e Silva fez desobriga na região,
fundando ali um curato. Mais tarde, com a ajuda de Bernardo de Carvalho e
Aguiar, construiu a Igreja de Santo Antonio, batizada a 12.11.1712, com a
instalação da Freguesia de Santo Antonio do Surubim ou Longá, a segunda do
Piauí e ainda ligada ao Bispado de Pernambuco. O procedimento para a instalação
da nova Freguesia, foi o mesmo adotado pelo Pe. Miguel de Carvalho quando da
instalação da Freguesia da Mocha, reuniu os moradores da região para definir o
local da edificação do templo. Não contando com a ajuda dos arrendatários das
fazendas da região, mas com o cel. Bernardo de Carvalho e Aguiar que construiu
a capela a suas custas, conforme consta em carta do Pe. Thomé de Carvalho e
Silva, Vigário confirmado na Matriz de Nossa Senhora da Vitória do Piauí de
Cima em toda ela Vigário da Vara, pelo ilustríssimo Sr. Dom Manuel Álvares da
Costa, Bispo de Pernambuco e do Conselho de Sua Majestade, que Deus guarde:
“Certifico que sendo esta minha
Freguesia muito dilatada pelas grandes distâncias, principalmente a ribeira dos
Longases, aonde não podia desobrigar a tempo de acudir com os Sacramentos nas
necessidades dos meus fregueses residentes nela, pelos muitos rios que tem em
meio para esta minha igreja, requeri ao Sr. Bispo de Pernambuco, mandasse fazer
Igreja curada na dita ribeira dos Longases, por assim convir ao serviço de
Deus, Nosso Senhor, ao que deu logo cumprimento. O dito Sr. Bispo mandou-me
ordem para a poder fazer e, indo a esta parte, convoquei os principais
moradores e, tomando-lhes os seus votos na parte que havia de erigir a nova
Capela, que por invocação tem o nome do Glorioso Santo Antônio, lhe não achei
possibilidade pra fazerem, dando várias desculpas pelos poucos escravos que
tinham, e estando ocupados em fazendas que tinham os seus donos na Bahia as não
podiam desamparar. Nestes termos, me vali do Coronel Bernardo de Carvalho que,
com pronta vontade, buscou um carapina a quem pagou, e foi pessoalmente com
seus escravos ajuntar as madeiras e os mais materiais, trabalhando o dito com
grande zelo. E, com efeito, fez a capela à sua custa, tanto de escravos como
gastos, farinha e dinheiro. E o acho com ânimo de gastar nela cabedal.
Outrossim se me ofereceu com o gado que necessitasse para a nova ereção desta
Matriz de Nossa Senhora da Vitória, e me prometeu 200$000 (duzentos mil reis)
para uma Custódia para a dita Matriz e que se custasse mais o daria”.
(MELO, Pe. Cláudio. Fé e Civilização,
1991, p. 47-8).
[Não obstante sua meridional clareza,
acho importante frisar: no documento acima transcrito o padre Tomé de Carvalho
declara que para a construção da igreja sob a invocação do Glorioso Santo Antônio
fez reunião com os principais moradores do lugar, mas que nenhum quis ou pôde
ajudá-lo; que nestes termos se valeu “do Coronel Bernardo de Carvalho que, com
pronta vontade, buscou um carapina a quem pagou, e foi pessoalmente com seus
escravos ajuntar as madeiras e os mais materiais, trabalhando o dito com grande
zelo. E, com efeito, fez a capela à sua custa”. Essa afirmativa, por si só, demonstra que o templo ficava perto da sede da fazenda ou da residência de Bernardo.]
Recentemente uma voz discordante afirma que a Fazenda Bitorocara ficava, aproximadamente, onde hoje estão situados os municípios de São Bernardo – MA, Luzilândia e Campo Largo, os dois últimos no Piauí. O imóvel ficava em ambos os lados do rio Parnaíba. O defensor dessa hipótese parte do pressuposto de que o Arraial Velho e Bitorocara seriam termos sinônimos, e se fundamenta no fato de que Miguel de Carvalho e Aguiar, filho do Senhor de Bitorocara, teria herdado a sesmaria de Arraial Velho de seu pai, conforme documento existente em Belém do Pará, cuja propriedade em favor de Miguel foi confirmada em 1739. Essa informação é verídica e está devidamente documentada. Só um louco ou mistificador a negaria. Aliás, essa notícia é antiga, e já está inserida no livro Cronologia Histórica do Estado do Piauí, da autoria de F. A. Pereira da Costa, cuja primeira edição data de 1909.
Contudo a hipótese de que Bitorocara
ficava no rio Parnaíba, na altura de São Bernardo, Campo Largo e Luzilândia,
não pode prosperar, e muito menos se estabelecer como verdade, pelos motivos
que passarei a expor de forma sintética.
Primeiro, Arraial (velho ou não)
nunca foi e não é sinônimo de Bitorocara. É apenas um topônimo genérico, e que
designa vários locais do Brasil, e mesmo do Piauí. Assim, no nosso estado
existiram vários arraiais, entre os quais cito o que deu origem a Jerumenha, o
dos aroases, o dos paulistas, o de Nossa Senhora da Conceição, o dos Ávilas, o
que originou a atual cidade e município de Arraial e, evidentemente, o arraial
que se formou no entorno da Fazenda Bitorocara e da igreja de Santo Antônio do
Surubim, nela situada, etc.
O certo é que o Arraial Velho que deu
origem à cidade de São Bernardo (MA) não é e nem poderia ser o arraial velho
que formou a cidade de Campo Maior.
Por outro lado, em termos cronológico
e documental, Bitorocara jamais poderia se referir ao Arraial Velho do rio
Parnaíba, uma vez que o documento a este referente data de 1739, enquanto a
referência à fazenda Bitorocara, feita pelo padre Miguel de Carvalho é datada
de 1697, conforme seu relatório, publicado sob o título de Descrição do Sertão
do Piauí.
Ademais, o seu autor, Miguel de
Carvalho, em sua desobriga, que relatou nesse documento, percorreu apenas as
terras que ele entendia como pertencentes à freguesia de Nossa Senhora da
Vitória, conforme explicitou o padre Cláudio Melo em seus comentários (v. bibliografia):
“Outras porções do território piauiense também eram habitadas, mas ficaram
excluídas desta Descrição; é o caso dos sertões do Parnaguá (que ficariam na
jurisdição de outra freguesia a ser instalada) é o caso do baixo Longá,
Piracuruca e litoral que já estavam assistidos pelos Filhos de Santo Inácio, na
Ibiapaba.”
Ora, se o padre Miguel de Carvalho
sequer percorreu todo o território do atual estado do Piauí, com muito mais
razão não poderia ter ido até os atuais municípios de Brejo e de São Bernardo,
no Maranhão (em cuja região veio a ser situado o Arraial Velho), que pertenciam
a outra jurisdição eclesiástica. Consequentemente, a fazenda Bitorocara a que
ele se referiu em seu relatório ficava mesmo no rio Longá, perto de onde fica a
atual cidade de Campo Maior.
Em consequência o arraial militar, ou
arraial ou ainda arraial velho referente a Campo Maior, que se formou no
entorno ou perto da Igreja de Santo Antônio do Surubim, não pode, em hipótese
nenhuma, ser confundido com o Arraial Velho maranhense, localizado perto do
Parnaíba. Mesmo porque Bernardo de Carvalho e Aguiar, último mestre de campo
das Conquistas do Piauí e do Maranhão só se mudou para a atual cidade de São
Bernardo, da qual é considerado fundador, em 1721, quando deixou o seu cargo.
A fazenda Bitorocara, portanto, ante
tudo o que expusemos, ficava na confluência dos rios Longá, Surubim e Jenipapo,
o que, admitamos, era estratégico, uma vez que haveria suprimento de água para
consumo humano e do gado, e para a formação de pastagem, além de que seriam
evitados problemas com eventuais confrontantes, porquanto os limites ficariam
bem estabelecidos por esses cursos d’ água.
Poeta Elmar, parabéns por sempre divulgar a sua Aldeia(BITOROCARA - CAMPO MAIOR)
ResponderExcluirSendo assim você se torna universal.
E merece morar e ser respeitado lá
Um abraço Itamar
Caro Dr. Itamar,
ResponderExcluirMeu desejo é tão somente tentar esclarecer, de uma vez por todas, um fato importante da história de Campo Maior e do Piauí.
O maior mérito, entretanto, é do notável historiador bitorocarense padre Cláudio Melo, de saudosa memória.
Abraço,
Elmar
Grande Padre Cláudio Melo historiador de Mãe cheia, rebateu com veemência o historiador Barbosa Lima sobrinho este mesmo falou que Domingos Jorge Velho nunca pisou em solo piauense. Tese do Padre Cláudio Melo historiador, sobre o povoamento dessa bacia que rebate ao jornalista e historiador Barbosa Lima Sobrinho este último contesta que Domingos Jorge Velho não recebeu Sesmarias dos Governadores das Capitanias de Pernambuco, Maranhão e Bahia na colonização do Piauí. O que diz Cláudio Melo o povoamento do Longa se deu a partir da década de 1680, mais particularmente a partir do ano 1692, com Bernardo Carvalho e Aguiar que trouxe para junto de si (40) cerca de quarenta fazendeiros. Se trinta anos antes, ali esteve um Paulista e que afirma ter estado ali na mesma época, e por algum tempo.
ExcluirEm 1684 índios das imediações do Poti e Longa sabiam distinguir venda de aforamento de terras, e se negaram a vender o berço de seus antepassados a brancos que por ali rondavam vindos da Bahia. Como adquiriam estes índios tais conhecimentos, se outros brancos não os tivessem instruídos? E, que outros brancos seriam se neste período e local só há noticias da presença dos paulistas.
Excelente! Gostei muito da qualidade da comprovação feita. Não é possível, em boa fé, ir contra.
ResponderExcluirNobre Elmar, primeiro agradeço os dois livros que me presenteou, com a honrosa dedicatória. Fico feliz por ter trazido a lume a discussão das origens de Campo Maior e ter despertado sua atenção e de muitos outros escritores competentíssimo de nosso estado. O senhor implicitamente regere-se ao meu livro Campo Maior: Origens, recém lançado. Sei do apego que o senhor tem a Bitorocara, mas gostaria que me apresentasse um único documento citando essa fazenda, excetuando a Descrição do Sertão do Piauí. O senhor sabe que não há. Mais: a Bitorocara, conforme o padre Cláudio, é o mesmo Arraial Velho, a prova disso está no livro dele "Primórdios". Consulte a obra. Também faço referência no meu livro. Também tenho certeza absoluta que a fazenda Arraial Velho a beira do Parnaiba não deu origem a Campo Maior, a distância é óbvia. E mais: o Arraial ali não é São Bernsrdo, esta é mais ao norte. As terras correspondem ao Brejo e Campo Largo. O testamento do filho de Bernardo não apresenta nenhuma pequena evidência que nos leve a associar Bitorocara como a fazenda originária de Campo Maior. Aliás essa fazenda nem é citada. Não vou me estender mais, embora tenha muito mais argumentos, mas se o senhor desejar, poderemos nos encontrar, como doía cavalheiros, e discutir mais essa questão. O discurso e o debate sempre é positivo. Parabéns pelo seu livro, é muito bom, assim como o conjunto de sua obra que já tive acesso.
ResponderExcluirProf. Marcus Paixão