Parnaguá sem Miridan
Reginaldo Miranda
Da Academia Piauiense de Letras
Ainda há pouco assisti no noticiário a informação de que a
Lagoa de Parnaguá está vazia, com solo esturricado e alguns poucos arbustos
onde outrora havia água. De que o rio Paraim, que a alimenta, está
completamente seco e com uma barreira de areia separando-o de onde em outros
tempos foi a lendária lagoa. Infelizmente, vi apenas o final da reportagem, mas
o suficiente para perceber a gravidade da situação e compreender que estão
morrendo os mananciais do Piauí. Já havia percebido isto com relação ao Gurgueia,
que é alimentado pela referida lagoa, chegando a escrever a respeito. O mesmo
ocorre com os demais cursos d’água. Não é diferente a situação do rio Canindé,
de que também posso dar testemunho, assim como do Piauí, do Poti, do Longá e de
todos os outros afluentes do Parnaíba. Na reportagem, dizia uma pessoa ligada à
administração pública municipal de que esperava duas máquinas a serem enviadas
pelo governo estadual para desobstruir o canal no leito do Paraim e, assim,
abrir a possibilidade de que com o inverno que há de vir, assim esperamos, as
águas do rio possam voltar a alimentar a outrora bela lagoa. Isto porque, ao
que percebi hoje sem esse trabalho ainda que volte a chover não teria como
aquele rio retomar seu antigo curso e voltar a alimentar a lagoa. Percebem a
gravidade disso? Não mais existem rio nem lagoa. Ainda assim, o leito do rio
não chega mais à bacia da lagoa, encontrando-se separados por uma extensa
barreira de areia. Gostaria que alguém dissesse que estou equivocado, que
entendi errado.
Existiu um tempo em que os ribeirinhos do Baixo-Gurgueia, aí
pelos municípios de Jerumenha, Bertolínia até Bom Jesus do Gurgueia(em mau hora
reduzido o nome apenas para Bom Jesus) tinham verdadeiro pavor dessa lagoa
sangrar. Em anos de inverno rigoroso, quando o Gurgueia extrapolava o seu canal
habitual cobrindo imensas áreas e destruindo plantações, dizia-se “o rio comeu
o legume”. Então, começavam as especulações sobre a referida lagoa. Quem
quisesse alarmar a região dissesse: “A lagoa de Parnaguá vai sangrar”. É que
esta funcionava como uma imensa reserva no altiplano da cordilheira serrana que
divide o Piauí da Bahia. Uma elevada e imensa reserva d’água que derramava
sobre o Gurgueia, alimentando as grandes enchentes.
E o que será de Miridan? Diz a lenda que a bela jovem foi
tragada pelas imensas águas da lagoa, onde passou a viver encantada. Hoje,
certamente morreu de sede ou fugiu com algum louco mancebo, pois não tem mais
água onde possa esconder-se dos curiosos, nem matar a sua sede. Triste Miridan,
que pensara ter passado o seu momento mais dramático. E agora se vê a agonizar,
desnuda e sedenta. Porém, mais triste de nós piauienses que assistimos inertes
à morte dessa bela lagoa e de todos os outros mananciais. Aliás, parece ter
morrido o nosso senso de preservação e nossa capacidade de reagir e de lutar. É
triste, é lamentável, mas já que não tem governo consciente, que não resta
alternativa, vamos ao menos lamentar, chorar e nesse vale de lágrimas tentar
salvar nossos mananciais. Que Parnaguá volte a brilhar, inundar e ressuscite a
bela princesa acoroá.
Mestre, o infatigável Reginaldo Miranda toca num ponto que deveria ser preocupação de outras pessoas, exatamente aqueles que são responsáveis por gerir o patrimônio deste triste Piauí. E quando digo patrimônio, refiro-me às riquezas em terra, solo e água que possuímos e que estão a escoar por entre os nossos dedos. Recuperar nossos principais mananciais talvez não esteja entre as prioridades dessa gente, que prefere gastar as economias públicas com outras coisas. Choremos nós, então, que temos os olhos rasos.
ResponderExcluirEm tempo: enquanto lia esta crônica, estava com o rádio ligado na CBN e ouvi a alentadora notícia de que choveu noite passada em Parnaguá cerca de 60mm. Que Miridan volte ao seu habitat natural.
Caro José Pedro,
ResponderExcluirConforme já tive oportunidade de dizer em vários trabalhos meus sobre o riacho Mocha, a Lagoa do Portinho e sobretudo sobre o Parnaíba e seus afluentes, os governos nada fazem em benefício desses rios e lagoa. Na verdade, apenas os prejudicam com suas obras, como esgotos, barragens, retiradas d'água (seja para irrigação ou consumo em larga escala), além de obras que desmatam suas nascentes e margens. Não fazem o mínimo, que seria pelo menos fiscalizar o desmatamento em suas margens e cabeceiras. Em síntese: praticamente não fazem nada, a não ser prejudicar os rios. Eventualmente, criam parques de preservação, mas não exercem a fiscalização neles, fazendo com que essas medidas legais se tornem quase inócuas, pois de nada adiantam as leis se elas não são cumpridas, nem executadas e fiscalizadas.