O céu está no chão
José Maria Vasconcelos
Cronista,
josemaria001@hotmail.com
Sentado na poltrona do avião que decolava, eu me grudava à janelinha,
friozinho de medo na barriga. Contemplava Teresina, cheia de sol e de adeus.
Rios Poti e Parnaíba, pontes Estaiada, Wall Ferraz, os carros cruzando
avenidas, altos edifícios, tudo se reduzindo a miniaturas. A sensação de deixar
minha gente para trás, voar às esferas celestes, sobre nuvens, o espírito
libertando-se deste mundo, em fôlego de oração.
As alturas têm dessas coisas: a
gente se desliga do lado debaixo e extasia-se no transcendental. Profetas,
monges e eremitas de todas as crenças refugiavam-se no alto das montanhas, para
se encontrar na presença divina. Se vivessem na era do avião, certamente o
vislumbraria nas brumas e nuvens.
A Bíblia relata que o profeta
Elias entrou na presença de Deus, meio à brisa do Monte Carmelo, 1.400 metros
de altura, e. tempos depois, foi arrebatado aos céus, numa carruagem de cavalos
alados e incandescentes. Moisés recebeu os dez mandamentos, no Monte Horeb
(Sinai), 2.300 metros, e desceu translúcido. Jesus resplandeceu no Monte Tabor,
600 metros, e dialogou com os profetas Moisés e Elias, que viveram centenas de
anos antes. Seus discípulos, Pedro, Tiago e João, encantados com a sublime
transfiguração, não queriam mais descer o Tabor e voltar à realidade, aqui
embaixo. Astronautas contam histórias fantásticas experimentadas no espaço.
Padre Tony Batista, na reflexão
sobre a transfiguração de Jesus, adverte fiéis para não se prenderem,
demasiadamente, ao mundo contemplativo das alturas, como os três apóstolos do
Tabor, negligenciando suas obrigações aqui no mundo. É que o céu também está
aqui e carece da nossa participação na construção da sociedade. “O reino dos
céus está dentro de vós”, maravilhosa frase de Cristo.
Três dias depois, retornava de
Fortaleza. Daí a alguns minutos, a voz do comandante:“Preparem-se para
aterrissagem... Apertem o cinto... Permaneçam em posição vertical... Teresina,
bela tarde de sol...”
Teresina mais próxima de mim, sem
miniaturas e distâncias, convidando-me para mais uma jornada de trabalho. Até
que, um dia, outro avião, definitivo, me leve para espaços infinitos, e não
mais voltar. Por enquanto, contento-me com a minha gente, minha cidade,
abraçados, cantando a belíssima canção e letra, DOIS RIOS, de Nando, da banda
Shank: O céu está no chão/O céu não cai do alto.../ O céu que toca o chão/ E o
céu que vai ao alto/ Dois lados deram as mãos/ Como eu fiz também/ Só pra poder
conhecer/O que a voz da vida vem dizer/Que os braços sentem/ E os olhos veem/
Que os lábios sejam/ Dois rios inteiros/ Sem direção.../E o meu lugar é este/
Ao lado seu, no corpo inteiro/ Dou o meu lugar/Pois o seu lugar/ É o meu amor
primeiro/O dia e a noite, as quatro estações.
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