AQUARELAS OEIRENSES
Elmar Carvalho
Conheci Antonio Reinaldo Soares
Filho, o Soarinho, em 1994, quando ele se preparava para editar seu livro
Oeiras – Geografia Urbana. Trocamos ideias, sendo que algumas de minhas
sugestões foram por ele aceitas. Desde 1988 a 1990, quando fui o presidente da
União Brasileira de Escritores do Piauí – UBE/PI, eu já havia iniciado um processo
de aproximação afetiva e cultural com Oeiras, inclusive tendo ali realizado um
Encontro de Escritores, no qual prestei homenagem ao notável romancista O. G.
Rêgo de Carvalho.
Por essa época e um pouco depois
passei a conhecer vários intelectuais oeirenses, entre os quais cito: Balduíno
Barbosa de Deus, meu professor na UFPI, Paulo Gutemberg, meu colega no curso de
Direito, Pedro Ferrer Freitas, Dagoberto Carvalho Jr., Expedito Rêgo, Carlos
Rubem, Possidônio Queiroz, Rogério Newton, Gutemberg Rocha, João José Ferraz e
os já referidos Reinaldo e O. G. Depois, em diferentes ocasiões, vim a conhecer
outros amigos da velhacap.
Antonio Reinaldo já havia escrito o
importante livro Oeiras Municipal, em que demonstrou ter muita paciência, em
virtude da laboriosa pesquisa que teve de empreender. A obra abarca um corte
cronológico que vai de 1810 a 1992. Trouxe novas e mais aprofundadas
informações sobre a história da terra mater. Além de suas qualidades
intrínsecas e de conteúdo, é de grande interesse para os historiadores, em
razão dos documentos que cita e/ou transcreve.
Em Oeiras – Geografia Urbana se
reporta aos bairros, praças, logradouros, ruas e becos da velha capital. Traça
rápida biografia da figura histórica homenageada. Quando a rua tem alguma
peculiaridade digna de nota, descreve a sua topografia e geologia. Não tendo o
logradouro nome de pessoa, assinala os fundamentos de sua denominação.
Em muitos verbetes, indica o nome
antigo da rua, muitos deles poéticos, interessantes ou históricos. Essa obra é
tanto mais importante porque, segundo tenho observado, muitos moradores sequer
sabem o nome da rua em que moram, quanto mais terem conhecimento de sua
história e da biografia do epônimo. E discrimina a localização, direção,
extensão e limites dos logradouros e ruas.
Sou tentado a dizer que Aquarelas de
um Tempo é um misto de artigos, crônicas e ensaios de história social,
sobretudo referentes ao período que vai da meninice do autor até o início de
sua juventude, passando, claro, pela sempre emotiva, sentimental e fugaz
adolescência. Ao sabor de suas lembranças, anotações e pesquisas, Antonio
Reinaldo, como um cicerone poderoso e mágico, nos faz viajar no tempo e no
espaço de sua querida Oeiras, e como que nos faz vivenciar as emoções dos
saudosos tempos e lugares que relembra, com riqueza de detalhes por vezes
pitorescos.
O livro é de capital importância para
a história imediata e recente de seu torrão, bem como para a historiografia de
seu cotidiano, porquanto, no período que vai do final dos anos 1950 a meados
dos 70, relata os costumes sacros e profanos, entre os quais os eventos
religiosos da Fugida, da Procissão dos Passos, a beleza luminosa do Fogaréu, a
Missa de Ramos. Muitas das cerimônias sacras são verdadeiras encenações, quase
uma espécie de teatro a céu aberto, em que todos são atores e plateia ao mesmo
tempo. O episódio da Verônica, no qual um canto magoado nos comove, nos faz
lembrar uma espécie de ópera popular.
As Aquarelas do Reinaldo trazem ao
procênio de nossa imaginação velhos boêmios, esquecidos poetas e as
inesquecíveis serestas e tertúlias, que tanto encantamento provocavam nos
jovens de outrora. Figuras populares são trazidas ao nosso convívio. Os antigos
carnavais, com seus adereços quase artesanais e suas alegres ou melancólicas
marchas, mas sempre encantadoras, são lembrados. E são referidos os locais onde
eles aconteciam: Oeiras Clube, União Artística, Círculo Operário, Furna da Onça
e cabaré do Cícero Cego.
Na solenidade de lançamento, recordei
que ao passar pela Furna da Onça, de tão pitoresco e imaginativo nome,
alimentei o desejo de tomar uma talagada de calibrina, com um tira-gosto de
umbu, e com direito a uma cuspidela ao pé do balcão. Por motivos que não vêm ao
caso, nunca pude realizar esse modesto “sonho de consumo”, até porque a Furna
já não existe e a onça foi embora para desconhecida paragem ou dimensão.
Ao tratar das sociabilidades,
diversões, lazer, costumes e ocupações de Oeiras, no período enfocado,
Aquarelas de um Tempo narra a história do Ginásio Municipal de Oeiras, do
Oeiras Clube, e relata os banhos nos poços do velho Mocha, então perene, de
nomes tão sugestivos e poéticos. Aliás, ao falar nesses poços, lembro que o
médico Paulo de Tarso Ribeiro Gonçalves Filho, que também os descreveu,
pediu-me para falar sobre a degradação do Mocha, tendo eu escrito uma crônica
que se encontra publicada na internet. Menciona os antigos moradores de ruas e
bairros da velha urbe. Cita os grandes craques futebolísticos da época, entre
os quais o des. Raimundo Eufrásio e o jurista Moisés Reis, e meus colegas da
ingrata posição de goleiro Oscar Barros e Chico Castanhola.
Nessas páginas, prenhes de emoção e lembranças,
o autor, como um demiurgo, materializa a velha Oeiras, fazendo-nos viajar no
tempo e no espaço; no tempo de sua juventude e no espaço oeirense de sua
saudade. Não pude deixar de recordar os versos do poeta Luís Guimarães Jr.: “–
Uma ilusão gemia em cada canto, / Chorava em cada canto uma saudade...” E
encerro estas breves considerações com as palavras do próprio autor: “A saudade
fez estas páginas.”
Nenhum comentário:
Postar um comentário