segunda-feira, 18 de abril de 2016

O primeiro magistrado de Bom Jesus do Gurgueia

Prédio do TJPI

O primeiro magistrado de Bom Jesus do Gurgueia

Licínio Barbosa (*)

Lembro-me de vê-lo, aos 6 anos de idade, ainda na fase de alfabetização, entrando na igreja do Bom Jesus, participando das novenas, interagindo com os bonjesuenses de todas as categorias, magro, alto, comunicativo , acessível a todos, – velhos, jovens e crianças, sempre sorridente. Essa acessibilidade deu-me coragem de ir até ele e fazer-lhe uma indagação:

– Doutor, para chegar a ser juiz de Direito o senhor começou do ABC?

– O magistrado parou, olhou-me cheio de curiosidade, e retruco – Sim, Licínio. Por quê?

– Porque eu também quero ser doutor, mas estou achando muito difícil – justifiquei.

Casado com Dona Othília Cardoso de Vasconcelos Lopes, teve, desse feliz consórcio, os filhos Maria Cristina, (que povoou o meu imaginário infantil), Maria Celina, Maria José, Benito, Zélia, Zita, Miriam, Zenaide, José (Zezito), Anete, Luiz (Luzito) e Honorina. Dessa nominata de 12 filhos, algumas ilações: ex-aluno de Seminário, deu às filhas 4 nomes de Maria (uma das quais Miriam), um com o nome de José (marido de Maria), e um filho de nome Benito, em homenagem ao seu ícone político, Benito Mussolini, à época em ascensão, na Itália.

O mítico magistrado de Bom Jesus nasceu a 15 de janeiro de 1905, no povoado de Ipiranga, mais tarde elevado à condição de município autônimo, côo cidade, e era filho de Pedro Paulo de Oliveira Lopes e de Dona Ana de Holanda Lopes.

Após o Curso de Humanidades nos Seminários de Santo Antônio (de São Luis, Maranhão), e Sagrado Coração de Jesus (Teresina-PI), ingressou, já casado, na Faculdade de Direito, onde concluiria o Curso Jurídico, em 1936, colando grau na primeira turma da Faculdade de Direito. Decidiu, então, seguir a carreira da magistratura, sendo nomeado Juiz Substituto do Termo Judiciário de São Pedro do Piauí, no ano de 1936. Quatro anos mais tarde, 1940, foi promovido a Juiz de Direito tendo o Termo sido elevado à categoria de Comarca, ano em que foi designado para a Comarca de Bom Jesus do Gurgueia, Comarca de 2ª Entrância, donde retornaria à Comarca de São Pedro, então elevada a Comarca de 2.a Entrância, no ano de 1950.

No ano de 1954, foi promovido à categoria de Juiz de Direito de 3ª Entrância com jurisdição sobre a Comarca de Amarante/PI, cidade à margem direita do Rio Parnaíba, cantado em famosos versos por Da Cosa e Silva, o mais famoso poeta do Piauí.

Após um ano de judicatura, em Amarante, foi removido, a pedido, para a Comarca de Oeiras, a bicentenária ex-Capital do Piauí, onde permaneceu de 1955 a 1962, quando foi promovido para a Comarca de Parnaíba, de 4ª Entrância, famosa Cidade do Delta, e, também, na prosa memorialista de Humberto de Campos, notadamente por seu legendário Cajueiro, sem dúvida a página mais brilhante das memórias do grande poeta de Miritiba/MA.

Convocado pelo magistério, lecionou Geografia, Latim e Língua Portuguesa no Seminário Sagrado Coração de Jesus, de Teresina, a Capital do Conselheiro Saraiva, seu fundador, no ano de 1852. Foi, também, professor da Escola Normal Oficial de Oeiras/PI, onde lecionou Língua Portuguesa de 1960 a 1962. Apaixonado pelo magistério, também Economia Política, Direito Usual e Prática Jurídica na Escola Técnica de Comércio, e História da Educação em Parnaíba.

Na capital Teresina, dedicou-se ao Jornalismo, onde manteve a coluna diária “Em Prosa e Verso” no jornal “O Dia”. Também manteve o programa radiofônico “Alma e Coração” na “Rádio Difusora”, onde difundia sua produção poética.

Foi, também, membro do Conselho Estadual de Educação, nele ocupando o cargo de Vice-presidente.

No ano de 1971, foi eleito para a Cadeira 25 da “Academia Piauiense de Letras”, onde tomou posse no dia 15 de janeiro de 1972.

Na sua passagem pela Comarca de Bom Jesus, onde o conheci, deixou uma auréola de simpatia, e companheirismo, mantendo informal relacionamento com toda a comunidade. Era o período da Segunda Grande Guerra, ocasião em que o único contato com o mundo externo era o “Repórter Esso”, transmitido de hora em hora. Como ainda não havia o transistor, o rádio era alimentado por enorme bateria carregada por dois negrões, que se alternavam na roda de bolandeira, de transformar a mandioca em farinha. Somente o Juiz tinha rádio, na cidade. Assim, os mais próximos se reuniam, à noitinha, em sua residência, diante da Praça do Mercado, sob a folhagem farfalhante das oiticicas frondosas, para ouvir, religiosamente, entre 7 e 8 horas da noite, a indefectível “Voz do Brasil”, criada na “Ditadura Vargas”.

Passaram-se os anos, e, circunstancialmente, mantive contato epistolar com o saudoso Acadêmico A. Tito Filho, ex-presidente da Academia Piauiense de Letras que, a meu pedido, providenciou fotocópia integral de “Vozes da Terra”, livro de poemas de Luiz Lopes Sobrinho, única obra que legou à posteridade.

Trata-se de obra de poesia, 170 páginas, apresentação do presidente A.Tito Filho, e notícia biográfica do autor, confrade de Tito Filho.

Os mais de 100 poemas são bem metrificados, todos rimados, com destaque para o poema que dá nome à obra, em homenagem a Dom Edilberto Dinkelborg, Bispo da bicentenária Oeiras, primeira Capital do Piauí.

Alguns desses poemas são circunstanciais, tais como, além do principal, os poemas “A farda”, “A toga saúda a farda”, “Saudação”, “Um bilhete”, “Saudação aos advogados”, “Ao cônego Cardoso”, “Parabéns, Monsenhor”, “Debutante”, “Neoprofessoras”, “Presente de aniversário” I e II, “Petição ao governador”, “Salve, Parnaiba”, “Hino a monsenhor Roberto”, “Acróstico” I e II, “O tesouro do Banco Nacional do Norte”.

O poema que dá nome à obra, composto de 50 estrofes em decassílabos, ao estilo de “Os Lusíadas”, bem poderia compor uma obra autônoma, pela sua estrutura, e feição singular.

De qualquer forma, Luiz Lopes Sobrinho é um bom poeta que figura, sem rubor, ao lado dos grandes poetas do Piauí, tendo como corifeu o inigualável Da Costa e Silva.

(*) Licínio Barbosa, advogado criminalista, professor emérito da UFG, professor titular da PUC-Goiás, membro titular do IAB-Instituto dos Advogados Brasileiros-Rio/RJ, e do IHGG-Instituto Histórico e Geográfico de Goiás, membro efetivo da Academia Goiana de Letras, Cadeira 35 – E-mail liciniobarbosa@uol.com.br     

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