Prédio do TJPI |
O primeiro magistrado de Bom
Jesus do Gurgueia
Licínio Barbosa (*)
Lembro-me de vê-lo, aos 6 anos de
idade, ainda na fase de alfabetização, entrando na igreja do Bom Jesus,
participando das novenas, interagindo com os bonjesuenses de todas as
categorias, magro, alto, comunicativo , acessível a todos, – velhos, jovens e
crianças, sempre sorridente. Essa acessibilidade deu-me coragem de ir até ele e
fazer-lhe uma indagação:
– Doutor, para chegar a ser juiz
de Direito o senhor começou do ABC?
– O magistrado parou, olhou-me
cheio de curiosidade, e retruco – Sim, Licínio. Por quê?
– Porque eu também quero ser
doutor, mas estou achando muito difícil – justifiquei.
Casado com Dona Othília Cardoso
de Vasconcelos Lopes, teve, desse feliz consórcio, os filhos Maria Cristina,
(que povoou o meu imaginário infantil), Maria Celina, Maria José, Benito,
Zélia, Zita, Miriam, Zenaide, José (Zezito), Anete, Luiz (Luzito) e Honorina.
Dessa nominata de 12 filhos, algumas ilações: ex-aluno de Seminário, deu às
filhas 4 nomes de Maria (uma das quais Miriam), um com o nome de José (marido
de Maria), e um filho de nome Benito, em homenagem ao seu ícone político,
Benito Mussolini, à época em ascensão, na Itália.
O mítico magistrado de Bom Jesus
nasceu a 15 de janeiro de 1905, no povoado de Ipiranga, mais tarde elevado à
condição de município autônimo, côo cidade, e era filho de Pedro Paulo de
Oliveira Lopes e de Dona Ana de Holanda Lopes.
Após o Curso de Humanidades nos
Seminários de Santo Antônio (de São Luis, Maranhão), e Sagrado Coração de Jesus
(Teresina-PI), ingressou, já casado, na Faculdade de Direito, onde concluiria o
Curso Jurídico, em 1936, colando grau na primeira turma da Faculdade de
Direito. Decidiu, então, seguir a carreira da magistratura, sendo nomeado Juiz
Substituto do Termo Judiciário de São Pedro do Piauí, no ano de 1936. Quatro
anos mais tarde, 1940, foi promovido a Juiz de Direito tendo o Termo sido
elevado à categoria de Comarca, ano em que foi designado para a Comarca de Bom
Jesus do Gurgueia, Comarca de 2ª Entrância, donde retornaria à Comarca de São
Pedro, então elevada a Comarca de 2.a Entrância, no ano de 1950.
No ano de 1954, foi promovido à
categoria de Juiz de Direito de 3ª Entrância com jurisdição sobre a Comarca de
Amarante/PI, cidade à margem direita do Rio Parnaíba, cantado em famosos versos
por Da Cosa e Silva, o mais famoso poeta do Piauí.
Após um ano de judicatura, em
Amarante, foi removido, a pedido, para a Comarca de Oeiras, a bicentenária
ex-Capital do Piauí, onde permaneceu de 1955 a 1962, quando foi promovido para
a Comarca de Parnaíba, de 4ª Entrância, famosa Cidade do Delta, e, também, na
prosa memorialista de Humberto de Campos, notadamente por seu legendário
Cajueiro, sem dúvida a página mais brilhante das memórias do grande poeta de
Miritiba/MA.
Convocado pelo magistério,
lecionou Geografia, Latim e Língua Portuguesa no Seminário Sagrado Coração de
Jesus, de Teresina, a Capital do Conselheiro Saraiva, seu fundador, no ano de
1852. Foi, também, professor da Escola Normal Oficial de Oeiras/PI, onde lecionou
Língua Portuguesa de 1960 a 1962. Apaixonado pelo magistério, também Economia
Política, Direito Usual e Prática Jurídica na Escola Técnica de Comércio, e
História da Educação em Parnaíba.
Na capital Teresina, dedicou-se
ao Jornalismo, onde manteve a coluna diária “Em Prosa e Verso” no jornal “O
Dia”. Também manteve o programa radiofônico “Alma e Coração” na “Rádio
Difusora”, onde difundia sua produção poética.
Foi, também, membro do Conselho
Estadual de Educação, nele ocupando o cargo de Vice-presidente.
No ano de 1971, foi eleito para a
Cadeira 25 da “Academia Piauiense de Letras”, onde tomou posse no dia 15 de
janeiro de 1972.
Na sua passagem pela Comarca de
Bom Jesus, onde o conheci, deixou uma auréola de simpatia, e companheirismo,
mantendo informal relacionamento com toda a comunidade. Era o período da
Segunda Grande Guerra, ocasião em que o único contato com o mundo externo era o
“Repórter Esso”, transmitido de hora em hora. Como ainda não havia o
transistor, o rádio era alimentado por enorme bateria carregada por dois
negrões, que se alternavam na roda de bolandeira, de transformar a mandioca em
farinha. Somente o Juiz tinha rádio, na cidade. Assim, os mais próximos se
reuniam, à noitinha, em sua residência, diante da Praça do Mercado, sob a
folhagem farfalhante das oiticicas frondosas, para ouvir, religiosamente, entre
7 e 8 horas da noite, a indefectível “Voz do Brasil”, criada na “Ditadura
Vargas”.
Passaram-se os anos, e, circunstancialmente,
mantive contato epistolar com o saudoso Acadêmico A. Tito Filho, ex-presidente
da Academia Piauiense de Letras que, a meu pedido, providenciou fotocópia
integral de “Vozes da Terra”, livro de poemas de Luiz Lopes Sobrinho, única
obra que legou à posteridade.
Trata-se de obra de poesia, 170
páginas, apresentação do presidente A.Tito Filho, e notícia biográfica do
autor, confrade de Tito Filho.
Os mais de 100 poemas são bem
metrificados, todos rimados, com destaque para o poema que dá nome à obra, em
homenagem a Dom Edilberto Dinkelborg, Bispo da bicentenária Oeiras, primeira
Capital do Piauí.
Alguns desses poemas são
circunstanciais, tais como, além do principal, os poemas “A farda”, “A toga
saúda a farda”, “Saudação”, “Um bilhete”, “Saudação aos advogados”, “Ao cônego
Cardoso”, “Parabéns, Monsenhor”, “Debutante”, “Neoprofessoras”, “Presente de
aniversário” I e II, “Petição ao governador”, “Salve, Parnaiba”, “Hino a
monsenhor Roberto”, “Acróstico” I e II, “O tesouro do Banco Nacional do Norte”.
O poema que dá nome à obra,
composto de 50 estrofes em decassílabos, ao estilo de “Os Lusíadas”, bem
poderia compor uma obra autônoma, pela sua estrutura, e feição singular.
De qualquer forma, Luiz Lopes
Sobrinho é um bom poeta que figura, sem rubor, ao lado dos grandes poetas do
Piauí, tendo como corifeu o inigualável Da Costa e Silva.
(*) Licínio Barbosa, advogado
criminalista, professor emérito da UFG, professor titular da PUC-Goiás, membro
titular do IAB-Instituto dos Advogados Brasileiros-Rio/RJ, e do IHGG-Instituto
Histórico e Geográfico de Goiás, membro efetivo da Academia Goiana de Letras,
Cadeira 35 – E-mail liciniobarbosa@uol.com.br
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