Foto meramente ilustrativa |
HISTÓRIAS
DE ÉVORA
Este romance será publicado neste sítio
internético de forma seriada (semanalmente), à medida que os capítulos forem
sendo escritos.
Capítulo XVI
Gracinha
Elmar Carvalho
Após a partida de Madalena, Marcos
mergulhou em profunda tristeza, que tentava disfarçar o mais que podia. Não
chegava a ser uma depressão, mesmo porque na época não se ouvia falar nessa
palavra, a não ser no sentido de profundidade física. Refugiou-se em suas
leituras literárias e nos estudos colegiais. Quando perguntado por sua mãe ou
por algum amigo mais chegado sobre porque estava um tanto circunspecto,
respondia com evasivas ou alegava preocupações com as provas, que já se
avizinhavam.
Por outra parte, tornou-se mais
assíduo na prática do futebol, para com essa atividade física fugir da saudade
que lhe remoía o espírito. Foi nessa época que, tanto por idealismo como para
fugir de sua melancolia, reuniu Mário Cunha, Fabrício Moreira, Cazuza e outros
amigos para criarem um jornal alternativo, mimeografado, cujo nome seria O
Liberal. Seria informativo, opinativo e teria um espaço literário, para
publicação de crônicas, contos, poemas e artigos. Nele Mário Cunha e outros
artistas poderiam divulgar seus desenhos e caricaturas, com a utilização de
estêncil adequado.
Não seria vinculado a nenhum partido
ou grupo político. Contudo, buscariam algum recurso financeiro através da
propaganda de algumas firmas comerciais ou mesmo de alguma pessoa física
simpatizante dessa iniciativa. Seria impresso no mimeógrafo da escola da mãe de
Fabrício, que terminaria por arcar com a maioria das despesas.
Todavia esse apoio deveria ser
mantido em sigilo, para não prejudicar o seu pai em eventuais transações mercantis,
mormente com o poder público. Seria publicado mensalmente, e faria críticas às
três esferas de governo – federal, estadual e municipal – bem como aos três
Poderes, mas sempre apontando soluções e sugestões. Teria até coluna social,
para atrair os leitores mais ligados em fofocas e na vida alheia.
Foi nessa época que Marcos soube que
havia sido instalado um cabaré a três quarteirões de sua casa, numa antiga
chácara, denominada Montevidéu, que pertencera a um ricaço da cidade. O casarão
ficava no meio de um grande terreno, de aproximadamente 120 por 150 metros.
Alguns rapazes da vizinhança já estiveram lá algumas vezes, à noite, por
simples curiosidade, ou para tomarem três a cinco garrafas de cerveja, que a
magra mesada lhes permitia.
Ficou sabendo que a velha e
desativada chácara fora alugada por Gracinha, que ali instalara o seu
prostíbulo. Apenas ela, a mãe e um irmão residiam na casa. Entretanto, a partir
das sete horas da noite várias raparigas novas ali faziam ponto, algumas de
domingo a domingo. Segundo os boatos, Gracinha, ainda bem nova, tivera um
namoro muito apimentado com um rapaz da sociedade eborense, filho de um
fazendeiro abastado.
Notando sua mãe que Gracinha, mais
cedo ou mais tarde, provavelmente mais cedo, terminaria por “dar com os burros
n’água”, tratou logo de “vender” a sua virgindade em flor a um alto
comerciante, frequentador assíduo dos principais cabarés eborenses. Para isso
utilizou os serviços e a lábia de Pachola, seu filho, boêmio e um tanto
malandro, que gostava da boa vida e de serviços maneiros, conquanto não
descambasse para o furto, mas apenas para a “esperteza” e os expedientes de
praxe do famigerado “jeitinho brasileiro”.
A velha, de nome Lurdinha, tinha
notável experiência nessa seara. Ao ficar viúva, ainda nova e com dois filhos,
e sendo assediada por vários comerciantes e altos funcionários da cidade, não
tardou a ceder seus encantos a esses pretendentes, em troca de uma boa
remuneração. Durante cerca de três anos foi “teúda e manteúda” de um rico
coronel da carnaúba, que lhe deu casa, comida e dinheiro, em troca de rigorosa
fidelidade.
A fidelidade, que jamais fora
rigorosa, logo foi quebrada, seja porque ela fosse fogosa, e o velho tivesse
pouco apetite, seja porque ela desejasse ainda alguma pecúnia a mais. O ricaço
a deixou e ela continuou a ter encontros com um e com outro, em sua própria
casa. Com o avançar da idade, esses encontros rendosos foram escasseando, de
modo que Lurdinha passou a fazer ponto num dos cabarés de Évora.
Quando até esse meio de vida se
tornou pouco rentável (como um artilheiro que passasse a reserva e depois a
massagista), passou a fazer serviços de lavar e engomar roupa para as colegas
do ramo, além de botar botequim de bebidas quentes e tira-gosto de tripa em
festas na periferia da cidade ou mesmo em povoados perto da urbe. Embora
contasse, vez ou outra, com a ajuda de Pachola e de Gracinha nesses labores,
começou a se sentir alquebrada e cansada desses serviços. Foi então que lhe
adveio a ideia de negociar a quebra da virgindade de Gracinha.
Tranquilizou a consciência ao admitir
que isso, sem dúvida, iria acontecer a qualquer momento, sobretudo quando
flagrou a filha em calientes amassos e pinos, com muitos beijos e esfregações
escandalosas, nos escondidos das esquinas e das praças, perto de canteiros ou
no encosto de uma árvore. E foi assim que Pachola, em conluio com a mãe,
contratou o defloramento de Gracinha.
Não foi difícil à mãe vencer a frágil
relutância da moça, convencendo-a de que a virgindade era apenas uma película
de nada, e que só era perdida uma única vez e para todo sempre. Ela, ansiosa em
conhecer novos prazeres, e tendo tido ao longo da vida o exemplo e o magistério
da mãe, e vendo nisso uma fácil e agradável maneira de auferir lucro, acabou
por aceitar de bom grado o que lhe era proposto.
E foi assim que a graciosa Gracinha
começou a navegar mares nunca dantes navegados; mas sempre desejados e
imaginados em sua ainda incipiente navegação de exígua cabotagem.
Meu caro Poeta,
ResponderExcluirMenos mal que suas férias acabaram, pois já estávamos ansiosos pelo retorno do nosso protagonista principal, tão dado às coisas mundanas, assim como às letras. E fez a sua rentrée do jeito que mais gosta. Bom retorno.
Um reparo: como o nosso blogueiro(não gosto muito do adjetivo, mas, enfim, é o que temos), e também me achava em período de viagem, saltei o XVI Capítulo, escondido em meio a tantas postagens do ativo coordenador deste espaço. Mas, o comentário ainda está de pé. Já vou me redimir, já, já!
ResponderExcluirConcluindo: Também ando apressado, mestre.E como o apressado come cru... Quis me referir ao que veio depois do XV capítulo, muita coisa que deixei de ler por está viajando. Mas, vou aproveitar o meu retorno a nossa Teresina em festa para me redimir e colocar todos os posts em dia.
ResponderExcluirSó posso dizer, caro Araújo, que fico muito feliz em ter um leitor de seu altíssimo quilate, atento, observador e sempre percuciente e pertinente.
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