Passeio
sentimental no tempo e no espaço
Elmar
Carvalho
No dia 23,
em companhia de Fátima, por volta de oito e meia da manhã, cheguei ao hotel
onde estavam hospedados Cunha e Silva Filho e sua mulher Elza, para levá-los a
Amarante, a terra azul e encantada do poeta Da Costa e Silva, e de Cunha, seu
grande admirador e analista literário. E também minha terra, já que lhe
dediquei poema e crônicas, e já que tenho a honra de haver recebido o título de
Cidadão Honorário desse belo e bucólico torrão.
Aliás, na
noite memorável em que recebi esse galardão, lancei o livro Amar Amarante,
prefaciado por Marcelino Leal Barroso de Carvalho, que fora meu professor na
Universidade Federal do Piauí, no curso de Direito. O livro continha o poema
Amarante e as crônicas a que me referi, além de desvanecedor depoimento de
Virgílio Queiroz. O auditório estava lotado, com irmãos maçons, vereadores,
convidados, parentes e amigos.
Além do professor Marcelino, estavam
presentes o prefeito Luís Neto, o vereador Inácio Pinto de Moura, autor da
proposta de concessão do título, Virgílio Queiroz, que é poeta com nome de
poeta antigo, Homero Castelo Branco, escritor e romancista, mas que também tem
nome de poeta homérico e antigo, e que fez uma bela apresentação de Amar
Amarante, cuja capa contém uma linda fotografia de Ana Cândida Nunes Carvalho,
filha de mestre Marcelino. Virgílio e Marcelino, velhos amigos, disseram belas
palavras, que me comoveram. O primeiro rememorou minhas antigas ligações com
Amarante; o segundo se referiu a minhas lutas, sobretudo as de fiscal da
extinta SUNAB e as de magistrado, bem como as ligadas à cultura e ao curso de
Direito.
Desculpem-me a digressão temporal, e
voltemos ao tempo presente. Fiz uma parada estratégica na Lanchonete Sales,
situada na BR, na saída de Água Branca, que conheço desde que fui juiz em São
Pedro, por um período de quatro meses. Mas depois, por muitos anos, quando fui
titular da Comarca de Regeneração e do Juizado Especial de Oeiras, nela lanchei
várias vezes.
Perguntei ao Sales se Água Branca
possuía biblioteca pública. Ante sua resposta afirmativa, pedi-lhe o favor de
entregar ao seu responsável a terceira edição de meu livro Rosa dos Ventos
Gerais, inserido na Coleção Centenário da Academia Piauiense de Letras pelo seu
dinâmico presidente Nelson Nery Costa. Recomendei-lhe que só fizesse a entrega
após sua leitura. Ele sorriu e me disse que já tinha essa intenção, que para
mim valeu mais do que um elogio. Despedi-me dele, que sempre me demonstrou
apreço e consideração.
Já havia prevenido o bravo Cunha e
Silva Filho que faria breve entrada na cidade de Regeneração, onde trabalhei
por mais de seis anos e da qual recebi o título de Cidadão Honorário, por
iniciativa do vereador Neto Leal. Como já cheguei tarde não fiz as visitas que
pretendia fazer. Assim, mantive contato apenas com a empresária, escritora e
agitadora cultural Nileide Soares, que me recebeu com a sua lhaneza de sempre e
o seu contagiante entusiasmo.
Após minha promoção para a Comarca de
Oeiras, a Nileide me prestou grande tributo. Fui o poeta homenageado de uma das
edições do sarau lítero-musical que ela realiza mensalmente. Foram recitados
vários poemas de minha autoria. O Reginaldo Miranda, meu confrade na APL, a
Nileide e vários advogados e intelectuais pronunciaram expressivas e bondosas palavras,
que me comoveram e fizeram chorar meu pai.
Disse ao causídico Nei Nunes Leitão,
brincando, que ele havia se excedido nos elogios a minha humilde pessoa, mas
ele, com o seu jeito bem-humorado e enfático, me retrucou de forma peremptória
e contundente: “Eu disse foi pouco, doutor Elmar; eu deveria ter dito mais, o
senhor merece muito mais”. Debitei isso ao fato de ele ser muito jovem, e me
ter sincera consideração e apreço. No meu íntimo pensei: não mereço, mas
agradeço.
A Nileide Soares nos brindou com
deliciosa cajuína. Novamente revi seu pátio e caramanchão. Mais uma vez lhe
disse que eles eram propícios para uma luarada, para uma noite plena de plenilúnio,
em que seriam entoados poemas e baladas. Perguntei-lhe, como sempre o faço: E
aí, tia Nil, tudo anil, tudo a mil? Para continuar a rima, direi apenas que ela
sorriu e assentiu.
Deixei para ela e para o poeta e
escritor José Teixeira exemplares de meus livros Retrato de meu pai e Rosa dos
ventos gerais. O Teixeira, que também é ator, irá interpretar, como um monólogo,
no lançamento de Rosa dos ventos gerais, no próximo dia oito, na APL, alguns
poemas de minha autoria. Na saída, em feliz coincidência, encontrei o advogado
Luzmanell Teixeira Absolon, com quem mantive respeitosa e amigável convivência
profissional no foro regenerense.
Por fim, chegamos a Amarante, quando
já passava do meio dia. Não falarei do almoço, que foi apenas uma circunstância
necessária. O Cunha e Silva Filho pôde rever sua linda e bucólica cidade natal.
Fomos ver o Velho Monge, que se mantinha plácido e belo como sempre. Revi as
faveiras e outras árvores frondosas de seus jardins e passeios.
Revi, ao longe, as suas serras encantadoras
e encantadas, a igreja de São Francisco, do outro lado do Parnaíba. Pudemos nos
deslumbrar com os seus vetustos casarões solarengos. Visitamos o Museu Odilon
Nunes, onde a memória do saudoso escritor e jornalista Cunha e Silva é
reverenciada. Revi um quadro com o meu poema Amarante, que já começa a mostrar
as marcas das ruínas do tempo.
Não posso deixar de transcrever o que
já disse em outra crônica:
Numa tarde agradável de um tempo que não sei fixar no
calendário comum, mas apenas no do espírito, da emoção e da saudade,
encontrava-me com o poeta Virgílio Queiroz, no cais do Velho Monge, bebericando
umas pingas com água tônica, quando inesperadamente, como um sortilégio, veio
uma ventania que sacudiu as faveiras, debaixo das quais estávamos. As favas
secas começaram a emitir um som de chocalhos e de maracás. Foi como se aquele
som evocasse uma época muito antiga e ancestral, em que os índios perlustravam
aquelas terras, aquelas serras azuis encantadas e perlongavam o curso sinuoso
do Parnaíba.
Ainda hoje escuto a música encantatória dos maracás daquelas
faveiras e a dança requebrada do arvoredo. E ainda perpassa em minha pele o
afago daquele vento, que ninguém sabe de onde veio, que ninguém sabe para onde
foi...
Fomos ao morro, mirante natural, que
eu chamo de Morro da Saudade. Reverenciamos o poeta maior do Piauí, um dos
maiores do Brasil, o excelso bardo Antônio Francisco da Costa e Silva. Falando
para o tablet de Cunha e Silva Filho, que me filmava, proferi breve discurso.
Relembrei que em minha juventude, nos idos de 1988/1990, fiz campanha para que
os restos mortais do grande poeta viessem para a sua Amarante. Usei como
justificativa estes versos de sua autoria: “Terra para se amar com o grande
amor que eu tenho! / Terra onde tive o berço e de onde espero ainda / Sete
palmos de gleba e os dois braços de um lenho!”
Recentemente o poeta Virgílio Queiroz
retomou essa minha antiga ideia, com a minha colaboração. Planejamos que os
restos mortais do sublime vate seriam encerrados em belo monumento, verdadeira
obra de arte, que ficaria no entorno do Memorial Da Costa e Silva, a ser
construído. O prefeito Luís Neto entusiasmou-se com esse sonho, e prometeu que
o realizaria. Contudo, segundo Virgílio Queiroz, o filho do poeta, o também
poeta Alberto da Costa e Silva teria sido contra esse traslado.
O certo é que, do alto do Morro da
Saudade, a contemplar o busto do poeta Da Costa e Silva (esculpido por Winston,
irmão de Cunha), a rever as suas serras azuis, que ele magistralmente cantou, o
professor, escritor, memorialista e cronista Francisco da Cunha e Silva Filho,
que conheci no longínquo ano de 1990, por coincidência na sua Amarante, foi
tomado de vívida emoção, e não teve medo de enfrentar o sol que então nos
fustigava e resplandecia em toda a sua glória.
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