SR. CARLOS.
Teresina é angustiada. Toda cidade grande. E por ‘’cidade grande’’ tomo como parâmetros a diversidade comum dos tons de cabelo (do rosa ao azul), a presença do Uber e do McDonald’s, a massa que reclama da violência, os engarrafamentos e, sem dúvida, esse semblante angustiado das pessoas.
Um curioso teatro de ocupações: a testa franzida que o costume do sol lapidou; a atenção constante aos homens que passam uma segunda vez em suas motos e às curvas das esquinas; o que gesticula ao celular na fala rápida; a secura dos passos e a velocidade na calçada – como se houvesse um objetivo primordial a ser alcançado na existência e não houvesse mais tempo.
Tenho comigo a comodidade de um carro e seu ar-condicionado. Não se reproduz Adriana Calcanhoto na rádio sintonizada, mas ouço ‘’Esquadros’’ como um conveniente vestígio de memória. A letra da canção é uma tela do que passo. Sou o personagem que observa pela janela as cores avulsas da cidade e as pichações.
Faixa direita. O carro se articula dentre os tantos na av. Jockey Club. Visto o engarrafamento, vamos vagarosos em uma volta de rodas por vez. Surge a Faculdade Maurício de Nassau, uma moderna estrutura com vidraçarias azuladas. Do outro lado da avenida, uma simpática praça com árvores frondosas e uma banca de revistas. Nesta praça, ao lado da banca, há uma elevação de cimento, como um piso, acessível por dois ou três degraus. Alguns bancos de madeira com recosto e um cercado de pequenas e enfileiradas pilastras greco-romanas.
Em um dos bancos vejo um magro senhor trajado de funcionário público aposentado, branco, levemente calvo, esbelto e com o aspecto calmo de quem cansou, descansou e tem colhido frutos de uma doce solidão nas veredas últimas do tempo. Amenizava o ambiente de aflição que o cercava. Observava o movimento. O assisti com uma impressão peculiar de conforto; como se aquele senhor fosse eu mesmo depois de viver tanta vida, tanto sacrificar e tudo conquistar do que não me era sabido. Olhei-o com o afeto de um Narciso que vê seu reflexo futuro – sem mergulhar. Tínhamos olhos de poeta. Pareceu-me atento a algo que fugia. Uma atenção despretensiosa como a minha a ele pretendida. Seu aspecto e as pernas cruzadas lembraram-me a foto de Drummond em Copacabana. O nomeei Carlos.
– Sr. Carlos. – falei para mim mesmo com o sorriso de quem acha um tesouro de infância sem querer. Uma coisinha qualquer de delicadeza na poeira da gaveta abandonada.
Aquela visão demorou-se o ciclo de um semáforo, desses mais longos. Despedi-me de Sr. Carlos na fugacidade das rodas dos veículos. Fugi da avenida. Os aflitos permaneceram aflitos sem saber do poço de serenidade que não podiam ver.
Gustavo Rosal
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