Fontes das fotos: site da APAL |
Dona
Antonia do Acácio e Minha Formação
Pádua Marques
Jornalista e escritor
Logo no inicio dessa
semana que finda a morte andou dando um passeio muito próximo de nossa família.
Quando a gente chega numa certa idade já pouco causa surpresa a visita entre
nós dessa indesejada e traiçoeira, principalmente se aquela pessoa de nossa
estima ou proximidade de parentesco se encontre em leito e doente. Foi o caso
de dona Antonia.
Minha mãe a chamava Antonia do Acácio porque foi casada por
pouco tempo com seu primeiro irmão e com quem teve três filhos, hoje todos beirando
os setenta anos. Meu irmão mais velho, o Cariri e minha irmã Maria do Socorro
eram seus compadres, padrinhos de dois filhos dela com seu Zé Martins, seu
segundo marido e que lhe deu sete filhos.
Largada de meu tio, que
foi embora pro Rio de Janeiro e nunca mais deu notícias, naqueles anos após a
Segunda Guerra, com três filhos pequenos pra criar, se juntou com um homem que
tinha outra família, seu Zé Martins e com ele depois de alguns anos entrou de
Maranhão adentro, no São Paulo, região de Araioses, fronteira com a Barra do
Longá, Buriti dos Lopes, indo morar numas chamadas sobras de terra pertencentes
a um homem metido a rico da Parnaíba, o Tomás Neto.
Dona Antonia, mesmo tendo
motivos por ter sido abandonada por meu tio e com três filhos pequenos nunca
ficou diferente ou intrigada com minha mãe. Muito pelo contrário. Já vivendo no
São Paulo e com os filhos em idade de mandar pra escola vinha pedir ajuda à cunhadinha, pra que uma de suas filhas,
Rosalina, estudasse e morasse em nossa casa por algum tempo enquanto ela se
arrumava pra vir viver e botar os outros
na escola em Parnaíba. E sempre foi recebida em nossa casa com grande alegria.
Nas nossas férias da
escola primária, eu, Zezinho e Jesus íamos pro São Paulo passar alguns dias
naquele interior distante e tão pobre de um tudo, onde não havia qualquer sinal
de conforto. Mas foi numa dessas férias que aconteceu um dos fatos mais
engraçados comigo e que até hoje conto em casa.
Numa Semana Santa do
distante 1969 fui sozinho passar uns três dias na casa de dona Antonia e de seu
Zé no São Paulo. Conheceria pela primeira vez uma farinhada. Chegamos numa
sexta-feira ao cair da tarde e já no dia seguinte, sábado, seria a vez de
conhecer toda aquela arrumação na casa de seu Paulo Zebra.
A casa de taipa e coberta
de palha de carnaúba, pouco ou quase nenhum conforto da cidade, com todas
aquelas crianças, humildes, cerimoniosas com aquele menino de cidade grande,
foi pra mim motivo de muita admiração. Interessante é que não tinha portas!
Apenas armações feitas de talos grossos de uma palmeira, que à noite eram
colocadas na cozinha e na porta da frente. Dona Antonia e seu Zé tinham três
jumentos, os jipes pra qualquer tempo, hora e lugar.
Numa dessas noites, com
saudade de casa, demorei a pegar no sono. E como quase todo menino de meu
tempo, tinha medo de alma e chupava o dedo polegar. Lá pelas tantas senti que
alguma coisa muito grande estava muito perto de minha rede. Caí na besteira de,
mesmo no escuro, apurar a vista. E não é que erra um jumento?! Alguém de casa,
um dos meninos talvez, não teve o cuidado suficiente e deixou de colocar a dita
improvisação de porta no seu devido lugar. O animal procurando um abrigo entrou
e veio se acomodar justo perto de mim!
Mas dona Antonia gostava
de ler. Quando vinha resolver alguma coisa em Parnaíba pedia pra minhas irmãs
revistas de fotonovelas. Era pra quando desse uma folga no trabalho de casa
correr os olhos naquelas maravilhas da literatura depois de ouvir novelas num
rádio Semp. Menino curioso nascido na
cidade, já na escola e tirando boas notas, encontrei justo numa tarde do
domingo, véspera de minha volta pra casa entre objetos esquecidos, um livro que
me foi determinante até hoje, Minha
Formação, de Joaquim Nabuco.
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