Sucesso literário
Ao falar do escritor
escocês Walter Scott, e mais detidamente do flamengo Hendrock Conscience, Otto
Maria Carpeaux, num dos raros momentos de posição em sua História da literatura
ocidental, deixou entrever o seguinte juízo: “Não existe relação entre os
valores literários e os efeitos sociais: o sucesso não é prova de valor; a
mediocridade não exclui consequências benéficas” 1. Esse pensamento depõe
contra o senso comum que acredita o sucesso literário edificar um nome no
disputado mundo das letras.
Mais do que isso, a
fala de Carpeaux esconde algumas verdades que rondam as letras pelo menos desde
Voltaire, que num arroubo de autoafirmação costumava escrever nos jornais sobre
si e as suas próprias obras ou fazia com que os outros escrevessem, elogiando-o
(as), numa espécie de marketing pessoal que ainda perdura – hoje avolumado por
“campanhas” que se espalham em redes sociais motivadas por noviços escritores,
marqueteiros em sua essência.
Em “Conselho aos jovens
escritores”, Baudelaire infere que “o sucesso é, numa proporção aritmética ou
geométrica, a consequência da força do escritor, o resultado dos sucessos
anteriores, frequentemente invisíveis a olho nu” 2. Essa força e esses esforços
de que fala o grande nome da poesia francesa não se relacionam a campanhas em
nome próprio, mas ao brio estético com que o verdadeiro escritor se depara ao
longo da vida.
À dedicação diuturna
pela forma ideal, que o obriga muitas vezes a vencer as limitações receptivas
de um tempo, rompendo com as expectativas de um público afeito e viciado a
modelos pré-definidos; eis aqui o grande esforço: ser propositor ao invés de
reprodutor. Se esses sucessos são invisíveis a olho nu é porque nem sempre eles
virão em tempo hodierno, mas depois que, vencidas as limitações de leitura, uma
dada geração ser capaz de absorver o bem simbólico produzido.
Obra medíocre,
portanto, é aquela que se furta em exigir de outrem uma meditação ou, no
mínimo, uma leitura mais profunda, antes cumpre apenas o papel de apreensão
imediata, da ordem do dia, dando ao público exatamente as imagens superficiais
que ele se identifica – como o é a maior parte dos best-sellers, que não
excluem “consequências benéficas” aos seus criadores. Esse valor de mercado,
como indica Bourdieu, é inversamente proporcional ao valor literário, traduzido
por Flaubert como aquele que quanto mais consciência se põe no trabalho menos
proveito pecuniário se tira dele.
Isso porque novos
códigos exigem novos leitores, que só se formam a médio e a longo prazos, daí
porque os lucros que dele se tiram são os mais duradouros e mais alicerçados na
história das letras, já que não flutuantes e nunca efêmeros como a moda do dia.
Não por acaso se atribui ao tempo o grande juízo dos fatos. O que é bom
permanece, o que é ruim é esquecido.
A história nos indica
que pouquíssimos foram os escritores que alcançaram o sucesso em vida, e mesmo
esses, quando o conquistaram, já estavam nas últimas primaveras de vida, como
os recentes casos de Gabriel García Márquez e José Saramago, que agradavam
tanto ao público comum como aos leitores mais competentes.
Ainda não vivi o tempo
necessário para dizer que acumulei experiência produtiva de vida, todavia, no
abreviado tempo que já passou, vi sujeitos começarem nas letras muito bem,
conquistarem algum espaço e depois, convencidos de sua pretensa “genialidade”,
tropeçarem no próprio orgulho, no exibicionismo precoce e na prepotência –
características que foram inevitavelmente transplantadas à produção, que muito
perdeu em riqueza e polissemia.
Esses mesmos sujeitos
são aqueles que formaram em torno de si capelinhas de elogio, e porque se
puseram a crer em julgamentos de amizade, perderam o senso crítico real sobre
os próprios trabalhos e, no que tange aos ganhos artísticos (que são diferentes
desse capital social pernicioso), o que um dia estava em ascensão repousa na
mais infame horizontalidade.
Medir a projeção de uma
obra não é sondar e ter na ponta do lápis todos aqueles que a celebram e a
leem, porque esses são os amiguinhos de plantão que a contemplam não pelo
objeto, mas pela inescapável cordialidade de todos os dias. O verdadeiro ganho
de um autor contraditoriamente dilui-se pelos dedos, constituído por um público
discreto que aprecia mudo e sequer o conhece, senão através do escrito. Os livros
quando produzidos e distribuídos não nascem para serem sondados, mas para os
espaços jamais imagináveis e as prateleiras dos mais exigentes leitores.
Teresina, 2 de novembro
de 2017.
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