sábado, 21 de abril de 2018

ANÚNCIOS DO ALMANAQUE DA PARNAÍBA



ANÚNCIOS DO ALMANAQUE DA PARNAÍBA

Alcenor Candeira Filho

     Quando escrevi o livro ASPECTOS DA LITERATURA PIAUIENSE, onde consta um estudo sobre a poesia parnaibana a partir da origem, em 1808, com POEMAS, de Ovídio Saraiva de Carvalho e Silva,  -  compulsei  a coleção do ALMANAQUE DA PARNAÍBA, desde a primeira edição (1924), em busca de informações sobre poetas e poemas. Trabalho gratificante: em cada velha edição colhi preciosas  informações sobre a Parnaíba do século XX.

     Embora o objeto principal de minhas investigações fosse de natureza literária,  os anúncios estampados no ALMANAQUE  também me chamaram a atenção, especialmente os mais antigos.


     
     Na falta do rádio e da televisão, que incorporaram  ao discurso publicitário sons e imagens dinâmicas, a propaganda em Parnaíba naquele tempo lidava apenas com textos e imagens estáticas. Nesses anúncios rudimentares, avultam os textos prolixos, com enfadonha enumeração  dos produtos disponíveis. As ilustrações (tudo em preto e branco) eram raras e, a exemplo dos textos, pouco inventivas.  Aqui e ali, a fotografia do empresário-anunciante , ou da fachada do  estabelecimento, ou da principal mercadoria à venda.

     Mas se a publicidade da época, nitidamente amadorística, não se harmonizava com os princípios elementares da propaganda que recomenda o uso de textos curtos, claros, leves, comunicativos,  -  trazia pelo menos um aspecto positivo: enumerando exaustivamente suas atividades e suas mercadorias, os comerciantes, sem o saberem, estavam escrevendo importantes páginas da história econômica da cidade, relacionada justamente com seu período  de glória e de exuberância (1920/1950). Como assinalou o  historiador Manuel Domingos Neto no artigo “A Trajetória do Almanaque da Parnaíba”, publicado na 60ª edição, “talvez os elementos mais densos para o estudo da economia local estejam nos próprios anúncios publicitários. Ao longo dos anos, o Almanaque contou com centenas de anunciantes. Alguns destes empresários de fora que disputavam o  mercado local. A maioria era constituída de firmas parnaibanas. Pelos anúncios pode-se conhecer os produtos em oferta, as características do mercado, a competição entre empresários, a mentalidade dos clientes e negociantes, os modismos...”



     Foi a partir da leitura desses velhos anúncios publicitários que escrevi alguns poemas voltados para o passado glorioso da cidade, que se orgulhava da condição de grande centro exportador e importador. Um deles, “Anúncios do Almanaque”, é exemplo claro de intertextualidade, tendo resultado do aproveitamento de dois anúncios publicados na edição de 1942: um do Lloyd Brasileiro, representado na cidade por Moraes Correia & Cia.; o outro da Rossbach  Brazil Company, filial de Parnaíba. O poema  -  que se propõe recolocar no mercado consumidor velhos textos publicitários, agora numa linguagem estilizada, rimada, cadenciada e ao mesmo tempo fiel ao tema do original  -  foi publicado no livro A INSÔNIA DA CIDADE e diz o seguinte:

                    L L O Y D   B R A S I L E I R O

                     Europa, África do Sul,
                     América do Norte
                     E principais portos sul-
                     Americanos. Anote:
                       para carga & descarga
                       de cera de carnaúba,
                       amêndoas de babaçu,
                       folhas de jaborandi,
                       óleo de coco/oiticica,
                       algodão, noz de tucum
                       bem como para viagem,
                       prefira sempre os ligeiros
                       e confortáveis vapores
                       do LLOYD BRASILEIRO.
                       Agentes em Parnaíba,
                       Tutóia e Luiz Correia:
                       MORAES CORREIA & CIA.


                    ROSSBACH BRAZIL COMPANY

                                 -  Exportadores  -
                                 Matriz:
                                 New York.
                                 Filiais:
                                 Fortaleza
                                 Recife
                                 Bahia
                                 Maceió
                                 Parahyba
                                 do Norte
                                 Parnahyba.

                                                        Por trás de anúncios
                                                        que o cupim espreita
                                                        velhos vapores
                                                        e alvarengas velhas
                                                          nas águas cor de âmbar
                                                          sob o aceno verde
                                                          de carnaubais.

                              “No rio mais raso e mais estreito que outrora
                              Por onde só passam agora
                              Pequenos barcos e canoas
                              Passaram já em passado não remoto
                              Barcas paquetes vapores de carga alvarengas
                              Rumo mares sem fronteiras
                              Com charque jaborandi tucum babaçu
                              Para Europa
                              América do Norte
                              América do Sul
                              E portos brasileiros.”
                                         
                                              (A.C.F.  -  “Meus olhos Azuis”)   

     Para confronto vejamos um dos anúncios parafraseados:

                 L L O Y D    B R A S I L E I R O
                 Patrimônio Nacional

                 A maior frota mercante de navegação
                 Da América do Sul.
                 Serviços de cargas e passageiros para
                 todos os portos da costa do Brasil.
                 Mantém linhas de cargas ou passageiros
                 para
                 EUROPA, AMÉRICA DO
                 NORTE, ÁFRICA DO SUL
                 E PRINCIPAIS PORTOS
                 SULAMERICANOS
                 Prefiram para viajar e embarcar  suas
                 cargas os vapores do
                 L L O Y D    B R A S I L E I R O
                 Agentes em Parnaíba, Tutóia e Luiz Correia:
                 MORAES CORREIA & CIA
                 Telefone, 125  -  Caica Postal, 16
                 Av. Pres. Getúlio Vargas, 16
                 Telegrs:  -  NAVELLOYD e FRANCORREIA.

     Como se observa nos textos confrontados, a recriação parafrástica  não constitui um decalque nem propriamente uma readaptação, mas um desenvolvimento explicativo, uma versão desenvolvida do texto primitivo, cabendo ao parafraseador imprimir traços pessoais no trabalho sob pena de incorrer em plágio, em mera reprodução mais ou menos completa do original. E mais: diferentemente da paródia, que é a composição literária que imita, cômica ou satiricamente, o tema e/ou  a forma de uma obra séria, a paráfrase não tem intenção de ridicularizar e consiste na reinvenção de um texto mantendo fidelidade às ideias do original.



     Com 392 páginas, na mencionada 19ª edição foram publicados 252 anúncios, rigorosamente contados, sem considerar o estampado na contracapa, a maioria preenchendo página inteira. Resultado:  aproximadamente  metade das páginas do anuário correspondia a anúncios publicitários. Predominavam os de empresas de Parnaíba, mas eram publicados também os de estabelecimentos de outros municípios piauienses, como Teresina, Campo Maior, União, Floriano, Miguel Alves, Piripiri, Piracuruca, Pedro II, etc.

     Às vezes, a influência desses anúncios na minha poesia não é tão ostensiva como no exemplo colocado acima. É o que ocorre com os seguintes poemas que focalizam o contraste entre a exuberância da nossa atividade econômica no passado e a estagnação na segunda metade do século XX:

                                 RELÍQUIAS

                       Do Porto Salgado
                       aos Tucuns
                       as alvarengas enferrujadas
                       e os vapores abandonados
                       lembram os bons ventos fluviais
                       que abanavam a cidade.
                                             
                        
                                SONETO  FLUVIAL

               Contemplando o rio d’águas barrentas
               bem em frente do cais ao Igara
               vejo-lhe as curvas com a cara
               da minha e da cara d’outras gentes.

               Desta mesma plataforma estreita
               já te vi mais profundo e mais largo.
               Ah, como é triste ver-te tão magro
               e sem os vapores d’outros tempos!

               Ex-rio das exportações para a Europa
               América do Norte e do Sul
               (jaborandi tucum babaçu...)

               -  deste velho cais estreito outrora
               sobre o álveo não via das curvas tuas
               estas lágrimas fluviais  d’agora.    

OBS.: todas as ilustrações foram capturadas do Google.

Nenhum comentário:

Postar um comentário