Fonte: site da APAL |
Cabra-cega
Pádua Marques
Jornalista e escritor
Tinha
uma brincadeira no meu tempo de menino que ainda me lembro como se fosse hoje, a
cabra-cega. Nunca esteve tão próxima e servindo de exemplo pra o que está
acontecendo na política. Quem está acima dos 60 anos há de se lembrar que
naquele tempo não existia televisão na Parnaíba e à noite as crianças ficavam
brincando umas com as outras na porta da rua.
Cabra-cega
era brincadeira de meninos e meninas. Começava com uns poucos, mas depois ninguém
dava conta. Uma das meninas corria lá dentro de casa procurando um pedaço de
pano, uma fralda, um pedaço de saia que fosse e na volta era escolhido aquele que
daria a saída. O chefe da brincadeira dava umas rodadas pra ele ficar zonzo,
tonto de onde estava. Fosse menino ou menina. Não tinha esse negócio não.
Cabra-cega.
Não sei até hoje quem inventou, mas era brincadeira boa dos tempos dos meninos
e meninas de meu tempo. Quem brincou nunca há de esquecer. E vinham mais depois
outros e mais outros meninos das outras ruas. Vinham atraídos pelos gritos e
risadas. Vinham suados, de calção e sem camisas, brigões, meninos feios,
fogoiós e até os com cara de china. Vinham das redondezas, de outras brincadeiras
de cowboys, de manchas, de pegar no rabo da raposa, do jogo de bola de meia.
E
a gente ficava até a hora de se recolher pra dentro de casa nessas brincadeiras
de pegar e soltar uns aos outros. Não havia saliência. Os meninos e meninas
menores sempre eram os mais fáceis de serem capturados. Caiam na vez de
sofrerem por um bom tempo até que passavam pra outros. Na escola era a mesma
coisa. Brincadeiras de mancha. Esta agora sem os olhos cobertos por um pano. Valia
a resistência.
Era
brincadeira de astúcia. Consistia em descobrir e pegar o colega escondido. Sendo apanhado, era a hora de começar tudo, fazer
tudo, usar de todas as formas pra sair do castigo. Outras brincadeiras do meu
tempo de criança tinham as mesmas ou quase o mesmo jeito. Eram pra fazer a
gente se sair, tentar passar essa dificuldade pro outro. Como é na política.
E
a gente no final da noite antes de pegar o rumo de casa, havia mostrado o
quanto era esperto e rápido em se livrar de armadilhas. Porque todas aquelas
brincadeiras, fosse no meio da rua ou na escola à hora do recreio, tinham essa
coisa de nos testar. Essa mesma agilidade que deve ser testada agora nessas
eleições pra presidente. Estamos no meio de uma grande brincadeira de
cabra-cega.
Só
que desta vez são dois homens com panos nos olhos tentando nos pegar. Jair
Bolsonaro e Fernando Haddad são as duas cabras-cegas. E os meninos e meninas se pondo a correr e se
esconder pelos cantos e em cima dos muros e das cercas, por detrás dos carros
estacionados na rua, na casa dos vizinhos e atrás uns dos outros. Ou somos nós
as cabras-cegas?
Nenhum comentário:
Postar um comentário