quinta-feira, 14 de fevereiro de 2019

Sobre sogras e madrastas



Sobre sogras e madrastas

Elmar Carvalho

O grande Machado de Assis disse que teria meia dúzia de leitores. Ora, se Machado que era o Machado dizia isso, que direi eu? Bem, o fato é que um de meus poucos leitores, no caso o professor Nelson Rios, de Regeneração, dizendo que amanhã será o dia do sogro, e que ele gosta muito do seu, o senhor Raimundo Rodrigues Coimbra, pediu-me escrevesse alguma coisa sobre esse nosso parente por afinidade.

Inicialmente, devo dizer que nunca fui dado a escrever poemas de circunstância ou a pedido. Nunca tive habilidade para isso, mas desta feita abrirei uma exceção, mesmo porque o texto será em prosa. Por falar em parente por afinidade, se realmente houvesse afinidade, entre genro e sogro, sem dúvida seria uma grande dádiva e bênção. E se houvesse amizade, melhor ainda.

O fato é que não escolhemos nossos parentes, simplesmente nascemos em determinada família. Já os amigos, não; nós os escolhemos, pelas afinidades, pelas identidades, simpatia e admiração. Diz-se que os opostos se atraem. Isso pode ser verdade na física, no eletromagnetismo, mas não creio ser na amizade e nem no amor. Por que um homem bom e de bem seria amigo de um bandido, sobretudo perverso? Não creio haver motivo para isso, mesmo porque um homem mau e do mal não é amigo de ninguém, mas apenas cultiva os seus interesses e finge amizade, na defesa de suas conveniências momentâneas.

Agora, a mulher ou o marido são escolhidos por nós. Consequentemente, vamos ser genro ou nora de um parente de nosso cônjuge, que ele não escolheu, e que veio de contrapeso com o casamento. A Bíblia diz que, quando uma pessoa casa, deixa o pai e a mãe, para ir ser carne da mesma carne de outra pessoa. Claro, o texto sagrado não está recomendando a ninguém o abandono de seus pais, mas advertindo-o de que a sua preocupação, em primeiro lugar, deve ser com a família que irá constituir, principalmente com a vinda dos filhos.

No Brasil, seja por brincadeira ou por preconceito, as sogras são estigmatizadas, e consideradas verdadeiras megeras, vítimas das mais sarcásticas piadas. Em outros países, essas parentas afins são consideradas uma espécie de segunda mãe, e até são chamadas e tratadas como tal. No Brasil, talvez a sogra seja considerada uma espécie de mãe postiça, e muito desse preconceito venha de velhas estórias infantis, em que as madrastas maltratavam os enteados, sendo que uma delas enterrou uma orfãzinha, que, com um fio de voz, sumida e chorosa, vinda das entranhas da terra, pedia ao capineiro de seu pai para não lhe cortar os cabelos, que haviam nascido e crescido do ventre da terra.

Esse conto cortava o coração dos lacrimejantes pequenos que o ouviam. Há o ditado popular que diz: “Mateus, primeiro os meus”. Quiçá, em muitas mulheres, haja mesmo uma nítida preferência pelos seus filhos do que pelos enteados, mas isso não pode ser generalizado. Muitas madrastas foram mães extremosas para os enteados, e cuidaram deles com todo o desvelo de uma mãe de verdade.

A mesma coisa sucede em relação a sogros e sogras: muitos são verdadeiros pais para seus genros e noras, e lhes dedicam um verdadeiro amor familiar. Estimo que o meu leitor Nelson Rios, professor de matemática, mas versado em Humanidades, nesse aspecto seja um privilegiado, por ter um sogro de sua máxima estima e benquerer.    

9 de março de 2010              

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