A Agonia do Rio Parnaíba e os
Lavadores de Automóvel
José Pedro Araújo
Romancista, cronista e historiador
No passado não muito distante, os
trabalhadores que viviam do rio Parnaíba, além dos pescadores, eram barqueiros,
timoneiros, vareiros, balseiros (navegantes de balsas de buriti que trafegavam
em sentido jusante no rio posto que suas rudimentares embarcações não possuíam
motor propulsor). E quando a nobre atividade dos embarcadiços se extinguiu,
ficaram as lavadeiras de roupas, figuras cantadas em prosa e verso na
literatura piauiense, instaladas em pontos determinados, utilizando-se do cais
para quarar as roupas lavadas nas águas do Velho Monge. Sobraram, daquela época
de grande atividade na exploração comercial do rio, as prostitutas que vivam
pelo cais em busca de clientes, uma vez que as lavadeiras quase não são vistas
mais. Hoje, superlotam a margem do Parnaíba, especialmente em Teresina, os
lavadores de carro a assombrar ecologistas de todos os naipes e cores. Esses
cidadãos se torcem de raiva sempre que trafegam em seus automóveis pela margem
direita do velho e querido rio e dão de cara com esses pobres trabalhadores em
atividade.
Várias pessoas, sobretudo homens,
vivem dessa nova profissão, uma espécie de subemprego, desde que os
embarcadiços sumiram ante o aparecimento das estradas e dos veículos a motor.
Normalmente trabalhadores à margem do mercado formal, que buscam o sustento das
famílias promovendo a limpeza dos veículos de outras de melhor sorte, veículos
que, contraditoriamente, são responsáveis pelo sumiço da atividade de navegante
do rio. Entre o Iate Clube de Teresina e a Ponte da Tabuleta, existem mais de
mil lavadores trabalhando nessa atividade que começou em fins dos anos oitenta.
Se naquela época utilizavam latas para transportar a água do rio, hoje
instalaram bombas centrifugas para captá-la de forma mais eficiente e rápida.
Entretanto, desde o começo da atividade, têm sido perseguidos. No princípio
foram expulsos das imediações do Troca-troca e deslocados para as proximidades
do Iate Clube. Agora, padecem de constantes ameaças de definitiva expulsão em
razão da acirrada campanha que movem contra eles.
Em um ponto de lavagem
normalmente trabalham três pessoas, o seu proprietário, e mais dois ajudantes.
A propósito, alguns desses pontos são terceirizados (talvez a maioria),
pertencem a outros que os sublocam. Existem até quem possua vários desses
pontos de lavagem, e mensalmente recebem o valor acertado do seu aluguel.
Alguns destes proprietários são também agiotas que cobram juros inacreditáveis
pelos empréstimos realizados, semanal ou mensalmente.
Muita gente acorre até ali. Já
foram mais numerosos, alguns deixaram de ir depois de deflagrada insidiosa
campanha contra eles através dos meios de comunicação. Aproveitando a presença
de muita gente, clientes e trabalhadores do local, lá também se instalaram as
vendedoras de comida, de bebida, e de produtos eletrônicos contrabandeados
(CD’s de música e filmes, pen drives, cabos e outros periféricos), mas também
os vendedores de drogas ilícitas e as prostitutas em busca de clientela rara
também apareceram.
Esses trabalhadores encontraram
inimigos poderosos que fazem força para retirá-los de lá: os chamados
defensores do rio. Esses ditos ecologistas alegam, com certa razão, que a
atividade é poluidora, e que os lavadores devem ser removidos pelo poder
público. E por conta do clamor que se levantou muitos clientes até deixaram de
frequentar o lugar, como já falamos acima. O assunto tem sido tratado com certa
assiduidade na imprensa, e sempre de forma negativa.
De minha parte, apesar de achar
que o rio pode estar sendo prejudicado com a ação desses lavores de automóvel,
faço uma análise diferente do caso. Em uma cidade em que o emprego é uma coisa
raríssima, sobretudo para as classes menos preparadas para o mercado de
trabalho, retirar esses pais de família dali sem lhes oferecer alternativa,
significa empurrá-los para a criminalidade. Está implícito que trabalham ali
porque não encontram serviço em outro lugar, e em outra atividade. Depois, se
tiverem o cuidado de realizar uma visita ao rio nesse mesmo trecho já descrito,
vão encontrar uma quantidade enorme de bocas de esgoto despejando seus
efluentes diretamente nas águas do rio sem nenhum tratamento prévio. Esgoto até
mesmo de procedência altamente contaminadora, como os derivados de hospitais.
Deste modo, antes que o poder público retire esses homens e mulheres que
encontraram na atividade o sustento de suas famílias, façam primeiro o dever de
casa: promovam a captação das águas servidas e realizem o seu tratamento antes
que elas caiam no rio e o emporcalhe.
Não restam dúvidas que algo
precisa ser feito. O rio, tão importante para todos nós, consumidores diários
de suas águas (é dele que vem a água que bebemos, tomamos banho ou cozemos os
nossos alimentos, por exemplo), está a padecer horrores com a nova matriz
econômica em execução. O velho rio grande dos Tapuias se apresenta quase morto,
está há muito a reclamar de todos nós uma ação positiva para a sua defesa.
Se nos debruçarmos sobre o que já
foi escrito sobre ele, veremos que essa atividade destruidora vem de longe. O
engenheiro, geógrafo e etnógrafo Gustavo Dodt, por exemplo, contratado pelo
governo em 1872 para realizar estudos sobre o rio, navegou por ele desde a sua
nascente até o litoral, onde se encontra a sua foz. Naquele tempo, já denunciou que o Parnaíba
sofria um profundo processo de assoreamento devido ao crescente desmatamento de
suas margens. De lá para cá pouca coisa foi feita para que isso fosse
interrompido. Contrariando as ideias apresentadas pelo estudioso, e devido a
crescente exploração dos cerrados nos últimos anos, próximo a sua nascente,
acentuou-se drasticamente o problema. Centenas de riachos, lagoas e nascentes
que alimentavam o rio e engrossavam o seu volume, foram soterrados e já não correm em direção ao Velho Monge.
Assim, me parece que esse é o problema primordial que deve ser atacado,
enfrentado. Sem esquecer, é claro, a problemática do despejo de esgoto sem
tratamento no seu leito. Depois disto, aí sim, devem-se resolver a questão
daqueles pais de família que buscam o seu sustento através da lavagem de
veículos automotores no local.
Fonte do texto e da foto: Blog Folhas Avulsas
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