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Tragédia concretista (*)
Luís Martins
O poeta concretista acordou
inspirado. Sonhara a noite toda com a namorada. E pensou: lábio, lábia. O lábio
em que pensou era o da namorada, a lábia era a própria. Em todo o caso, na pior
das hipóteses, já tinha um bom começo de poema. Todavia, cada vez mais obcecado
pela lembrança daqueles lábios, achou que podia aproveitar a sua lábia e,
provisoriamente desinteressado da poesia pura, resolveu telefonar à criatura
amada, na esperança de maiores intimidades e vantagens. Até os poetas
concretistas podem ser homens práticos.
Como, porém, transmitir a
mensagem amorosa em termos vulgares, de toda a gente, se era um poeta concretista
e nisto justamente residia (segundo julgava) todo o seu prestígio aos olhos das
moças? Tinha que fazer um poema. A moça chamava-se Ema, era fácil. Discou.
Assim que ouviu, do outro lado da linha, o “alô” sonolento do objeto amado, foi
logo disparando:
- Ema. Amo. Amas?
- Como? – surpreendeu-se a jovem
– Quem fala?
- Falo. Falas. Falemos.
A pequena, julgando-se vítima de
um “trote”, ficou por conta e, como era muito bem-educada (essas meninas de
hoje!), desligou violentamente, não antes de perpetrar, sem querer, um precioso
“hai-kai” concretista:
- Basta, besta!
O poeta ficou fulminado. Não
podia, não podia compreender. Sofreu, que também os concretistas sofrem; estava
apaixonado, que também os concretistas se apaixonam, quando são jovens – e todo
poeta concretista é jovem. Não tinha lábia. Não teria os lábios. Por que não
viajar para a Líbia? Desaparecer, sumir… Sentia-se profundamente desgraçado,
inútil. Um triste. Um traste.
O consolo possível era a poesia.
Sentou e escreveu:
“Bela. Bola. Bala.”
O que, traduzindo em vulgar, vem
a dar esta banalidade: “A minha bela, não me dá bola. Isto acaba em bala.”
Não acabou, naturalmente. Tomou
uma bebedeira e tratou de arranjar outra namorada, a quem dedicou um soneto
parnasiano. Foi a conta. Casaram-se e são muito falazes… Oh! Perdão: felizes.
(*) Tomei conhecimento dessa bela e criativa crônica/conto através do livro As cem melhores crônicas, seleção de Joaquim Ferreira dos Santos (Objetiva, 1ª ed., 18ª impressão, 2017).
Fonte: Blog do Teco, o poeta sonhador
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