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Simplício
Dias à espera de Napoleão Bonaparte na praia da Pedra do Sal
Pádua
Marques
Jornalista
e escritor
Se pudessem dizer pelo
menos alguma coisa, um nome feio por menor que fosse e não parecesse ofensa e
insubordinação, aqueles soldados famintos, com sede e os pés cheios de bolhas
certamente diriam que o capitão Simplício Dias da Silva, aos trinta e cinco
anos, estava fazendo papel de palhaço em cima daquelas pedras e com os olhos
vidrados pra dentro do mar, na praia imensa e sem vida da Pedra do Sal, naquela
manhã de fevereiro de 1808.
Tudo porque o governador
da capitania do Piauí, Carlos César Burlamaqui, que passava o dia lá na
distante Oeiras limpando as unhas com a ponta de um punhal e de vez em quando
fumava um cigarro filado de um cabo puxa saco, cismou de mandar pra Parnaíba um
estafeta, instruindo o capitão Simplício Dias da Silva de que ficasse com os
olhos bem abertos porque o Piauí corria o risco de ser invadido pelo general e
imperador Napoleão Bonaparte, à época com trinta e nove anos.
Burlamaqui recebeu
notícias de que a França havia riscado Portugal do mapa da Europa e tudo
indicava que o príncipe dom João corria risco de ser preso e até morto em
Lisboa, se não desse a qualquer hora com a família nas costas da Bahia, o que
realmente acabou acontecendo. Vinha de mala e cuia com um monte de ministros e
de assessores. Instruía o governador ao comandante militar sobre a defesa do
litoral piauiense e confiava na perícia do parnaibano. Simplício se encheu de
moral e armou logo de manhã uma confusão na cozinha porque a criada não havia
cozido os ovos e o leite não havia chegado.
Depois de calçar as botas
lustradas a esmero, fardado e medalhado, descendo pra frente da casa de morada,
reuniu a tropa, nada mais que uns trinta soldados rasos, dois oficiais e uns
cinco escravos como pessoal da logística. Marchar até a distante praia da Pedra
do Sal, umas quatro léguas e meia de Ilha Grande de Santa Isabel pra dentro,
esperar que aparecessem os franceses, que segundo alguns fofoqueiros da praça
da Graça, seriam comandados pelo próprio imperador, que ao que constava, muito
queria conhecer o delta do Parnaíba e principalmente o porto dos Tatus.
Simplício Dias da Silva naquela
manhã estava com a cachorra! Mandou perfilar a tropa e a banda executar o hino
de Portugal e aquela música do Airton Senna. Depois subiu as escadas à procura
de dona Isabel Thomásia pra dar algumas instruções, em caso de ocorrer algum
infausto na campanha. Os negros iam levando em grandes caixas de madeira, a
farinha, a carne seca e nas ancoretas a água pra beber. Só e não tinha outra
coisa não. Os soldados armados com espingardas velhas de encher pela boca,
estavam um aqui e outro ali reclamando porque não haviam recebido as diárias.
Foi emocionante e ao mesmo
tempo triste a expedição dos voluntários da Parnaíba que iriam enfrentar
Napoleão Bonaparte e os seus soldados naquela que se chamaria a Batalha da
Pedra do Sal. Choro e ranger de dentes. Ranger de dentes mesmo era pra os
escravos tendo que levar na cabeça e nos ombros todos aqueles apetrechos,
aquela arrumação toda sabendo que iriam voltar com a cara calçada de vergonha.
Atravessaram o Igaraçu e entraram de ilha adentro. Simplício e os oficiais
montados a cavalo e os soldados a pé e ainda cantando, que era pra ninguém
ficar mangando ou reclamando uns dos outros. Castigo era meia dúzia de bolo de
palmatória de número dois, aquela que tem um furo no meio.
Depois de cinco horas de
marcha batida havia gente arrenegando de ter deixado o bem bom da caserna! Um
sol de rachar os miolos. Carnaúba pra tudo que era lado e depois as enormes
dunas de areia quente queimando o solado dos pés. Levaram um dia inteiro nessa
arrumação. Simplício de vez em quando olhava pra trás pra ver se alguém estava
fazendo corpo mole ou querendo correr no rumo do Labino. Ao final da tarde
avistaram as pedras enormes. Os animais, os soldados e os negros estavam
enfadados, mas ninguém reclamou ou deu um piu! O pessoal da logística foi logo
tratando de montar as barracas onde iriam dormir o capitão Simplício Dias e os
oficiais.
Passaram dez dias
esperando um sinal que fosse vindo do mar. Comendo carne seca com farinha
branca e bebendo água racionada. Ninguém tomava banho. Nos três primeiros dias
os soldados passavam o dia marchando e recebendo instruções de combate. Mas do
quarto dia em diante, como ninguém era de ferro e nem via e nem ouvia um sinal
de vida, uns foram saindo e ganhando as pedras, outros pescando, outros fazendo
poesia.
E outros se danaram a
escrever os nomes de esposas, namoradas, amantes e casos nas pedras. Era letra
de tudo quanto era jeito e tamanho. Anita, Solange, Marilda, Pretinha, Diane,
Lucineide, Socorrinha, Angélica, Bruna, Fransquinha, Lurdinha, Patrícia,
Rebeca. Encheram as pedras de declarações de amor, corações e de nomes.
Simplício fazia que não estava vendo nada. Passava o dia riscando o chão de
areia fofa com um graveto e mandando os oficiais menores procurarem o que fazer
ou indo até a parte da cozinha de campanha olhar pra dentro das panelas.
A água e a paciência dos
soldados estavam acabando, mas ninguém reclamava de nada. Tinha soldado que
estava achando aquilo uma beleza que não iria nunca mais se repetir tão cedo.
Simplício Dias da Silva começou a ficar impaciente e desmotivado. Olhava pra aquele
mundo de água salgada e não via um sinal de nada. Já começava a criar uma
escuma nos cantos da boca quando chamou todo mundo e mandou que debandassem.
Napoleão deve ter desistido com medo. Só podia ser!
Excelente texto! Qual era a música do Airton Senna?
ResponderExcluirTantantan, tantantan..
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