“Nossa saída é pelo mar, Amarração...”
Pádua Marques
Romancista, cronista e contista
Demétrio,
Raimundo Xexéu, Pompílio, Caveira, Saco, Chagas Ventania, Onofre, Araioses, seu
Chico e tantos outros estivadores estavam naquele dia 20 de maio de 1920 no
largo da igreja de Nossa Senhora da Graça e depois no porto Salgado pra ouvir o
doutor José Pires de Lima Rebelo num longo discurso falar sobre a construção do
porto de Amarração. Sete dias antes havia sido a vez dos ricos, bem apessoados,
corta jacas de políticos se reunirem no Cine Éden pra uma conferência
criticando a dependência do Piauí para o porto de Tutóia no Maranhão.
Todos
aqueles estivadores saíram de casa bem cedo. Mal tomaram um gole de café que
fosse, mas estavam alegres, rindo com os paus, tudo com os dentes na fresca.
Nesse movimento tinha por trás Armando Madeira, o presidente da Associação
Comercial de Parnaíba. Nunca se tinha visto uma festa tão bonita. As grandes
casas comerciais na rua Grande, que ia dar no porto Salgado, hastearam
bandeiras do Brasil, Inglaterra e da França. E a banda de Pedro Braga vinha lá
da Caixeiral desfilando e tocando dobrados com os meninos, velhos, homens
feitos, os bêbados e até os faltos de juízo batendo palmas.
Mulheres
com crianças pequenas, mocinhas, meninos, embarcadiços e estivadores estavam
naquela manhã na frente da Casa Inglesa e nas ruas próximas esperando o
intendente Nestor Veras e James Clark falarem sobre a importância pra Parnaíba
com o porto de Amarração. Veio gente viajando de canoa de Ilha Grande de Santa
Isabel pra ajudar a formar aquela multidão. Era se olhar e se ver todo mundo
limpo, de banho tomado, roupa passada e o tamanco novo grosando nas pedras em
frente aos armazéns.
Domingas
dos Reis veio com os cinco filhos lá dos lados do Bebedouro e se plantou de
frente à Casa Inglesa tentando uma ajuda de barro e palha pra levantar sua casa
que havia sido queimada. Encontrou sim foi tudo que era repartição do governo,
lojas e armazéns fechados e a cidade cheia de bandeiras e banda de música do
negro Pedro Braga tocando dobrados pra cima e pra baixo.
Mas
Domingas dos Reis não foi de dar com a cara na porta. Se colocou a esperar o
primeiro rico que descesse a escada. Mas ninguém naquela confusão deu atenção a
ela. Mal satisfeita, acabou dando umas lapadas de chinelo num dos meninos, rogou
praga, falou mal de seu James Clark e de seu Marc Jacob, resmungou e tudo o
mais. Como ninguém lhe deu atenção, ficou por ali e acabou engrossando a
multidão e pedindo de um aqui e outro ali um vintém, uma ajuda que fosse pra
pelo menos colocar alguma coisa na boca daqueles meninos naquele dia.
Armando
Madeira disse outra vez que Tutóia prejudicava o desenvolvimento de Parnaíba. E
naquele momento estava lendo um longo documento tentando angariar apoio entre
os operários de Parnaíba. Estava ao lado dos homens mais ricos e influentes
como Marc Jacob, José Narciso, Delbão Rodrigues, James Clark, Francisco
Correia, Josias Moraes e Merval Veras. E aquela gente, feito nuvem, estava ali
naquele terror de sol, batendo palmas aqui e ali, indo e vindo, achando graça
deste ou daquele pronunciamento mais engraçado ou promessa de uma vida de
riquezas pra Parnaíba.
Os
bêbados, rapazinhos, meninos, os avulsos, saíam no rumo do Cheira Mijo pra
comprar nos botecos alguma coisa pra beber, fosse aguardente, bolos, cuscuz de milho
verde e tapioca. Ricos como seu Marc Jacob e James Clark naquele dia eram de
estar bebendo uísque, gim, vinho de boa procedência, licores. Os pobres estavam
gastando o pouco apurado com tiquira, genebra, cachaça serrana, conhaque de
alcatrão. Mascando fumo. E assim foi aquele dia de muita celebração em toda a
Parnaíba. O intendente Nestor Veras veio até a beira do cais do porto Salgado
falar com aquele povo suado e paciente.
Mas
não veio sozinho o intendente que deixava o cargo e já logo haveria de ter um
sucessor, José Narciso da Rocha Filho. Trouxe pelo braço Armando Madeira,
Merval Veras, James Clark e outros de menos conhecidos, mas ricos, donos de
terras, de gado, carnaubais e até de navios. Raimundo Xexéu foi um dos
estivadores que apertaram a mão daqueles homens limpos, falantes, portando
bengalas, bem vestidos, anéis de ouro nos dedos, perfumados de lavanda e usando
lustrados sapatos ingleses.
A
fala dos homens mais ricos da Parnaíba pra aquela multidão de gente pobre vinda
de tudo quanto era canto deixou a muitos satisfeitos. Aquela novidade sobre a
construção do porto de Amarração deixando a Tutóia morrer à míngua era
significado de mais trabalho pra toda aquela gente. Parnaíba ia sair do
cabresto da Tutóia! Os parnaibanos iam deixar de ser bestas, diziam. Era mais
dinheiro pra Parnaíba e pra os estivadores, a gente do porto, mais trabalho pra
todos.
E
teve deles, daqueles pais de família, saídos de suas casas com o cantar do
galo, com a melhor roupa, que acreditaram naquelas promessas ditas da sacada da
Casa Inglesa pelos maiorais da Parnaíba, Armando Madeira, Nestor Veras, James
Clark e Lima Rebelo e depois no meio dos caboclos no porto Salgado quando
muitos daqueles homens rudes e sem instrução acabaram molhando os cantos dos
olhos. Mas o porto de Tutoia estava sendo era perseguido por aquela campanha
comandada por Madeira Bastos.
E
tanto era que a campanha fez com que muitos barcos deixassem de atracar no
porto Salgado naquele dia e nos dois seguintes com medo de agressões à
tripulação, de serem incendiados e até afundados. Naquele dia ninguém trabalhou
na Parnaíba. Era tudo festa, era tudo contentamento. E aquele povo todo já pela
hora do almoço foi saindo no rumo das bancas de frutas do Mercado Central,
tomando as quitandas na Coroa, Cheira Mijo e Tucuns esperando que o porto de
Amarração chegasse logo.
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