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BEM-TE-VIS E
URUBUS
Elmar Carvalho
Em Parnaíba, de
manhã bem cedo, do apartamento, ouvi as flautas alegres dos bem-te-vis, em que
as aves parecem conversar musicalmente ente si. Embora não estejam entre os
mais prestigiados pássaros canoros, contudo, gosto do canto deles, pela alegria
moleca que parecem transmitir. Com suas plumas de vivo colorido, parecem estar
vestidos a caráter.
Sua cantiga tem
timbre, ritmo e arranjos diferentes, embora sutis e quase imperceptíveis a quem
os ouve desatentamente. Conta a lenda que a onomatopeia da cantiga dessas aves
nos serve de advertência para que tenhamos cuidado com as nossas ações e
omissões, pois alguém ou Deus, em sua onisciência, sempre nos poderá dizer: bem
te vi!... A algazarra esfuziante dos bem-te-vis me fez lembrar que ontem, ao
entardecer, da janela do banheiro, contemplei a coreografia majestosa dos
urubus, em sua planação circular.
A dança ficava
exatamente no meu campo de visão da lua em quarto-crescente. Por vezes, em seus
volteios, algum deles ficava em conjunção entre mim e a lua, o que mais tornava
encantadora a revoada das aves negras se recortando contra o céu. Lembrei-me de
minha mãe, porque foi ela quem primeiro me chamou a atenção para a beleza do
voo solene, soberbo, dos urubus.
Também me
ensinou a admirar a beleza das flores e das árvores e o encantamento das
nuvens, explicando, em minha infância, que elas formavam diferentes desenhos,
como um rebanho de ovelhas de imaculadas lãs brancas, ou uma rocha gigantesca,
ou enormes paquidermes, embalados ao sabor da brisa, que depois tomavam novas
formas, através dos cinzéis do vento. Minha mãe, ao cantarolar as belas letras
de lindas melodias, também me ensinou, desde criança, a apreciar a boa música.
Talvez por isso
tenha surgido a minha repulsa pelo barulho ensurdecedor das músicas e pelas
apelativas e de muito mau-gosto letras dos tristes dias de hoje. Um dia, quando
degustava uma cerveja com o meu falecido cunhado Zé Henrique, no bar do Zé
Lira, no céu límpido e azulado de Campo Maior, mostrei-lhe a beleza da dança
planada e circulatória dos urubus, e lhe falei desses garis alados, que não
sujam o mundo; que, ao contrário, limpam o mundo da sujeira dos outros, da
sujeira que os outros fazem.
Falei-lhe do
seu caminhar gingado, malandro, como diz a letra da música popular; da saúde
deles, pois, comendo o que comem, nunca se ouviu falar de que sofressem de
alguma infecção ou indigestão. O meu cunhado passou a admirar essas aves de
rapina, e certo dia, na casa de meus pais, talvez na premonição de sua morte
precoce, e acredito que por um blefe brincalhão, disse que gostaria de voltar
como um urubu.
Minha mãe
retrucou-lhe, e disse que gostaria de ser um bem-te-vi, bela e alegre ave. O
saudoso Zé Henrique preferiu a beleza das acrobacias e coreografias aéreas dos
urubus e a utilidade instintiva de suas faxinas. Minha mãe, que, em suas poucas
letras, ensinou-me a ver a beleza das coisas e da música, preferiu a magia das
cores e o canto dos pândegos bem-te-vis.
24 de abril de 2010
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