quinta-feira, 30 de julho de 2020

O doce de buriti

Fonte: Google/Jardim Exótico


O doce de buriti 

Carlos Rubem

Brincadeira tem hora! Certamente, pensando assim, José Gregório, dono de um rústico engenho de cana, tornou-se inimigo de Tomás Maurício, vaqueiro. O primeiro residia na Fortaleza. O outro, em Sussuapara. Localidades do município de Oeiras. O fato jocoso envolvendo a ambos aconteceu na década de 40.

 

A feira citadina se realizava, então, somente aos sábados. Certa vez, ao entardecer, Tomás comprou no Mercado Público, um caixão de doce de buriti. Rumou viagem de regresso. Logo que atingiu o bairro Canela começou a comer a referida iguaria. Passou-a toda no papo. Quando chegou mais a frente, desceu do cavalo e foi fazer uma precisão, debaixo de um frondoso Chapada. Terminado o serviço, como o auxílio de um graveto, colocou o excremento dentro do caixote, lacrando-o. Depois deixou este presente no meio da estrada. Ora, Tomás sabia que quem iria encontrá-lo era Zé Gregório, pois o tinha visto preparando-se para voltar a sua casa. O caminho a ser percorrido era aquele.

 

Dito e feito. Não custou muito, Zé Gregório avistou logo o achado. Saltou-se do meio da carga do jumento. Apanhou o caixote, guardou-o. Satisfeito, dizia para si:

 

“Ah! Atrás deste é que eu andava”.

 

Apressou a viagem com medo do  dono do doce voltar para procurá-lo.

 

Zé Gregório chegou em casa lá pelas sete horas da noite. Mandou a sua mulher, Ana Maria, botar logo a janta. Estava cansado, faminto. Morava com o casal um neto de nome Sabino, desorientado do juízo. Vivia pelo mato, não trabalhava. Negro dos olhos amarelos e pés rachados. Sabino gostava de espiar a comida dos outros. Estava ali reparando o avô devorar o seu descomunal prato. Uma lamparina luzia vagamente aquele tosco ambiente.

 

Acabando de jantar, Zé Gregório gritou a sua mulher:

 

“Ana Maria, traga da mala um doce de  buriti que tá aí...”

 

A velha veio pressurosa. Colocou o doce em cima da mesa. Quando Zé Gregório começou a tirar a primeira tala do caixote, sentiu um mau cheiro avassalador. Pensou que tivesse sido Sabino que tinha dado um vento. Indignado, bateu a mão a cintura:

 

Espera fio duma égua, que tu vai já cagar fedorento no mato. 

 

Sabino correu de porta afora, caiu no escuro...

 

Em seguida, Zé Gregório desmiolou o doce com uma colher. Quando ia levando-a à boca cismou com os caroços de feijão no doce. Cientificou-se bem:

 

– Mas menino, que cabra sem vergonha, fio dum mil e seiscentos diachos!, bradou.

O que foi José?, indagou Ana Maria, apavorada.

 

Isto é arrumação de Tomás Maurício, eu pensava que era doce e o condenado era só bosta, respondeu.

 

Pegou o caixote, atirou-o no terreiro. Ouviram-se os estalos dos porcos que saboreavam a deliciosa fruta.

 

No dia em que eu me encontrar com Tomás eu mato ele, prometeu Zé Gregório.

 

A notícia do doce correu célere. Todos da redondeza tomaram conhecimento desta presepada. A gozação foi geral!

 

Na sexta-feira seguinte, quando vinham para a cidade, os dois voltaram a se encontrar quase no mesmo local onde o doce fora deixado, na bifurcação da estada. Tomás Maurício vendo o seu compadre foi logo se derretendo em gargalhadas. Tinha uma gaitada puxada. Zé Gregório não perdeu tempo. Partiu com um facão para cima de Tomás. Este procurou se safar. O jeito que teve foi se espreguiçar o seu cavalo.

 

O pobre brejeiro se tornou um homem enfezado para o resto da vida!  

Nenhum comentário:

Postar um comentário