quarta-feira, 7 de outubro de 2020

Escurinho, o craque sem chuteiras


Caiçara Esporte Clube - Vice-Campeão Piauiense de 1963    Fonte: Portal Líder



Escurinho, o craque sem chuteiras


José Ataide Tôrres Costa Filho

Memorialista e cronista

 

Ainda criança, morando em Campo Maior, conheci Francisco das Chagas Santos Pereira, nascido em 20.10.1941, na cidade de Buriti – MA, antiga Buriti de Inácia Vaz, tendo se imortalizado pelo belo e ágil futebol que jogava, com o apelido de Escurinho.

Escurinho chega a Campo Maior no início dos anos sessenta, levado pelo Sr. Francisco Barros (Chico Barros), campomaiorense, membro da diretoria do Caiçara.

O Sr. Chico Barros trabalhava com caminhão, fazendo transporte de cargas e em uma de suas viagens para o Maranhão parou para descansar na cidade de Buriti de Inácia Vaz, onde estava ocorrendo uma “pelada” no final da tarde, e observou um determinado jogador, um jovem garoto de pele escura (daí o apelido Escurinho), jogando com uma habilidade inacreditável para alguém daquela isolada localidade.

Após o final da “pelada”, Chico Barros, fazendo as vezes de olheiro, procura o jovem craque e o convence a ser levado para jogar em Campo Maior, no Caiçara Esporte Clube, time da primeira divisão do Campeonato Piauiense.

A chegada de Escurinho, ainda um jovem de 18 anos, em Campo Maior foi envolta de muita euforia por parte da torcida caiçarina, todos empolgados com o jovem craque e com a esperança de bons frutos para o “Leão da Terra dos Carnaubais”.

Marcado o primeiro treino, o estádio foi lotado pelos curiosos torcedores, todos ávidos para ver as jogadas do novel craque. Começa o treino e já se passam 30 minutos, público decepcionado, querendo ensaiar uma vaia, pois Escurinho não havia jogado nada, a ponto de nem suar a camisa, frustrando a expectativa de todos. Terminada a primeira parte do treino, o Técnico e o Sr. Chico Barros chamam Escurinho para conversar e indagam o que estava acontecendo; procuraram por aquelas jogadas que fazia em terras maranhense. Escurinho informa que nunca havia jogado com chuteiras e que não tinha o hábito de jogar com aqueles coisas nos pés; então pede para tirar as chuteiras, e jogar sem elas. O Técnico permite que jogue sem chuteira na segunda metade do treino e foi um show de bola, chegando inclusive a marcar dois gols.

A contratação foi aprovada, mas a comissão técnica perdeu uns sessenta dias para poder utilizá-lo na equipe principal, até que Escurinho se adaptasse ao uso de chuteiras.

Escurinho ficou também conhecido em Campo Maior como “O menino do Senhor Zacarias”. Naquela época a maioria dos jogadores eram patrocinados por alguns empresários torcedores do Caiçara, e o empresário Zacarias Gondim, proprietário do Cine Nazaré, se propõe a patrocinar o jovem craque, além de lhe servir em sua residência alimentação diária, pagava-lhe um bom salário.

Assume a ponta esquerda do Caiçara, no qual jogou até 1965, e ajudou a equipe em memoráveis campanhas, inclusive no vice-campeonato estadual em 1963.

Em 1966 foi transferido para o River Atlético Clube, em Teresina, a quem igualmente ajudou com seu belo futebol a obter várias conquistas. Retorna ao Caiçara em 1970, e termina seus dias como jogador de futebol no Auto Esporte Clube, jogando no período de 1971 a 1973. Logo depois que deixou de jogar futebol, conseguiu ser enquadrado no quadro de servidor da Secretaria de Educação do Estado do Piauí.

Como falei anteriormente, minha amizade com o Escurinho remonta ao início da década de sessenta, quando ele chegou a Campo Maior. Naquela época a sede do Caiçara (uma casa que servia de alojamento para os jogadores, visto que uma boa parte do jogadores eram oriundos de outras cidades ou estados) ficava bem próximo à minha casa, mais ou menos duas quadras, e toda tarde, quando os jogadores voltavam do treino, paravam na minha casa para beber um boa água gelada.

Foi aí que eu, ainda uma criança, fiz amizade com o Escurinho. Os anos passaram, Escurinho veio para Teresina, eu fui para Fortaleza, e de volta ao Piauí, morando em Teresina no bairro Primavera, no final dos anos oitenta, encontro o Escurinho, depois de umas duas décadas, de modo que pude continuar privando de sua amizade, como vizinho até os dias atuais.

Como jogador, além de ágil e habilidoso, sempre foi um atleta honrado, de atitudes corretas e jogadas leais; como homem simples, que sempre foi, fazia as coisas conforme suas possibilidades e, segundo depoimento de seus filhos, foi um bom pai.

Hoje fui surpreendido com a notícia de que meu amigo de longas datas deu o chute final na longa e brilhante “partida” de sua vida terrena. Com certeza agora Escurinho faz belos gols na grande arena celeste.    

Nenhum comentário:

Postar um comentário