Agradecimento ao velho corpo
Elmar Carvalho
Há vários anos sem escrever versos, elaborei este poema, em
que presto homenagem a meu corpo, tantas vezes injustiçado, esquecido ou negligenciado.
Talvez seja meu canto de cisne, espero que não por morte.
Obrigado, velho amigo,
meu instrumento, minha tenda,
pelos longos anos de bons serviços prestados.
Nem sempre te dei a devida e merecida atenção.
Agora faço este encontro de contas ou ajuste
entre meu espírito e tu, meu bom servo.
Tampouco te agradeci por me servires,
nesta romagem terrena, sem reclamares
e sem te escusares ao labor árduo ou leve.
Certo adoecestes algumas vezes.
Me chateei contigo outras tantas,
quando o cansaço te exauria.
Quantas vezes, no esplendor da adolescência
e no vigor da juventude, não exultei quando
as mulheres nos olhavam com êxtase e afeto.
Eras prenhe de energia e vigor,
e eu era então incansável em labutas
úteis ou de puro ludismo e amor.
Tudo me era um hino à vida
e ao prazer, ao simples prazer
de estar vivo e contente.
Relutei em aceitar o teu declínio.
E o lento desmoronar em rugas,
esculpidas em minha pele, outrora
macia, e que suscitava carícia e louvor.
Nunca te agradeci
pela perfeita e sincronizada
engrenagem de múltiplos órgãos
a trabalharem, cada um em sua função,
desde a mais humilde à mais nobre,
todas contudo imprescindíveis.
Obrigado, velho companheiro, minha tenda
terrena, tenda de pó, pó ao pó, pó ao poente,
por todos esses anos, em que estivemos
juntos, visceral e radicalmente colados.
Aproxima-se o dia em que me deixarás
ou em que eu te deixarei. Tu ficarás.
Eu irei, não sei ao certo para onde. Mas irei,
sem corpo ou em corpo mais glorioso, para
uma das várias e inefáveis moradas do Pai.
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